Duas vezes por semana a estudante Eliana Costa, de 18 anos, deixa a sua casa, no Município do Cantá, Centro-Leste do Estado, e percorre cerca de 30 quilômetros até Boa Vista. A rotina é para que a filha de oito meses, que nasceu com microcefalia, receba atendimento de uma equipe médica multidisciplinar para estimulação precoce.
Em outubro, quando deu à luz a primeira filha, a pequena Maria Clara, descobriu que a bebê tinha uma malformação cerebral – nasceu com a circunferência craniana de 27 centímetros, seis centímetros a menos que a normal. Somente após cinco dias internada na maternidade os médicos deram o diagnóstico de microcefalia.
A estudante faz parte de uma geração de mães que carregarão a marca de uma epidemia. Desde que começou a realizar o levantamento epidemiológico, em outubro do ano passado, o Ministério da Saúde (MS) notificou, em Roraima, 24 casos de microcefalia ou malformações. Do total, nove estão sendo investigados, oito foram confirmados e sete descartados. Os dados do último boletim foram divulgados na quarta-feira, 1º de junho.
Na Capital, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, foram notificados 15 casos suspeitos da doença, desses, seis foram confirmados, oito, descartados, e um está em investigação. Dos seis casos confirmados, um não sobreviveu. Até o momento, nenhum caso tem confirmação laboratorial relacionado à microcefalia por Zika Vírus.
A estudante que deu à luz uma bebê com microcefalia passou a viver, desde o diagnóstico, quase que exclusivamente para a filha. “Tivemos que recorrer a vários lugares para ver os atendimentos que ela precisava, porque ninguém queria ajudar e o caso não estava notificado. Não tive nenhuma doença na gravidez, a médica disse que talvez pudesse ser genética”, relatou.
Com a ajuda da mãe, Eliana conseguiu uma vaga para a filha na Rede Cidadania, programa voltado ao desenvolvimento de pessoas portadoras de deficiência mental, motora, auditiva e visual. Na unidade, a criança recebe atendimentos de uma equipe de fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicopedagogos, que trabalham a estimulação precoce.
Apesar das dificuldades, a estudante afirmou tem encarado a doença da filha como aprendizado. “No começo foi bem difícil para aceitar, mas agora já estou aprendendo a lidar com ela do jeito que ela é. O pai é presente e nos ajuda também”, disse.
Emocionada, a estudante revelou que teve que mudar os planos que tinha para a filha, mas que irá enfrentar os desafios que virão pela frente. “Quando a gente fica grávida, planeja um futuro com tudo para os nossos filhos, e a minha nasceu assim. É difícil, mas é um aprendizado, porque ela é uma criança esperta e muito ativa. Tem muitas crianças com problemas mais graves”, afirmou.
Desenvolvimento de bebês com microcefalia por zika é mais comprometido, diz especialista
Os casos de microcefalia aumentaram consideravelmente nos últimos meses no Brasil, colocando todo o País em estado de alerta, inclusive Roraima. Conforme o Ministério da Saúde, já foram notificados 7.723 casos suspeitos em 539 cidades de 25 estados do País. A principal hipótese para o surto continua sendo o contágio por zika vírus – identificado no Brasil pela primeira vez em abril do ano passado. A microcefalia faz com que o bebê nasça com o crânio menor que o normal.
Segundo a fonoaudióloga da Rede Cidadania, Samara Linhares, bebês que nascem com microcefalia decorrente do zika vírus têm o desenvolvimento mais comprometido. “Nos casos que atendemos, nenhum tem relação com o zika. Mas as crianças que nascem com a doença por zika vírus são bem mais comprometidas, não têm muita evolução, não se sentam e nem se alimentam direito”, disse.
O trabalho feito com as crianças na unidade é de estimulação da fala e movimentos. “Estimulamos a fala e a linguagem para que esses bebês não fiquem com atraso que, sem esse trabalho, teriam. Com o acompanhamento feito aqui e a orientação que damos às mães para que estimulem os filhos em casa eles se desenvolvem melhor”, explicou.
Plano de ação envolve etapas com busca ativa
A Prefeitura de Boa Vista informou que, de acordo com a portaria de número 405, de 15 de março de 2016, do Ministério da Saúde, foi instituído no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a Estratégia de Ação Rápida para o Fortalecimento da Atenção à Saúde e da Proteção Social de Crianças com microcefalia, que é realizada por estados e prefeituras.
O plano de ação envolveu etapas com busca ativa de crianças com microcefalia através das equipes de Estratégia Saúde da Família da Prefeitura de Boa Vista, o encaminhamento dos casos para consultas com neurologista na Maternidade Nossa Senhora de Nazaré e a realização de todos os exames necessários para a confirmação da doença.
Os casos confirmados de microcefalia serão encaminhados ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o tratamento de estimulação precoce, que é realizado na Rede Cidadania, ficou a cargo do Estado. “A partir do dia 31 deste mês, todos os casos confirmados de crianças com microcefalia serão acompanhados pelos especialistas do Hospital da Criança Santo Antônio”, informou. (L.G.C)