Cotidiano

Produtores enfrentam crise da ração animal

Com produção de arroz em baixa, indústria não consegue fornecer cuim e xerém para produtores balancearem a ração dos animais

Produtores e criadores de gado, suínos, equinos, frangos e até piscicultores de Roraima, de pequeno ou grande porte, estão enfrentando dificuldades em balancear a ração dos animais devido à escassez de cuim e xerém, subprodutos do arroz, que a cada dia fica mais difícil encontrar nas indústrias de arroz de Roraima.  

A Folha conversou com dois produtores de Roraima que utilizam diariamente esses subprodutos na ração animal. Eles afirmaram que, sem a produção do cuim e do xerém, aumentam os custos da ração, o que vai impactar no preço final do produto.

Para o piscicultor Aniceto Wanderlei, o maior criador de tambaqui do Brasil, a falta do subproduto do arroz aumenta de 8% a 10% os custos de produção do pescado. “Estamos trazendo o milho de fora, mas isso encarece muito o produto final”, afirmou, referindo-se a uma saca de milho que compra no Mato Grosso por R$ 14, mas paga R$ 26 de frete.

“É quase duas vezes o preço do produto, mas temos que pagar esse valor porque o Estado não está mais oferecendo o subproduto do arroz”, frisou. “Embora já faça uma compra antecipada de 10 mil sacas e que vou pegando ao longo do ano, mesmo assim não tem. Meu consumo por dia é de 200 sacas por dia e só estou conseguindo ter uma média de 50. Não dá para manter a média diária”, frisou o produtor.

Aniceto disse que lamenta que a situação tenha chegado a esse ponto e ressalta a falta de investimentos para a produção local como o ponto crucial em que se chegou à produção de arroz no Estado. “A ALC [Área de Livre Comércio] dá benefícios para quem produz fora do Estado. Se eles [arrozeiros] fossem produzir em Manaus, o arroz deles entraria com subsídio. Mas como produzem aqui, não eles têm esse direito, mas os concorrentes têm benefício do ICMS [Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços]. E isso tem dificultado a produção e a cadeia produtiva em geral em Roraima”, frisou.

Ele ressaltou ainda, que a produção do arroz deixa emprego e renda, já que, além da produção, o arroz é beneficiado e feito seus subprodutos no Estado. “Isso representa incremento de renda, porque tudo é processado no Estado, do plantio à colheita, do beneficiamento aos subprodutos que servem de ração com proteína para os animais a preços justos, e deixam o mercado mais competitivo e dota cadeia gerando emprego e receita para o Estado”, frisou.

Teotônio de Matos, produtor de lacticínios no Município do Cantá, disse que produz em média 400 quilos de queijo por dia, mas viu sua produção diminuir cerca de 30% devido à falta do xerém e do cuim, que são usados na mistura da ração balanceada que dá para seu gado e também oferece a muitos pequenos produtores no interior do Estado, de quem ele compra o leite produzido, que é matéria-prima de sua atividade.

“Sem o produto, estamos reduzindo em 50% essa ração das vacas leiteiras, e isso fez a produção cair em 30%”, disse. “Não estamos vendo horizonte para sair dessa crise. Se não produz o arroz, não tem o subproduto que beneficia a cadeia produtiva. Se formos substituir pelo milho, é outro problema. Tem época que não tem e o preço elevaria muito o valor final do queijo. Não vejo saída”, lamentou. (R.R)
 

Presidente do Sindgrãos afirma que ALC provoca concorrência desleal

A presidente do Sindicato dos Beneficiadores de Grãos do Estado de Roraima (Sindgrãos), Izabel Itikawa, esclareceu a falta do subproduto do arroz, como xerém e cuim, pela pouca produção do arroz no Estado. Ela afirmou que a classe de produtores de arroz está enfrentando uma das piores crises devido a uma concorrência desleal com os benefícios que são concedidos a produtos de fora pela Área de Livre Comércio (ALC).

“Estamos deixando de produzir o xerém e o cuim para ração animal e para os hortifrutigranjeiros. É desesperador ver os produtores que dependem dessa ração chegar na empresa à procura do subproduto e não ter”, disse.

Ele destacou que a classe vive um momento difícil em relação aos produtos que estão nas prateleiras dos supermercados concorrendo com o arroz local, com preços mais baixos, devido aos benefícios da ALC, enquanto os produtores locais não recebem benefícios.

“Essa dificuldade começou há quatro anos, desde que foi criada a ALC em Boa Vista, que beneficia apenas o consumo, e não a produção”, disse. “Quem produz no Estado tem que pagar todos os tributos. Não temos como competir com o arroz que vem de fora, que tem o incentivo de 12% e o crédito de mais 12% no fechamento do mês”, disse.

Ela ressaltou que o único incentivo que o produtor local recebe é através do Decreto 4.336 de 2001, que dá a possibilidade de um benefício de 5% que pode ser utilizado na venda ou na compra de insumos. “Esse é o único benefício que temos para tentar competir com o produto que vem de fora, mas esses 5% não atendem a nossa necessidade. É difícil baixar mais o preço, e o consumidor compra o mais barato. Isso é desleal para os produtores locais. Ou, então, vamos propor criar uma barreira tarifaria para estes produtos”, disse.

“Não somos contra os produtos que vêm de fora, mas queremos incentivos para que possamos concorrer de forma leal com eles”, complementou. “Hoje não existe marca que mais vende. Existe o produto com menor preço. E nós levamos desvantagem nisso”, frisou.