Cotidiano

PMBV nega informações sobre R$65 mi da mobilidade urbana

Vereador entra com mandado de segurança para Prefeitura de Boa Vista prestar informações sobre obras de mobilidade urbana e como empréstimo foi aplicado

JESSÉ SOUZA – Especial para a Folha

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A busca por informações sobre o gasto de R$ 64,9 milhões com obras do Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana, sob responsabilidade da Prefeitura Municipal de Boa Vista (PMBV), acabou indo parar na Justiça. Depois de não conseguir obter os dados por meio do Portal da Transparência do Município e de ter vários pedidos de informação negados pela Empresa Municipal de Desenvolvimento (Emhur) e Secretaria Municipal de Obras, ainda em setembro de 2018, o vereador Linoberg Almeida (REDE) entrou com um mandado de segurança para que tenha acesso a informações sobre execução das obras, mobilidade, equipamentos e melhoria do sistema viário de transporte urbano na capital.

Como se trata de um financiamento feito pela Caixa Econômica Federal, no valor exato de R$ 64.945.444, que o contribuinte boa-vistense terá que pagar com juros por meio de impostos, o parlamentar justificou, no recurso judicial, que é necessário ter conhecimento do inteiro teor da aplicação das verbas destinadas às obras autorizadas mediante aprovação de lei, bem como compreender melhor as iniciativas e eixos a serem desenvolvidos na cidade. 

“Dessa forma, além de fiscalizar o Executivo, ainda pode, ato contínuo, esclarecer a comunidade acerca de suas implicações no cotidiano”, diz o vereador no mandado de segurança.

O Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Boa Vista concedeu o pedido de liminar para que a prefeitura fornecesse informações sobre o projeto e as obras, mas o que foi entregue ao parlamentar, por meio do Processo Eletrônico do Judiciário de Roraima (Projudi), foi um calhamaço de aproximadamente 200 páginas com cópia de folhas do Diário Oficial do Município (DOM) sobre as licitações das obras, mas que não detalham informações sobre elas.

“A gente foi lá, pegou as 200 páginas. Se somar cada um dos itens, não dá R$ 65 milhões. Só que esse é o jeito errado [de prestar conta]. O que a lei manda é um ícone ou um link na página oficial da prefeitura escrito ‘Transparência’. A partir desse link, eu teria acesso a cada um dos contratos e a cada uma das concorrentes. Só que a isso a gente não tem acesso. A prefeitura dificulta, só dando acesso ao extrato [do contrato]”, disse Linoberg em entrevista à Folha, ao acrescentar que, quando se trata do contrato, consta apenas o básico, como o nome da empresa, o número do processo e quem assina. 

Como as informações não são transparentes e estão incompletas, o que não permite saber valores e especificações das obras, a assessoria jurídica do vereador entrou com um agravo para que a Justiça determine que a Prefeitura de Boa Vista forneça os dados de acordo com o que foi solicitado no mandado de segurança, com base na Lei de Acesso à Informação. 

No recurso, o parlamentar pediu o Projeto de Mobilidade Urbana do Município de Boa Vista, informações sobre os valores da construção do Miniterminal Luiz Canuto Chaves, na Praça do Centro Cívico (valores inicial e final, os respectivos aditivos, bem como a empresa responsável pela execução dos serviços) e sobre as demais obras executadas referentes ao financiamento autorizado pela Câmara em 27/08/2013, no valor de R$ 64,9 milhões.

Segundo Linoberg, com base nas publicações no Diário Oficial, não há como obter os dados necessários. Desde quando assumiu o mandato, conforme destacou, ele vem tentando fiscalizar as ações do Executivo municipal por meio das publicações no Diário, as quais são incompletas e imprecisas.

“Eu nunca sei a descrição do objeto [do contrato das obras], as especificações do que está sendo contratado. Isso a gente nunca sabe. Então, é onde as coisas acontecem ou a gente acha que acontece. Eu me dou ao direito de achar isso porque a coisa não está transparente. Quando é difícil de achar, é porque estão querendo esconder algo”, frisou.

SEM RESPOSTA – A Folha enviou e-mail com pedidos de informação à Secretaria Municipal de Comunicação Social a fim de saber sobre a negativa ao pedido de informação feita pelo vereador Linoberg e sobre o mandado de segurança, além de detalhes sobre as obras de mobilidade urbana, mas mão teve resposta até o fechamento desta matéria.

Aprovação de empréstimo foi feita sem Plano Diretor e Plano de Mobilidade 

Muito antes dos mais de dois meses de tramitação do mandado de segurança no Juizado Especial da Fazenda Pública, na tentativa de obter informações sobre as obras de mobilidade urbana, o vereador Linoberg Almeida (REDE) já havia descoberto que a prefeita Teresa Surita (MDB) conseguiu a aprovação do empréstimo milionário, aprovado pela Câmara em 2013, sem que o Município de Boa Vista tivesse o Plano Diretor e o Plano de Mobilidade. 

