Cotidiano

Prefeitura destombou prédio que havia sido tombado pelo Governo do Estado

Documentos já em poder do Ministério Público comprovam que apenas o Estado poderia destombar o prédio do Hospital Nossa Senhora de Fátima

O Ministério Público do Estado de Roraima iniciou procedimento de investigação do processo de destombamento do prédio do antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima, demolido na segunda-feira de Carnaval, dia 16, pela Diocese de Roraima, proprietária do imóvel, após a Prefeitura Municipal de Boa Vista conceder autorização. A Promotoria do Meio Ambiente, que atua junto à Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Roraima, constatou que o Município não poderia tornar sem efeito o tombamento, pois é de responsabilidade do Estado, como previsto na Emenda Constitucional 21, de 2009, da Constituição Estadual.
A Prefeitura publicou no Diário Oficial do Município do dia 22 de janeiro o Decreto nº 006/E, em que autoriza o destombamento e no qual citado o Decreto nº 2.614 de 1993 como o documento oficial em que o Hospital Nossa de Fátima teria sido efetivado como patrimônio histórico municipal. No entanto, conforme a superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Mônica Padilha, o antigo hospital não está na lista dos prédios descritos no decreto de 1993.
Ela frisou que o hospital foi tombado pelo Governo do Estado e não pela Prefeitura de Boa Vista. “O tombamento está presente na Constituição do Estado, na emenda em que ela relaciona uma série de bens, como o Lago do Caracaranã, Pedra Pintada, a Corredeira do Bem-Querer – que já foi retirada – e o hospital Nossa Senhora de Fátima”, ressaltou.
Segundo o promotor do Meio Ambiente, Zedequias de Oliveira Júnior, o Ministério Público terá um prazo de 90 dias para concluir a investigação, podendo prorrogá-la por igual período. O objetivo é buscar informações técnicas, dados científicos e documentos administrativos que levam à autorização do destombamento e, consequentemente, à demolição.
Está prevista na investigação ouvir os envolvidos nesse processo, como é o caso da Prefeitura de Boa Vista e a Igreja Católica de Roraima, que é a proprietária do imóvel e quem autorizou a demolição última segunda-feira passada, 16.
Conforme o promotor, o procedimento investigatório visa observar se todo o processo de destombamento foi realizado dentro da legalidade e, se não tiver acontecido isso, buscar as medidas, inclusive, judiciais contra os responsáveis. “Em princípio, é preciso levantar realmente o que aconteceu e se o que aconteceu tomou como base aquilo que a legislação prevê como possível. Existe a possibilidade de destombamento? Se existe, queremos saber se foram percorridos todos os caminhos cabíveis para isso”, argumentou.
Caso a investigação aponte alguma ilegalidade, Zedequias Oliveira informou que existem, no mínimo, três responsabilidades, a princípio, a serem cobradas: a Penal, que é o possível crime ambiental previsto na legislação dos crimes ambientais e que têm o patrimônio cultural como objeto de proteção; a administrativa ambiental, que é no mesmo sentido da penal, no entanto, as medidas são aplicadas pelos órgãos ambientais; por fim, existe a responsabilidade civil, que está em andamento, que ensejou o procedimento investigativo dentro do MP.
PERDA – A superintendente do Iphan frisou que a demolição do antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima representa uma perda para o patrimônio histórico do Estado. “Não há palavras para descrever. Nós vimos uma história inteira virar pó. Minha mãe nasceu naquele local e muitos dos antigos daqui também. Foi o primeiro hospital e a primeira maternidade de Roraima”, lamentou.
Mônica destacou que o Iphan e o MPRR estão buscando todas as formas de descobrir se tudo ocorreu dentro da legalidade. “Esse é o nosso principal objetivo. A prefeitura citou em nota erroneamente que buscou orientação do Iphan. Nós trabalhamos para a preservação do patrimônio histórico. Como que seriamos coniventes em autorizar esta demolição?”, disse.
  Prefeitura diz que laudo do Corpo de Bombeiros condenou o prédio
A Prefeitura de Boa Vista encaminhou nota à Folha informando que o destombamento do hospital foi solicitado pela Diocese de Roraima ao apresentar “um laudo em relação à situação da estrutura”. Com base nisso, o Município solicitou outro laudo do Corpo de Bombeiro e Defesa Civil, que realizaram o estudo durante o ano de 2014 e “que resultou no laudo constatando que a estrutura do prédio estava toda comprometida, com o risco de cair e atingir a Escola Estadual São José, onde os alunos estavam correndo perigo”.
Conforme a Prefeitura, houve ainda um parecer da Divisão de Patrimônio Histórico da Fundação de Educação, Turismo, Esporte e Cultura (Fetec), sobre “não ter condições de recuperar o prédio, pois não existia estrutura de ferro e que a armação foi feita de madeira e já não existe mais”. “A Prefeitura esclarece que seguiu todo o processo conforme as normas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para chegar a este decreto de ordem de destombamento”, finalizou a nota.
DIOCESE – O bispo Dom Roque Paloschi informou à Folha que vai aguardar a conclusão do procedimento investigativo do Ministério Público para se pronunciar.
HISTÓRIA – O Hospital Nossa Senhora de Fátima, localizado na esquina da Rua Bento Brasil com a Rua Inácio Lopes de Magalhães, no Centro Histórico de Boa Vista, foi construído em 1924 por um bispo beneditino, o Abade Dom Pedro Eggerath, vindo da Alemanha para Boa Vista no dia 13 de maio de 1921. Este hospital, com o apoio e trabalho das irmãs católicas, prestou relevantes serviços à população boa-vistense. (I.S)