Em janeiro de 2021, o Amazonas viveu um colapso hospitalar sem comparação à primeira onda de covid-19, no ano anterior. A responsável pelo adoecimento em massa foi a variante gama (antiga P.1), mais transmissível e patogênica que as demais linhagens que circulavam até então.
A partir dali, a variante se espalhou pelo país e foi responsável pela maior parte das infecções na segunda onda de Covid-19 – entre janeiro e maio do ano passado, 280 mil pessoas morreram por causa do coronavírus. Em Roraima, a Covid-19 matou 805 pessoas naquele período.
Foi no meio do pior momento da crise sanitária em que o padre Paulo Motta sobreviveu à doença. “Dentro da gravidade que vivi durante os 39 dias de internação, o pior momento foi receber a notícia de que seria intubado e, consequentemente, pensar que poderia morrer, caso viesse a faltar medicamentos, haja vista que o grande problema do momento era a falta de medicamentos”, relembrou.
Durante a internação, o padre teve comprometimento pulmonar, chegou a ser submetido a uma traqueostomia, procedimento que facilita a entrada de ar para os pulmões, e dependeu até de ventilador mecânico. Depois de 22 dias, Paulo Motta deixou o respirador, depois que seu quadro passou de grave para estável. “Penso que a fé que tenho me ajudou muito a não cair em depressão ou ficar com baixa autoestima devido ao ocorrido”, disse.
Foi no dia 15 de fevereiro de 2021, que o religioso recebeu alta médica. “No dia que eu acordei, lembrei-me de agradecer a Deus por não ter morrido e só pensava que devia ir para casa porque a doença tinha ficado para trás. Graças a Deus, ao contrário do que os profissionais imaginavam, eu não tive sequelas psicológicas e, devido à minha força de vontade, consegui superar as dificuldades físicas em um tempo hábil”, declarou.
Cepa some de amostras pelo país
Na pandemia, 90% das amostras já feitas em Roraima são da gama, o que representa 266 registros da variante no estado, segundo a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau). Mas após um ano do caos no Amazonas, a cepa sumiu das amostras genômicas do Brasil, dando espaço agora às variantes delta e ômicron.
A conclusão é baseada no banco de dados da Rede Genômica, coordenada pela Fiocruz. Até quarta-feira (12), foram colhidas e analisadas 94.188 amostras do SARS-CoV-2 (ou 417 por cada 100 mil casos).
No Amazonas, onde surgiu, a última vez que a variante apareceu em amostras sequenciadas foi em 16 de novembro de 2021. No país, as últimas três amostras de gama foram sequenciadas no início do mês de dezembro – todas do estado de São Paulo.
Tendência de extinção
Segundo o virologista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia, Felipe Naveca, coordenador do estudo que descobriu a variante em janeiro de 2021, estamos acompanhando a extinção da gama – para ele, já esperado.
“O processo de evolução de um vírus é algo natural, e consequência das mutações que ele acumula ao longo do tempo – desde que esteja infectando hospedeiros. No caso do SARS-CoV-2, esse processo já levou ao surgimento de cinco VOCs [variantes de preocupação]”, explica.
As VOCs citadas são cepas mais agressivas ou transmissíveis e são classificadas assim pela OMS (Organização Mundial de Saúde) desde que apresentem um ou mais de três pontos:
Aumento da transmissibilidade ou alteração prejudicial na epidemiologia da Covid-19;
Aumento da virulência ou mudança na apresentação clínica da doença;
Diminuição da eficácia das medidas sociais e de saúde pública ou diagnósticos, vacinas e terapias disponíveis.
As cinco VOCs identificadas até aqui são:
Alpha (identificada no Reino Unido)
Beta (África do Sul)
Gama (Brasil)
Delta (Índia)
Ômicron (África do Sul)
“São variantes que apresentaram mutações importantes no genoma, mas principalmente porque mudaram o cenário epidemiológico por onde passaram, com forte aumento de casos. Durante esse processo evolutivo é comum que uma linhagem viral substitua outra, seja porque a nova é mais transmissível, seja porque consegue – de alguma forma – ser mais resistente à neutralização pelos anticorpos prévios”, disse Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia.
A variante gama surgiu e começou a se disseminar (ainda de forma silenciosa) em novembro de 2020. O ‘boom’ de casos, porém, só foi percebido quando as unidades de saúde de Manaus começaram a receber centenas de pacientes ao mesmo tempo, em janeiro de 2021, o que gerou colapso hospitalar e até falta de oxigênio para pacientes internados.
Por causa da disseminação rápida em todo o país, a variante gama teria então “cumprido sua missão” ao causar o máximo de infecções e deu lugar a outras duas outras VOCs: a delta e, mais recentemente, a ômicron.
“Vimos ainda em outubro a variante delta superar a gama no Amazonas em frequência, e provavelmente nas próximas semanas —senão nos próximos dias— a ômicron vai superar a delta. Ou seja, esse cenário de substituição deve ficar acontecendo até o final da pandemia, uma vez que estamos dando muita chance de o vírus continuar evoluindo com a enorme quantidade de novos casos diários”, pontua Naveca.
Durante o período em que circulou e predominou no país, a variante gerou linhagens que proliferaram e também tiveram a chamada transmissão sustentada em alguns locais. A linhagem P.1.* chegou a ser responsável por 16% dos casos de covid-19 sequenciados no país em abril, por exemplo.
Como muitos estados do Brasil sequenciam poucos genomas, Naveca diz que não é possível cravar que não exista mais nenhuma transmissão da variante gama, mas ressalta que nenhum grande centro hoje registra casos em série da cepa, segundo as amostras. “A tendência natural é a sua extinção”, completa.
A escalada de variantes
De fevereiro a julho do ano passado, a variante gama foi predominante das amostras colhidas e sequenciadas no país – chegando a alcançar mais de 95% de prevalência em maio e junho. Antes dela, o país teve uma variação de outras cepas. Segundo a Fiocruz, no começo da pandemia, ainda em março de 2020, a maioria das infecções ocorria pela linhagem B.1.1.28, com 31% das amostras analisadas.
Um mês depois, ela perdeu o topo para a B.1.1.33 – linhagem que teria uma pequena evolução em relação à de final .28. Até setembro de 2020, elas duas foram se revezando na liderança e dividindo o protagonismo.
Foi quando surgiu a P.2 (descoberta originariamente no Rio de Janeiro em agosto). A partir dali, ela foi ganhando corpo até que, em dezembro, tomou a ponta como a variante que mais infectava no país: 41% do total de amostras naquele mês.
Mas tudo iria mudar com a chegada da variante gama, que acumula um poder de infecção duas vezes maior e potencial de escape imunológico.
Em julho, perdeu espaço para a variante delta, que superou a gama e foi responsável por 98% dos casos do país em novembro. Agora em dezembro, a variante ômicron responde por 22% das amostras já sequenciadas de dezembro, mas a delta ainda é dominante.
Entretanto, como esse dado ainda tem atraso em relação à data das amostras colhidas e analisadas, a ômicron já seria hoje a variante que predomina no país, segundo dados da plataforma Our World in Data.
*Com informações do UOL