Uma nova discussão sobre a zona azul em Boa Vista foi levantada por professores da rede estadual de ensino que atuam nas escolas Ayrton Senna, São José e Euclides da Cunha, todas situadas no Centro da cidade. Eles pedem a isenção do pagamento de estacionamento rotativo. Para tratar do assunto, os profissionais fizeram uma reunião na manhã de ontem, 31, no auditório da Escola Ayrton Sena e convidaram os vereadores Linoberg Almeida, Magnólia Rocha e Pastor Jorge Rocha para relatar suas insatisfações.
O professor de matemática Fernando Cavalcante, da escola Ayrton Senna, está preocupado com o impacto da cobrança no salário.
“Para cada professor, sendo que a maioria tem contrato de 40horas, seriam gastos 10% do salário bruto, o equivalente a R$ 252 por mês. Ele vai ficar mais de três horas dentro da escola, então extrapola o limite estimado pela zona azul. Se torna inviável uma cobrança para quem é professor. Nós fazemos parte da administração, caracterizando uma área institucional. Temos nessa área do Centro três escolas e órgãos públicos estadual e federais, então fazemos o pedido da extinção da cobrança nesse setor”, pediu.
Viviane Morales, professora da Escola Estadual Euclides da Cunha, também revelou preocupação com as finanças, que podem ser comprometidas. Outro ponto, segundo ela, que deve ser levado em consideração é que a rotina em sala de aula será “atropelada” pela necessidade de renovar a vaga no estacionamento.
“Então, o professor vai estar em sala de aula preocupado, vai ter que parar tudo, pegar o celular, olhar o aplicativo para renovar o estacionamento por mais tempo. Para quem trabalha em dois horários, vai ser pior ainda. Nós fizemos um cálculo e teremos que pagar até R$ 120 por mês. Quem mora longe já arca com combustível e ainda vai ter que pagar para estacionar”, enfatizou.
Jorge Holanda, professor da Escola Estadual São José, disse que compreende a existência da zona azul, mas as áreas institucionais deveriam estar excluídas da cobrança do estacionamento.
“No meu ponto de vista e dos demais colegas de profissão, eles fecharam o estacionamento de áreas como escolas e igrejas. Eu vou pagar para trabalhar? Eu trabalho todos os dias pela manhã, das 7h ao meio-dia, e três vezes por semana, das 13h30 às 18h. Temos que buscar uma solução. As pessoas que vão frequentar o Centro para um momento de lazer ou compra, tudo bem, mas quem trabalha vai pagar? Vamos ter que tirar uma parte da nossa renda? Já ganhamos muito pouco, tem inflação, tudo aumentando. Isso não é correto”, reclamou.
Quem também se pronunciou foi a professora Ângela Cavalcante, que trabalha na escola Ayrton Sena. Prevendo que será lesada, ela está pedindo providências.
“Não tem como pagar estacionamento. Vai onerar demais nossos salários. Já estamos com o salário totalmente defasado. Se for para pagar isso, teremos que pagar para trabalhar, não tem condições. Essa área aqui é institucional, não é comercial. Ela pode ficar fora da zona azul. Basta ter boa vontade e querer fazer”, destacou.
Vereadores dizem que casos excepcionais devem ser revistos
A reportagem conversou com os vereadores Magnólia Rocha e Linoberg Almeida sobre a proposta de abrir exceções para quem trabalha em instituições do Centro. Uma série de reivindicações foi pontuada, todas visando à possibilidade de isenção para professores, proprietários de imóveis e outros trabalhadores que precisam estacionar na área central de Boa Vista.
Quando questionado sobre o posicionamento da Câmara, Linoberg Almeida explicou que a Casa Legislativa devia ter se manifestado em 2017, quando o projeto da zona azul foi aprovado.
“Hoje, tem uma pressão da população, professores, moradores do Centro sem garagem, comerciários, para que a gente possa adequar, com exceções, a prestação de serviços. O tempo é pouco e o dinheiro é muito para sair daquele que trabalha no Centro e gera desenvolvimento para a cidade”, salientou.
Engajados contra a cobrança indevida da taxa de estacionamento, os vereadores conversaram durante uma hora e meia com os educadores.
“Fomos convidados por esses professores daqui do Centro da cidade para levar a pauta para a Câmara e fazer da instituição parceira nesse processo de pressão popular para que a concessionária e a prefeitura abram um diálogo nesses casos excepcionais de quem usa o Centro para trabalhar”, complementou.
O vereador declarou que a reunião dá a sensação de “polêmica agridoce” e que se a prefeitura tivesse feito audiência pública, o Plano Diretor existisse e não tivesse usando modelos de democracia do século passado, essa discussão não teria acontecido.
