Cotidiano

Presos em regime fechado são usados em reforma de residência particular

O Ministério Público abriu inquérito para investigar secretário que levou detentos para construir cerca após a denúncia feita por agentes

Os dois presos da Cadeia Pública de Boa Vista que supostamente teriam trabalhado em obra na casa do secretário de Justiça e Cidadania, André Fernandes, foram ouvidos pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público na manhã desta terça-feira, 9. Eles foram ao Ministério Público de Roraima (MPRR) para prestar esclarecimentos sobre o caso, que está sob investigação.

O MPRR informou que “após receber a referida denúncia, instaurou procedimento para investigar o caso. As investigações prosseguem e, assim que o trabalho de apuração for concluído, o Ministério Público tomará as medidas cabíveis e se manifestará”. 

A Folha conversou com um dos agentes penitenciários que ajudou na escolta dos detentos, que cumprem pena no regime fechado no Sistema Prisional do estado. Ele não quis se identificar, mas informou que os presos contaram como foi o serviço prestado ao secretário.

“Os detentos relataram como tudo ocorreu nos dias em que foram até a casa do secretário. Informaram ainda que eles estariam fazendo uma espécie de cercado nos fundos da casa dele com material que seria da Cadeia”, relatou.

O agente penitenciário disse que os presos não podem sair sem autorização judicial, mas mesmo assim o secretário da Sejuc retirou eles da unidade e os levou até sua casa.

“O fato ocorreu no dia 25 do mês passado e chamou a atenção dos agentes penitenciários que estavam de plantão. O sindicato da categoria foi comunicado sobre a situação e denunciou o fato ao Ministério Público”, lembrou.

Conforme a informação repassada pelo agente, os presos disseram ainda que no dia em que foram levados à casa de Fernandes eles permaneceram no local sem a presença do secretário.

“Segundo os detentos, o secretário teria deixado eles em sua casa e seguiu para trabalhar normalmente. Um fato inusitado, deixar os presos em um local sem escolta que pudesse evitar uma fuga”, acrescentou.

Ainda segundo o agente penitenciário, outro fato que foi abordado durante o depoimento com os detentos tem a ver com o registro da saída deles, que não identificou o local para onde teriam sido levados.

“Os registros não mostram claramente a localização para onde os presos foram levados. Mas o que se sabe é que a direção da unidade prisional não sabia da situação que estava ocorrendo”, comentou.

Sindicato repudia ação de secretário

O Sindicato dos Agentes Penitenciários de Roraima (Sindape-RR) se pronunciou por meio de nota dizendo que as informações prestadas pelo Estado acerca dos atos praticados pelo Secretário da SEJUC-RR, André Fernandes são inverídicas.

Segundo o sindicato, os apenados teriam falado em depoimento que foram usados de forma ilegal e que foram abandonados na obra sem a escolta prevista na lei de execuções penais, e o secretário só retornou horas depois para buscá-los.

“O secretário não efetuou o pagamento como informado. Na verdade, quando soube da denúncia em seu desfavor, retornou à Cadeia pública para efetuar o pseudo pagamento, no entanto o crime contra a administração pública já está configurado. Por fim, é necessário que a lei seja cumprida no tocante ao ato isolado do gestor.”

O sindicato disse que lamenta por mais uma vez o sistema prisional ser noticiado de forma negativa, haja vista que temos projetos de ressocialização excelentes que deveriam ser destaque nacional. 

“Contudo, a sociedade Roraimense não pode se esquecer que não é a primeira vez que um gestor da pasta é pego em ato em desacordo com a lei. Já houve inclusive prisão. Por fim, reiteramos votos de confiança na justiça e órgãos fiscalizadores de Roraima para que atos como este não mais ocorram.”

Lembrou ainda que essa não é a primeira vez que um representante da pasta se envolve em um ato de ilegalidade que, inclusive, já resultou em prisão de um ex-secretário. 

Secretário diz que tudo foi feito na legalidade 

Secretário da Sejuc afirmou que agiu de acordo com a Lei de Execuções Penais (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Na tarde desta terça-feira, 08, o secretário de Justiça e Cidadania, André Fernandes, participou do programa Quem é Quem, da Rádio Folha, apresentado pela jornalista Cida Lacerda, onde se pronunciou sobre as acusações.

Ao ser questionado sobre o fato, o secretário rebateu as acusações feitas contra ele. Disse que tudo foi feito dentro da legalidade e que estaria sofrendo perseguição de pessoas que querem prejudicá-lo por estar à frente da Sejuc.

“Agi de acordo com a Lei de Execuções Penais e tenho como provar. Existem pessoas que estão insatisfeitas com nossa gestão, pois estamos cumprindo os procedimentos, e tem gente que gostaria de voltar aos moldes anteriores”, explicou.  

NORMAL – A Folha foi informada em nota, pela Sejuc, que de acordo com o Art. 36 da LEP (Lei de Execução Penal), o trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta e entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

A Sejuc informou ainda que tem desenvolvido ações para incentivar os detentos a participar de trabalhos e oficinas profissionalizantes como a de marcenaria.

“Encomendas como a que foi feita pelo secretário fazem parte da rotina da unidade, como forma de incentivo. Esse tipo de trabalho, inclusive prevendo a saída dos presos da unidade prisional, está previsto na LEP. O trabalho foi, inclusive, remunerado pelo secretário, que pagou cerca de R$ 750, revertido aos presos”.

Segundo a Sejuc, os detentos foram acompanhados pelo secretário durante toda a execução do serviço, com liberação do chefe de plantão, conforme oficializado em relatório.

A nota ressalta ainda que os detentos podem receber qualquer encomenda de trabalho na marcenaria por quem desejar os ajudar na sua ocupação durante o período de pena.