Cotidiano

Revistas impressas deixarão de ser comercializadas em Boa Vista

Alegação da empresa responsável pela distribuição nacional é que o envio das revistas para Boa Vista está inviável por conta do frete

Por estar localizado no Extremo Norte do país, Roraima já carrega a fama de ser o mais excluído dos estados brasileiros. Não acredita? Experimente sair da Região Norte e dizer pra alguém que você mora em Roraima. “Rondônia?” ou “onde fica?” são algumas das respostas que você pode ouvir. No ramo comercial, a distância em relação aos grandes centros acaba refletindo na logística de entrega, com prazos diferentes e, principalmente, fretes altos. 

É por esse motivo que o boa-vistense está correndo o risco de perder o comércio de revistas na capital: fretes altos. Foi isso que a Trilog, empresa responsável pela distribuição dos produtos no Brasil, informou há quase um mês ao proprietário da Distribuidora Roraima, Nilson Moraes. A alegação da empresa é que a operação de envio das revistas para Boa Vista está inviável por conta do frete.

Até Manaus, as revistas eram enviadas de avião. Para Roraima, o transporte passava a ser terrestre. De acordo com o proprietário, o frete entre o percurso gira em torno de R$ 35 mil. Semanalmente, Moraes recebia de cinco a seis mil revistas, o que equivale a R$ 30 mil, para distribuir entre os nove pontos da capital. Antigamente, a distribuição era feita para mais de 35 pontos, entre bancas e farmácias.

Desde o comunicado, a Distribuidora Roraima começou a recolher as revistas que ainda estão nas bancas e farmácias da capital. A previsão, segundo Moraes, é que não haja mais nenhuma revista na cidade até o dia 30 de junho. Neste processo, estão incluídos todos os gêneros de leitura, como política, moda, contos infantis, histórias em quadrinhos e mangás, apesar de os dois últimos gêneros serem independentes da Trilog.

Trabalhando no ramo há quase 30 anos, Moraes contou que está sem saber o que fazer daqui pra frente. “No momento estou ajudando minha esposa com o lanche que ela possui, mas ainda não sei o que fazer. Trabalho com isso minha vida quase toda, como distribuidor há quase três anos e como jornaleiro há 27 anos. Agora, literalmente, Boa Vista vai ficar sem revistas”, contou.

Ele lamentou a situação dos donos de bancas que não têm outro tipo de sustento e a forma com que o Estado é depreciado em relação aos demais da federação. “A Trilog ainda propôs de mandar as revistas sem consignação, mas não tem jornaleiro suficiente aqui pra pagar uma quantia tão alta, podendo ter prejuízo caso não venda”, destacou.

O dono de uma das bancas da capital, Pierre Silvano, afirmou que já estava com dificuldade em relação às vendas antes do anúncio feito pela distribuidora. “Trabalhar com leitura já é um problema em nível de Brasil. Resta agora buscar alternativa em Manaus, pra saber se alguma empresa vai nos abastecer. Trabalho com a banca há oito anos, mas com leitura a vida toda”, disse. (A.G.G)

Sociólogo atribui baixa procura de literatura impressa à adesão da internet

Junto a jornaleiros e donos de bancas, a reportagem constatou uma baixa procura em relação aos produtos. Na visão do sociólogo Vicente Joaquim, a arte da escrita sempre foi considerada a manifestação de comunicação mais antiga da história da humanidade, seguida anteriormente pelo ato da fala e da imagem.

Atualmente, a sociedade vive uma transição nos conceitos de veículos de comunicação e, para ele, esses momentos de transição foram reflexos imediatos das inovações que revolucionaram as relações humanas. “Revoluções implicam em tecnologias novas e transformam tudo na vida das pessoas, incluindo os signos de comunicação. A invenção da escrita impressa foi uma absurda revolução à sua época, passando pela transmissão sonora e por fim, da imagem. Cada um deles levou séculos e décadas se consolidando”, disse.

No entanto, o sociólogo destacou que uma nova visão de mundo vem sendo imposta com o universo on-line. Além das mudanças de hábitos, as percepções emotivas, os sentimentos e emoções são outras. “Não se leem, não se escrevem. As redes sociais ditam a moda. Fora dela tudo é ultrapassado e velho”, destacou.

Neste contexto, Joaquim considera que a palavra escrita e impressa vem perdendo o sentido até mesmo pela adesão on-line da maioria das redes de comunicação e comunicadores, ainda que por uma questão de autossustentabilidade. Dessa maneira, livros, revistas e jornais vêm sendo substituídos por smartphones e tablets. “É natural que não haja sustentação econômica para produção impressa, já que não há sustentação de consumo. Livrarias, bancas de jornais e revistas estão cada vez mais elitizados e confinados. Uma pena. Horrível ler A Odisséia em um tablet”, comentou. (A.G.G)