Desde 2009, o pecuarista Ailton Cabral procura pelo título definitivo de terra que lhe foi prometido após a saída da Raposa Serra do Sol com a demarcação das terras indígenas à época. Conforme relembra, por determinação judicial, foi feito um acordo para a realocação em outra área a fim de continuar as atividades, o que ainda não foi cumprido.
Ele procurou a Folha para relatar que, do momento em que foi retirado da região até hoje, tem procurado obter o título definitivo, mas só encontra respostas incompletas por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Atualmente, ele mora no Projeto de Assentamento Nova Amazônia, zona rural de Boa Vista, onde encontra limitações estruturais e uma disputa por lotes.
“Se não temos o título definitivo, uma segurança que a terra é nossa, não é estar alocado. Viemos batalhando por energia elétrica e sempre dizem que é responsabilidade do outro. A gente vai ficando nessa enrolação”, lamentou, acrescentando que quando houve a saída da Raposa Serra do Sol, a Fundação Nacional do Índio (Funai) teria avaliado cada lote para que os valores fossem pagos aos pecuaristas.
De acordo com a promessa, novas terras seriam dadas pelo Incra ou Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima (Iteraima).
“Não tem mais o número de vezes que procuramos. Tenho duas sentenças na Justiça Federal e só falam que estão verificando”, afirmou.
Cabral lamentou a morte de muitas pessoas durante a espera para receber o título definitivo e destacou que até hoje não há uma segurança no loteamento em que está atualmente, pois existe uma divergência sobre qual é o limite de terra para cada um.
“Por exemplo, hoje demarcam aqui e tiram o lote de uma pessoa e aí a casa dela fica no lote de outra”, contou.
Incra aguarda novo sistema para emissão de títulos
O direito de reassentamento foi garantido pelo governo federal para as famílias retiradas da Raposa Serra do Sol, sendo feito dentro dos moldes da reforma agrária.
“Garantiram aos criadores uma reposição de áreas. Nós não temos áreas suficientes ou nas quantidades que esses pecuaristas dispunham na época. Então, a gente vem ordenando e regularizando essas pessoas à proporção que temos terras”, explicou o superintendente do Incra, Antônio Adesson.
Ele destacou que o Estado recebeu várias glebas, em torno de seis milhões de hectares, e que o Poder Executivo estadual também tem a obrigação reassentar por meio do Iteraima.
“As terras de reforma agrária nem sempre atendem o pecuarista. Vai atender o desintrusado que vivia na comunidade e tinha uma pequena posse, mas aquele que tinha uma fazenda acima de dez mil hectares de terra, como que vai alojar num lote de 60 hectares?”, questionou.
DENÚNCIA – Das famílias que estão no Projeto de Assento Nova Amazônia, o superintendente garantiu que todas estão assentadas e com os processos no Incra em via de titulação.
“Entre 2009 e até o dia primeiro de 2019, as glebas não transferidas para Roraima eram gerenciadas pelo programa Terra Legal, que foi extinto pelo presidente [Jair] Bolsonaro. Como a área de regularização fundiária saiu do Incra para o programa, deram a continuidade no pagamento, mas eles não tinham essa autonomia no Estado e tudo remetia a Brasília, o que era uma demora muito grande”, sustentou.
Com a regularização fundiária de volta para o Incra neste ano, Adesson destacou que todo o acervo do Terra Legal está sendo transferido para Roraima no momento e aguardando a alteração do regimento interno do instituto para que possa ajustar o sistema de titulação de área de regularização fundiária, porém ainda não há previsão para que isso ocorra.
Em relação ao caso de Ailton Cabral, por causa da decisão judicial, o processo foi remetido nessa terça-feira, 9, para Brasília.
“Eu não tenho autonomia para emitir o título aqui sem o aparato legal. Vou remeter a Brasília somente o processo dele devido à decisão. Vão achar uma forma de fazer a emissão desse título, independentemente de sistema”, afirmou Antônio Adesson.
Iteraima afirma não ter interferência na emissão de títulos
Por meio de nota, o Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima informou que, em relação às famílias alocadas no Projeto de Assentamento Nova Amazônia, não cabe ao órgão qualquer interferência quanto à emissão de títulos definitivos ou documentos de posse, uma vez que, conforme o Decreto nº 6754/09, os projetos de assentamento federais não serão repassados para o Estado, permanecendo sob a responsabilidade da União.
“Todos os projetos de assentamento federais no Estado estão sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Incra], a que cabe, inclusive, o reassentamento das famílias que se encaixem no perfil de reforma agrária”, relatou.
A nota completa justificando que, apesar de a responsabilidade tanto de indenização quanto de reassentamento ser do governo federal, o governo de Roraima realizou no ano passado a convocação de famílias desintrusadas de terras indígenas, com o objetivo de identificar aquelas que ainda não foram reassentadas pela União e, desta forma, fazer um diagnóstico da demanda existente.
“É importante ressaltar que o levantamento visou identificar famílias de todas as terras indígenas homologadas no Estado, e não somente da Raposa Serra do Sol. Após a identificação da demanda, o governo fará diagnóstico para verificar a viabilidade de contemplação dessas famílias, dentro das possibilidades legais”, encerrou a nota. (A.P.L)