“As pessoas estão insatisfeitas e incomodadas porque trabalham oito horas por dia no mesmo lugar e a vaga vai ‘durar’ três horas. Elas vão largar a aula por 15 minutos porque o celular apitou no bolso e vai dizer para os alunos esperarem um pouquinho para trocar o carro de vaga. Falta diálogo democrático em Boa Vista. Professores, comerciários, pessoal da Saúde, gente que usa o Centro, que tem casa no Centro e não tem vaga privativa, vai pagar zona azul. Precisamos dialogar melhor sobre a maneira como queremos usar a cidade”, observou.
Apesar de afirmar que a zona azul tem de existir, hoje o estacionamento rotativo é um problema porque as pessoas não estão sabendo lidar com a “novidade”. Faltando duas semanas para entrar em vigor, ainda restam muitas dúvidas.
“Eu sei que a novidade é algo conflitivo dentro da gente, mas nesse caso é conflitiva no coração, na cabeça, no bolso de quem vai trabalhar e vai pagar para trabalhar nas regiões mais centrais da cidade”, argumentou.
Quando o projeto para implantação da zona azul estava em votação na Câmara, em 2017, Linoberg destacou que propôs algumas emendas, entre elas de que o motorista que não usar o tempo de estacionamento integralmente, deveria receber crédito dos minutos em que desocupou a vaga. Outra emenda foi sobre a responsabilidade civil, responsabilizando a prefeitura e a empresa pelo dano ou furto do automóvel.
“Eles estão ganhando dinheiro com isso; 14,2% do valor arrecadado ficam para o município. Se ela está lucrando, a prefeitura tem que cobrar da empresa para pagar um seguro para os carros que ficam em vagas públicas, mas que agora são privadas”.
Por fim, ele disse que contestou, em emenda, o tempo do contrato de concessão da empresa, firmado para 15 anos.
“É muito tempo para uma empresa que a gente não sabe a origem e vai cuidar de uma coisa pública da cidade. Propusemos quatro ou cinco anos, renováveis depois de uma avaliação técnica sobre a prestação do serviço, mas também foi negado”, criticou.
A vereadora Magnólia Rocha também informou que não é contra a implantação da zona azul, mas desde 15 de janeiro, quando houve o lançamento, está cobrando explicações para uma série de questões que não foram esclarecidas pela prefeitura. Ela disse que solicitou a troca das placas instaladas no Centro, que estão incorretas, informando que o limite para carros é de duas horas, quando na verdade são três.
Magnólia defendeu a prorrogação do prazo para que os usuários do novo sistema possam ter ao menos 30 dias de período educativo.
“Mas descobrimos que só vai funcionar uma semana antes do prazo estabelecido. O aplicativo só estará disponível um dia para poder mobilizar, então, na verdade, nós precisamos respeitar as pessoas que trabalham. Vai dar lucro para os empresários, foram eles que pediram, é legal, mas temos que ver os outros interesses, como os dos trabalhadores, que são muitos. Eu sugiro que a Rua Floriano Peixoto seja excluída da zona azul, pode ser a José Magalhães também. Temos que pensar no coletivo, não pode ser nada radical”, concluiu a vereadora.
Prefeitura pode arrecadar até R$ 1,7 mil por hora na zona azul
Um levantamento feito pelos vereadores mostra que, com a zona azul, a Prefeitura de Boa Vista poderá ter um lucro de aproximadamente R$ 1,7 mil por hora com as vagas rotativas do Centro. Buscando respostas para as muitas dúvidas, os parlamentares foram até a sede da empresa e à Secretaria de Segurança e Trânsito, onde conseguiram se informar sobre a cobrança das taxas.
A vereadora Magnólia Rocha detalhou que o tempo máximo de permanência nas vagas é de três horas para os carros e uma para as motos. A cobrança para os carros é de R$ 2 para cada hora, enquanto os condutores de motocicletas terão que pagar R$ 1 por hora. Na zona verde, a permanência no estacionamento será de no máximo seis horas com a taxa de R$ 2 por hora.
“Em 2019, democracia se faz no Twitter, no WhatsApp, no Facebook e no Instagram. Infelizmente, não é como na Grécia antiga, quando o povo ia para a praça. Hoje, a praça é o Twitter. Cobra com o ‘arrobinha’ da prefeitura [@PrefeituraBV] e a gente volta a falar sobre esse assunto lá dentro da Câmara, que é o lugar de mudar a lei”, recomendou Linoberg Almeida. (J.B)