Quem pretende se submeter à laqueadura das trompas, que é uma cirurgia que impede a gravidez, poderá ser contemplada com as novas regras em 2019. Entre as mudanças, pode-se destacar que, no caso do Sistema Único de Saúde (SUS), a espera de até 42 dias para o procedimento cirúrgico não será mais necessária, bem como a concordância do companheiro ou marido, de modo que a própria mulher poderá decidir sozinha.
Cabe destacar que na lei em vigor, nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, “é vedada, exceto nos casos de cesarianas sucessivas anteriores ou em outras situações previstas em regulamento, a esterilização cirúrgica em mulher durante o parto ou aborto, admitindo-se a realização da esterilização no período do pós-parto ou do pós-aborto imediato, durante a mesma internação, segundo a decisão da mulher pronunciada no prazo estabelecido”.
No entanto, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº107 de 2018, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP), propõe que as mudanças devam ser feitas e cita uma série de justificativas, entre elas, a saúde da mulher, considerando muito mais invasiva a esterilização cirúrgica de laqueadura do que de vasectomia.
Outro aspecto que chama atenção é o fato das dificuldades de se fazer a laqueadura pelo SUS imediatamente após o parto, gerando a necessidade de uma segunda internação e, em muitos casos, outra cirurgia, considerando alguns partos serem por cesariana, aumentando os riscos.
O projeto está em tramitação e discorre que tanto a mulher quanto o homem devem decidir, livremente, a respeito de manter ou não as suas próprias condições de concepção. “A concordância do casal sobre o assunto é até moralmente recomendável, mas deve ficar a seu critério decidir o que fazer dentro da sociedade conjugal, sem a necessidade de demonstração ao Poder Público”, sugere o texto.
Mulheres contam suas experiências pós-cirúrgicas
A Folha conversou com algumas mulheres sobre a vida pós-laqueadura para saber como elas percebem as mudanças que estão relatadas no projeto de lei. Andreia Pereira, de 32 anos, disse que carrega consigo a amargura de ter ficado com alguns desconfortos depois de passar pelo procedimento, o que gerou arrependimento.
“[O arrependimento] não é por querer ter mais filhos. Me arrependi porque a recuperação está sendo muito ruim. Vai fazer quatro meses e tudo o que faço sinto ardência, queimação. Dizem que é normal até os seis meses. Eu fiz laqueadura porque tive problemas de saúde durante a gravidez da minha filha. Fiz o parto em hospital particular e aproveitei para fazer logo a cirurgia. Durante toda a vida, eu disse que não faria. Eu tinha receio”, explicou.
As vezes que realizou atividades simples, como descascar uma laranja ou dar banho na filha, Andreia sentiu o mal-estar. “Se a mulher ainda tiver vontade de ser mãe, eu não aconselho fazer. Meu sonho era ter três filhos, mas como tive um problema sério de varizes, inclusive tinha noite que eu não dormia, decidi pela laqueadura. Além disso, o anticoncepcional me causava fortes dores de cabeça”, relatou.
Por outro lado, Luana Angélica dos Santos, de 34 anos, contou que a decisão de fazer a laqueadura se deu por dois fatores: não queria mais ter filhos e quando confirmou que o segundo filho era uma menina, formando um casal, conversou com o médico e, no parto, fez o procedimento. “Eu não senti absolutamente nada. Já escutei relato de amigas que sentem dores. A única coisa que mudou foi o fluxo menstrual, que aumenta bastante, mas em questão de poucos dias, normaliza. Algumas pessoas relatam que engordaram, mas eu não”, acrescentou.
Luana Angélica criticou a burocracia a que mulheres são submetidas pelo SUS. “Eu fiz tudo em hospital particular e sei que existe uma burocracia muito grande para essas mulheres fazerem a laqueadura pelo SUS e isso não é abordado. Eu tenho várias amigas que simplesmente não conseguem. Eles impõem uma série de fatores como palestras e acompanhamentos. Ninguém tem tempo para isso. A mulher não tem o poder de decidir se quer ter filho? A gente é que sabe qual é a luta de criar um filho. No hospital particular, basta dizer que não quer mais ter filho”.
A jovem mãe de quatro filhos Adriely Carvalho de Jesus, de 29 anos, deseja fazer a laqueadura ainda em 2019. “Meu filho mais novo tem cinco anos completos. Eu tenho medo de engravidar de novo, por isso quero fazer a laqueadura. Nesses últimos cinco anos, a gente vem adotando alguns métodos para eu não engravidar. Eu e meu esposo tomamos cuidados. Eu já tenho filhos suficientes. Não sei em que ocasião vou fazer a laqueadura, mas vou procurar o SUS, vou conversar com o médico. Minha vontade era conseguir uma cirurgia particular. Se algum médico ou alguém quiser me ajudar, vou agradecer muito. Isso vai mudar minha vida, minha rotina. Eu me proponho”, declarou.
Para a socióloga e coordenadora do Núcleo de Mulheres de Roraima (Numur), Andréa Vasconcelos, o projeto dá mais autonomia para as mulheres e retira do Estado e de seus agentes o poder que têm sobre o corpo feminino.
“Ao vincular a laqueadura à autorização do marido, é o Estado interferindo, criando mecanismo para que as mulheres não decidam sobre o próprio corpo. Elas podem fazer laqueadura se elas quiserem e numa decisão compartilhada, os homens também podem fazer a vasectomia. Para se ter uma ideia, tem mulheres que não conseguem negociar com os esposos o uso do preservativo. Ao redor desse assunto, há tantas outras discussões que parecem simples, mas muitas mulheres não conseguem tratar isso com os companheiros”, ressaltou a socióloga.
Para especialista casos devem ser avaliados individualmente
A ginecologista Magnólia Rocha foi consultada pela Folha em relação ao projeto de lei e disse que concordava que quem tem que decidir é a mulher. “A mulher é dona do corpo dela. Ela é quem decide se faz a laqueadura. Mas depende muito da situação em que ela está. Tem que saber se é casada, se vive com companheiro, tem que ter planejamento familiar”, justificou.
A médica observou que atualmente pode ser realizada a cirurgia de anticoncepção no ato do parto. Mas salientou que não podem faltar esclarecimento, acompanhamento e conscientização. “Tem que ver a idade dela, quantos filhos já teve. Eu, particularmente, presencio em minha clínica, com muita tristeza, mulheres jovens, de 30 anos, que tiveram relacionamento muito cedo e por algum motivo o profissional laqueou e hoje ela tem vontade de ter outro filho, quer engravidar e não pode. Eu acho que é um crime fazer uma laqueadura numa mulher com menos de 30 anos”, enfatizou.
Sobre a normativa de 1996, que regulamenta a realização das laqueaduras, Magnólia disse que está de acordo, porque a regra é geral, mas aceita as exceções. “O que acontece é que existem diversos tipos de profissionais e quem trabalha movido pelas leis somos nós. A pessoa tem que ter bom senso. Cada caso é um caso, apesar de a regra ser geral. Obviamente, existem as exceções que podem ser mudadas para atender cada caso. Tem que ter todo um preparo. É a vida de alguém que vai ficar sob a responsabilidade de um profissional. Eu vou estudar o projeto para saber quais as mudanças que estão sendo propostas”, concluiu a ginecologista. (J.B)