Cotidiano

Roraima pode perder 155 médicos

O coordenador estadual do programa ‘Mais Médicos’ lamentou possível retirada de médicos cubanos do Brasil

FABRÍCIO ARAÚJO

Colaborador da Folha

O programa ‘Mais Médicos’ foi criado em 2013 com objetivo de atender regiões carentes e de difícil acesso. No mesmo ano o Brasil fechou um contrato com Cuba para que médicos do país caribenho pudessem suprir a necessidade do Brasil nas regiões já citadas. No início deste ano, o programa foi renovado por mais cinco anos, mas em breve deve perder o auxílio dos médicos cubanos.

Por meio de uma carta, o ministro da Saúde de Cuba anunciou que o país estava se retirando do acordo e que pediria o retorno dos médicos cubanos, que fazem parte do programa, ao seu país de origem. A decisão foi justificada com base nas declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

O coordenador estadual do programa ‘Mais Médicos’, Ipojucan Costa, explicou à Folha que a decisão não acarretará somente na retirada de médicos de regiões carentes, mas também em cortes de investimento do Ministério da Saúde, que aplica recursos em municípios de acordo com o número de equipes médicas, e com a retirada dos médicos cubanos, muitas equipes ficarão incompletas e serão desconsideradas pelo Ministério.

“Um município que tem dez mil habitantes, por exemplo, tem cinco médicos do programa, mais as equipes de saúde, que envolve enfermeiro, atendente e agente comunitário de saúde. Esse sistema de equipe de saúde é financiado pelo Ministério da Saúde, no momento em que se perde o médico, o município também perde o financiamento da equipe porque se torna uma equipe incompleta e o Ministério deixa de financiar, ou seja, o próprio município irá perder para financiar as suas ações. Não iremos perder só os médicos cubanos, iremos perder recursos para financiar atenção básica nos municípios”, explicou Ipojucan Costa.

Há 155 médicos cubanos em Roraima que integram o programa. Apenas 46% estão na capital, o restante atua em comunidades indígenas e municípios do interior do Estado. Ipojucan explicou que os mais afetados em Roraima serão os povos indígenas porque hoje há cerca de 40 médicos atuando nestas áreas e antes do programa havia três ou quatro médicos porque os brasileiros se recusavam a atender a demanda.

“Era muito difícil o Estado fixar médicos no interior e o programa atendeu plenamente esta necessidade, basta ver que a cobertura de atenção primária da saúde hoje é de 100% com a presença destes médicos e as equipes de saúde”, relatou o coordenador do programa.

Ministro da saúde anuncia fim de contrato com o Brasil após declarações de presidente eleito, Jair Bolsonaro (Foto: Nilzete Franco/Folha BV)

O Conselho Nacional de Municípios informou por nota que de acordo com a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), atualmente são 8.500 médicos cubanos atuando na Estratégia Saúde da Família e na Saúde Indígena. Esses profissionais estão distribuídos em 2.885 municípios, sendo a maioria nas áreas mais vulneráveis, como o norte do país, o semiárido nordestino, as cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), as terras indígenas e as periferias de grandes centros urbanos.

E relatou ainda que há 1.575 municípios que possuem somente médico cubano do Programa e 80% possuem menos de 20 mil habitantes. Dessa forma, a saída desses médicos sem a garantia de outros profissionais pode gerar a desassistência básica de saúde a mais de 28 milhões de pessoas.

Entenda o caso entre Cuba e Jair Bolsonaro

O presidente eleito, por meio do Twitter, fez críticas a Cuba por cláusulas de contrato que o país, segundo Bolsonaro, se negou a reavaliar. Como a revalidação de diplomas e o valor pago aos médicos que é dividido entre o salário e recursos destinados a Cuba.

“Condicionamos a continuidade do programa ‘Mais Médicos’ à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, escreveu Bolsonaro.

Somando falas feitas pelo presidente durante o período de campanha à publicação no Twitter, Cuba informou por carta à Organização Pan-Americana de Saúde (Oaps) que se retiraria do programa brasileiro por considerar as afirmações “depreciativas e ameaçadoras”, mas ainda não informou a data que pretende encerrar o acordo.

“Estes médicos de Cuba estão cientes que os valores que recebem são menores em virtude de benefícios para o país deles. Esse recurso é também para financiar a saúde pública de Cuba, não é para alimentar ditadura como o presidente da República mencionou”, esclareceu Ipojucan. (F. A.)