Cotidiano

Protestos contra Maduro são resultado de fome e revolta

Pequenos protestos perderam forças no último ano, mas recentemente, o povo venezuelano encontrou fôlego para reivindicar democracia

FABRÍCIO ARAÚJO

Colaborador da Folha

Milhares de venezuelanos foram às ruas na semana passada para protestar contra a permanência de Nicolás Maduro na presidência do país. A manifestação também ocorreu em Roraima. Os imigrantes que vivem no Estado viram na ocasião uma oportunidade de dar apoio moral a quem permanece na Venezuela e pedir apoio dos governantes brasileiros para fazerem pressão sobre o fim do regime do ditador.

Na Praça do Centro Cívico, cerca de 300 venezuelanos se reuniram com cartazes, caixas de som e com gritos de ordem para a derrubada de Maduro. Entre os manifestantes, ao menos dois eram perseguidos políticos.

A ex-empresária Leonor Matos teve casa e restaurante desapropriados, o carro queimado e foi ameaçada com uma pistola na cabeça duas vezes no país de origem. Já Franciovy Hernandez foi eleito vereador no pleito passado, mas sofria represálias por ser oposição ao governo.

Embora o Estado seja área de fronteira, as manifestações ocorreram somente em Boa Vista. A divisa de Pacaraima e Santa Elena se manteve sem alterações, de acordo com o major Milanez, responsável pela Operação Acolhida e por monitorar a situação da fronteira.

“Estamos monitorando e não houve alteração, nem de fluxo, nem de entrada de imigrantes no País. Está tudo normal, não tivemos nenhuma mudança nem nas operações que o Exército está fazendo na fronteira. Nas nossas ações, está tudo do mesmo jeito”, declarou o major que estava em Pacaraima no estopim das manifestações.

Cerca de 300 venezuelanos se reuniram com cartazes, caixas de som e com gritos de ordem na Praça do Centro Cívico (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)

CONTEXTUALIZANDO – A maior manifestação na Venezuela contra Maduro ocorreu na última quarta-feira, 23, mas antes diversas demonstrações de oposição e resistência ao governo venezuelano já haviam ocorrido no país em menor escala. A população sentia medo de se manifestar porque o regime do ditador tem o exército e a polícia a seu favor. Mesmo assim foram às ruas encorajados pela data histórica: em 23 de janeiro de 1958, o ditador Marcos Pérez Jiménez foi derrubado após dez anos no poder.

Cristhian Rojas é formado em tecnologia automotiva e cursou nove períodos de direito, mas veio para o Brasil em 2016 porque já naquele ano as condições eram difíceis mesmo para quem possuía boas condições de vida.

O imigrante explicou que nos protestos anteriores ao da última quarta-feira, houve uma grande quantidade de mortos e feridos no país, o que inibia a população.

“O sistema repressor do regime de Maduro tem com prioridade manter a ordem e a submissão da população”, destacou.

Ainda de acordo com Rojas, diversos deputados, partidos de oposição e ONGs tentaram intervir na situação para tentar devolver à população um governo democrático. Mas todos foram inúteis porque Maduro mantém “sequestrado” todos os poderes públicos.

Em 2016, a oposição conseguiu a maioria na Assembleia Nacional. Para neutralizá-la o governo criou uma Assembleia Nacional Constituinte, que opera como poder público paralelo e obedece às ordens de Maduro.

“Em 2017, os protestas aumentaram consideravelmente e a repressão também. Aumentam os mortos na população civil e o regime usa os órgãos de polícia para controlar o descontentamento do povo com armas de fogo”.

Em 2018, partidos da oposição se aliaram ao governo e isto fez com que as forças de oposição enfraquecessem. Logo, a população também perdeu força para protestar. Em maio, a Assembleia Nacional Constituinte criada por Nicolás Maduro convocou as eleições do país.

A população estava desconfiada porque sabia que o poder eleitoral estava dominado pelo regime. A votação teve 53,98% de abstenções. Além do alto percentual de pessoas que deixaram de votar, o bloco de partidos da oposição, denominado Mesa de La Unidad Democratica (MUD), foi inabilitado para concorrer.

“Então, ficou claro publicamente que tais eleições não tinham validade alguma, já que foi demonstrado que os outros candidatos participantes tinham vínculos diretos com o partido do governo, o PSUV”, argumentou Rojas.

Apesar de eleito, diversos países e a Assembleia Nacional Legítima não reconheceram a eleição de Maduro. A maior parte da população enxerga em Juan Guaidó como o líder que libertará a Venezuela da atual situação.

“Devemos ter em consideração que a maioria dos venezuelanos que ainda mora na Venezuela, não vive, ‘sobrevive’. Estão sem medo, estão com raiva. É uma situação complexa porque ninguém na atual situação recebe mais do que salário mínimo, que só dá para comprar uma cartela de ovos e um pacote de arroz”.

Muitos dos venezuelanos que vivem no Brasil ainda possuem família na Venezuela e toda esta a situação os mantêm aflitos. Um funcionário da oficina de Cristhian Rojas precisou retornar ao país porque um parente foi assassinado e ele disse só poder dar apoio moral em uma situação como esta.

“Na verdade, eu não gostaria de uma intervenção militar estrangeira. Mas, infelizmente, a população e os militares que são a favor do povo estão enfraquecidos tática e operacionalmente”, lamentou Rojas. (F.A)