Cotidiano

Relatório aponta morte de 177 Yanomami

Conforme documento, as mortes ocorreram num período de oito meses em virtude das precárias condições das unidades de saúde

Documentos obtidos pela Folha mostram que, somente nos últimos oito meses, 117 índios Yanomami morreram durante tratamento em unidades coordenadas pelo Distrito de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y). As cartas e relatórios direcionados à Secretária Especial de Saúde Indígena (Sesai) expõem o descaso com o qual os índios são tratados dentro dos setores de saúde indígena, o que resultou nas mortes. 
Conforme a denúncia, nas 26 comunidades assistidas pela Dsei-Y em todo o Estado, dentre elas a Surucucu, Toototobi, Auaris, Maloca do Paapiu e Missão Catrimani, as mortes aconteceram devido à má gestão dos dois órgãos. Os documentos foram obtidos a partir de uma denunciante ligada à Sesai e que pediu para não ser identificada. “Depois da invasão da Sesai na segunda-feira [19], eu me senti na obrigação de expor a realidade na qual eles vivem”, disse a denunciante. 
Ele afirmou que o fator determinante para as mortes é a estrutura caótica das instituições que oferecem o serviço de saúde indígena. “Lugares que eram para ajudar na recuperação de doenças estão caindo aos pedaços. Eles servem refeições estragadas e existe falta de humanidade e disposição dos funcionários para cuidar dos índios”, frisou.
Em posse dos documentos, a Folha encontrou um relatório elaborado por um funcionário da Sesai, no qual é feito um alerta interno sobre as condições do Serviço de Nutrição e Dietética da Casa de Saúde Indígena (Casai), órgão filiado à Sesai, e a empresa terceirizada, responsável pela confecção dos alimentos servidos no refeitório.
O autor do relatório aponta vários problemas que comprometem ainda mais a saúde dos que já estão internados. Após apresentação de pontos, considerados críticos, é solicitado pelo autor um pedido de suspensão das atividades do refeitório até que as providências necessárias sejam tomadas.
“Em alguns lugares do refeitório, há restos de alimentos em estado de putrefação atraindo a presença de moscas e larvas, entre outros. A área de confecção de alimentos está exalando mau cheiro constantemente com retorno de esgoto e há presença de mofo e ferrugem. Isso causa riscos à saúde e mostra um evidente descaso com o local onde são confeccionadas e distribuídas as refeições, assim como equipamentos, os utensílios e, principalmente, a saúde da população beneficiária”, concluiu o relatório.
Elas também relatam situações em que a comida servida aos indígenas enfermos estava crua ou estragada. Um trecho conta que uma indígena procurou o Serviço Social da Sesai, após receber um pedaço de peixe cru e com sangue, para pedir esclarecimentos, mas que somente teve a refeição trocada e nenhuma resposta.
Sobre os casos revelados, o denunciante destacou que “esses não são, nem de perto, a totalidade dos fatos”. “Existe muita coisa errada na Sesai e em todos os órgãos de saúde ligados a ela. Há coisas que não são reveladas porque envolve gente grande e são acobertadas por essa diretoria. Eles precisam sair de lá. É um absurdo isso!”, concluiu.
COBRANÇAS – Em cartas de representações indígenas, destinadas à Sesai pelos conselheiros da saúde indígena das comunidades Yanomami, Yèkuana, Sánuma, Xirixana, Xiriana e presidentes das associações indígenas Ayrca, Texori, Apyb, Kurikama e Hutukara, são pedidas providências e a exoneração da coordenação do órgão “por não estar cumprindo com as expectativas da saúde”.
SESAI – A Folha entrou em contato com a diretora da Sesai, Maria de Jesus de Nascimento. Ela informou que não poderia se pronunciar ainda sobre o assunto, pois estava com uma audiência agendada no Ministério Público Federal (MPF) para tratar justamente sobre o assunto e sem hora para terminar. (JL)
Índios estão divididos e representações declaram apoio à diretoria da Dsei-Y   Enquanto manifestos e denúncias surgem contra a coordenadora do Distrito de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y), Maria de Jesus de Nascimento, comunidades indígenas se reuniram, no início desta semana, no Ginásio Poliesportivo Padre Antônio Góis da Escola Estadual Indígena Imaculada Conceição, e elaboraram uma carta destinada a Secretária Especial de Saúde Indígena (Sesai), em Brasília, solicitando a permanência da coordenadora.
A carta também é um informe de repúdio das comunidades e lideranças tradicionais, professores e a diretoria da Kurikama (Associação Yanomami do Rio Marauiá) e demais Yanomami das comunidades de Maiá, Inambu, Nazaré, Ariabú, Auxiliadora, Unão e Maturacá ao ato cometido na segunda-feira, 19, quando 50 Yanomami invadiram o prédio da Secretária Especial de Saúde Indígena, pedindo a exoneração da coordenadora da Dsei-Y.
Em seu texto, destinado ao secretário da Sesai, em Brasília, Antônio Alves, é solicitado que as reivindicações dos invasores não sejam atendidas. Um dos tuxauas presente, Antônio Yanomami, da comunidade Maturacá, defende o pedido das comunidades e ressalta que antes que qualquer decisão seja tomada, uma consulta a outras comunidades seja feita. “Não deve ser dada atenção a solicitações dos Yanomami que não representam o povo e fingem que são líderes. Eles se valem dessa condição para enganar as autoridades e fazem um pedido que não é nosso. Por isso, pedimos que sejamos consultados antes que qualquer decisão seja tomada”, ressalva um trecho da carta.
Outro líder, Miguel, tuxaua da Comunidade Ariabu, ressalta que a invasão foi uma ofensa às outras comunidades Yanomani e que os invasores não são dignos de representá-los. “Estamos indignados e não aceitamos mais o envolvimento deles em nossos assuntos”, frisa a carta.
Para encerrar, a carta elaborada por seis lideranças ressalta: “Com todo respeito, pedimos desculpas às autoridades com as nossas palavras, mas que são reais. É nas regras culturais da nossa vida que pautamos nossa decisão. Por isso, pedimos atenção e solicitamos que seja acatada a permanência da diretoria da Dsei-Y, pedido feito por nós lideranças de Bases”. (JL)
AGU pede a retirada de índios Yanomami da Sesai
A Advocacia-Geral da União em Roraima (AGU) entrou, na terça-feira, 21, com ação na Justiça Federal solicitando a reintegração de posse do prédio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no Centro de Boa Vista. O objetivo do pedido é retirar os 50 índios Yanomami que ocupam o prédio desde a segunda-feira, 19.
Um dos líderes do movimento, Anselmo Yanomami, informou que está acompanhando o andamento da ação. Segundo ele, a manifestação foi ocasionada em favor dos indígenas que sofrem com as más condições da saúde fornecida aos Yanomami.
O procurador-chefe da AGU de Roraima, Francisco Vilerbaldo Albuquerque, explicou que a ação de reintegração de posse foi ajuizada com pedido de liminar. Ele declarou que a ocupação do prédio é considerada “ilegal e prejudica os próprios indígenas”.
“Qualquer invasão de prédio público é ilegal. Nessas condições, os servidores da Sesai não conseguem atuar. Por isso, tivemos de buscar as vias judiciais para resolver a situação”, explicou.