“Primeiro, é o Plano Diretor. Segundo, o Plano de Mobilidade. Mas não tem nada disso e ela já gastou os R$ 65 milhões. O dinheiro foi aprovado em 2013 e caiu na conta da prefeitura. E está desde lá rolando até hoje o gasto”, afirmou o vereador. “Vinte e poucas capitais brasileiras pegaram dinheiro na Caixa Econômica Federal, chamado Pró-Transporte, que é um empréstimo. Só que todas elas tinham que entregar Plano Diretor e o Plano de Mobilidade Urbana. Mas, incrivelmente, a Prefeitura de Boa Vista não tem Plano Diretor nem Plano de Mobilidade. Mas como ela pegou o dinheiro? Isso na Caixa Econômica em Brasília”, complementou. 

Linoberg Almeida destacou que, sem transparência nas informações, ninguém sabe como a prefeita gastou os recursos nem como foram decididas as obras já realizadas. 

“De onde ela tirou que o ponto de ônibus tinha que ser retangular e de blindex, com duas centrais de ar? Por que isso? Não tem uma lógica. Ela tem que dizer. Mas não é assim que o gestor público deve trabalhar, com vontade autônoma, da cabeça dele. Foi assim que ocorreu com os R$ 65 milhões”, comentou

Ao enumerar obras que estão dentro do projeto de mobilidade, o parlamentar prosseguiu. “Dentro dos R$ 65 milhões, estão as duas pontes [no bairro Cidade Satélite], o Terminal Canuto Chaves do Centro, os 800 pontos de ônibus, que depois foram diminuindo para 600. Ela diz que comprou 144 aparelhos de ar-condicionado para instalar nos pontos, 75 climatizados. Será que esses pontos estão realmente aí? Isso aqui deveria estar previsto num plano”, reforçou.

O parlamentar afirmou que vem cobrando desde 2017 o Plano Diretor e incluiu emendas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que foram rejeitadas. Também houve tentativa de inclusão na Lei Orçamentária Anual (LOA) e no Plano Plurianual (PPA). 

“Em 2018, a gente incluiu no PPA de novo. Foram cinco tentativas de incluir no Orçamento para fazer o Plano Diretor, mas a Câmara negou essa possibilidade. Mas agora, depois de tanto tentar, no jeito Teresa, ela mandou dizendo que vai contratar uma empresa para fazer o Plano Diretor. Foi um projeto de emenda de R$1 milhão pra uma empresa fazer o Plano Diretor”, destacou.

CAIXA – A Folha enviou pedido de informação para a Assessoria de Imprensa da Caixa Econômica Federal, em Brasília, na tarde de segunda-feira, 25, por e-mail enviado à Sala de Imprensa, e até o fechamento desta matéria não obteve resposta sobre o fato de o empréstimo ter sido aprovado e o recurso liberado sem a entrega do Plano Diretor e sem Plano de Mobilidade. 

Vereador diz que pedido para ser cassado é pressão da PMBV para travar fiscalização 

No Plenário da Câmara Municipal de Boa Vista, durante uma acalorada discussão, durante o Grande Expediente, no início do mês, o vereador Linoberg Almeida (REDE) cogitou que o pedido de cassação feito pela Procuradoria-Geral do Município contra ele teria motivação no trabalho que vem realizando nas obras da prefeitura, como nas reformas de praças públicas e, principalmente, naquelas referentes à mobilidade urbana, objeto do mandado de segurança.

O pedido de cassação foi justificado pela prefeitura pelo fato de Linoberg ter entrado com uma ação popular que suspendeu a implantação da Zona Azul no Centro de Boa Vista. O argumento é que o parlamentar descumpriu um artigo da Lei Orgânica do Município que proíbe vereador de processar o município. O pleito ainda está sob análise da Câmara, que precisa decidir se aceita ou não o pedido de cassação.

Linoberg afirma que o pedido de cassação seria uma estratégia para fazê-lo “refém do jogo”, terminando por enfraquecê-lo e travar o seu trabalho fiscalizador. 

“Acho que a gente expõe a Câmara, uma Casa em que vereador bate em mulher e não é cassado; vereador se envolve em acidente de trânsito e não é cassado; vereador está preso há um ano, mas não cassam. Mas a mim eles vão cassar? É uma incongruência”, comentou. “O vereador preso está recebendo da Casa, tem gabinete, e eu sou o problema? A cidade paga a 22 vereadores e o vereador trabalhando é o problema porque está incomodando a prefeita? É um contrassenso”, assegurou.