As consequências de uma possível realização do projeto de reconstrução da BR-319 para Roraima são pouco discutidas publicamente. Considerada prioridade pelo governo federal, a rodovia que liga Manaus a Porto Velho é como a continuação da BR-174 para o Centro-Sul do país e a passagem para quem vem de outras regiões para o extremo Norte do Brasil.
No entanto, dos 885 quilômetros de extensão construídos e pavimentados pelo regime militar na década de 1970, 405 são considerados intrafegáveis desde 1988, quando a via deixou de receber manutenção. Desde então, governos travaram resistências no projeto de reconstrução por parte de ambientalistas e das mudanças na legislação ambiental pós-abertura da BR-319.
Há mais de 30 anos, ali, a viagem não tem hora prevista para terminar. Mas segundo o último estudo de impacto ambiental do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), em análise pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), a reconstrução da rodovia, estimada em R$ 1,4 bilhão, caso se concretize, pode fazer com que motoristas façam o percurso de Manaus a Porto Velho em até 12 horas.
Para o secretário de Fazenda de Roraima, Marcos Jorge, a rodovia federal é “fundamental” para toda a região Norte. “A rodovia BR-319, como outras que são importantes para a integração do estado de Roraima, como a saída via Guiana, é importante para o escoamento dos nossos produtos. […] Se você conecta os municípios e as regiões, aumenta o fluxo de pessoas, a viabilidade econômica e atrai investimentos”, explicou.
“[Essa integração] traz muito mais possibilidades, vantagens para o estado e, com certeza, ajudará a aumentar o nosso fluxo comercial, tanto daquilo que é produzido aqui no estado de Roraima, quanto para o acesso da nossa população de uma forma geral”, avaliou.
Nesta semana, economista Fábio Martinez, em entrevista ao Quem é Quem, da Folha FM, citou os R$ 1 bilhão em produtos de Roraima, exportados para a Venezuela só este ano, como exemplo da importância da integração, e mencionou que o estado poderia ainda se beneficiar com o turismo, via terrestre.
“Possibilitaria não só a questão do turismo, mas as mercadorias chegariam mais rápidas aqui no estado de Roraima, novas possibilidades, inclusive principalmente para aqueles municípios que vão ser cortados ali.”
O empresário Remídio Monai, do setor de transporte de passageiros com atuação em Roraima e com outros três estados, disse que poderia disponibilizar todos os dias ônibus de Manaus a Porto Velho, em vez dos atuais quatro horários semanais. Além disso, a reconstrução poderia aumentar, particularmente, sua margem de lucro, o que ainda não acontece.
“Muita gente deixaria de viajar de avião e de barco – que pode fazer cinco a seis dias de viagem. […] Hoje, a gente está trabalhando na BR-319 pra garantir a clientela, esperando que aquela solução venha rápido. Mas é um investimento de médio prazo. Hoje, a gente não visa lucro trabalhando na 319”, pontuou.
Impactos negativos para Roraima
Por outro lado, o projeto de reconstrução da BR-319 pode gerar impactos negativos para Roraima. Na economia, preocupa o setor de piscicultura, segundo Marcos Jorge. “Tem setores da nossa economia que são estratégicos, que têm sensibilidade, como a piscicultura, que tem muita preocupação com essa integração com Rondônia, porque o nosso concorrente direto do mercado do Amazonas, no tambaqui, principalmente, é o estado de Rondônia”, citou.
A pavimentação da rodovia também gera preocupação ambiental. Os impactos para o sul de Roraima foram tema de um estudo de 2015, feito por três pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), que concluíram que o projeto aumentaria de 18 a 42% o desmatamento no sul de Roraima até 2030, e que as emissões de carbono cresceriam em percentual semelhante entre 19 e 42%.
“A abertura da BR-319 implica em um aumento nas emissões ao longo de uma simulação de 23 anos totalizando 23,9 milhões de toneladas de carbono. Para efeito de comparação, isso representa aproximadamente dois anos de emissão de carbono pela grande São Paulo hoje”, conclui o estudo, que também sugere, em caso da reconstrução, medidas de mitigação dos impactos, como a criação de unidades de conservação nas áreas mais vulneráveis ao desmatamento em Roraima.
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