Nas décadas de 70 e 80, Roraima recebeu um número significativo de garimpeiros oriundos de outras partes do país, especialmente do Nordeste. Com a extração de ouro e diamante, muitos homens se desprendiam do seio familiar em busca da riqueza fácil. Dos remanescentes, um caso ganhou destaque: a história de Domingos Cardoso, de 69 anos, que dedicou sua vida garimpando no território roraimense e até mesmo nos países vizinhos (Venezuela e Guiana). Agora, ele se emociona ao falar do retorno ao Estado de origem, o Piauí.
Antes de voltar para casa, o ex-garimpeiro pediu que o Abrigo de Idosos Maria Lindalva Teixeira de Oliveira concedesse a oportunidade de ir à Serra do Tepequém, região turística do Estado, localizada no Município do Amajari, ao Norte do Estado, local onde residiu nos últimos dez anos. O pedido foi atendido na manhã de sexta-feira passada, dia 11, a fim de que o idoso se despedisse dos amigos que o apoiaram nos momentos de tristeza e solidão, após a garimpagem de minérios ter sido extinta. No sábado ele viajou.
Um dos poucos amigos que restou, Luís da Helena, como é chamado por seu Domingos, relatou com emoção o carinho que tem pelo idoso. “Não é porque está indo embora, mas é uma pessoa excelente que morou aqui há tantos anos e o que fez foi amizades. A gente sente a saída dele, mas vai sair para o bem e vai ser melhor. Trabalhamos muito tempo no garimpo, pegando diamante em 90. A maior pedra retirada daqui fomos nós quem encontramos. Foi um tempo bom aquele que trabalhei com Piauí [apelido dado a seu Domingos]”, relembrou Luís.
De acordo com o relatório da assistente social do abrigo do idoso, Maria Helena de Azevedo, seu Domingos morava num barraco em área de lavrado em condições extremamente precárias, o que certamente afetou sua saúde. Uma família de Boa Vista, que também possui residência no Tepequém, sensibilizada, decidiu trazê-lo até a Capital. Devido à idade avançada e quadro de saúde fragilizado, foi conduzido às consultas médicas.
Sem condições de dispensar tempo para cuidar e dar atenção que o idoso precisava, seu Domingos saiu da residência da família que o acolheu à procura do Abrigo de Idosos, se perdendo pela cidade, e foi encontrado pela guarnição da Polícia Militar e levado até a Casa do Vovô.
Durante o período que se encontra em Roraima, o garimpeiro não constituiu família, não teve filhos, nem mesmo no Estado do Piauí. Entretanto, afirmou ter 13 irmãos que vivem nas cidades de Teresina e Barras, no Piauí. O idoso informou que, tão logo recuperasse a saúde, iria em busca do seu grupo familiar, pois sente saudades dos irmãos. E o que mais deseja é retomar a amizade e os laços afetivos que ficaram impossibilitados devido à distância e falta de comunicação por esses longos anos.
CONTATOS – Após solicitação do serviço social da Casa do Vovô para que a Prefeitura de Teresina procurasse os irmãos de seu Domingos, a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Teresina enviou e-mail informando que havia encontrado uma irmã e um irmão do idoso, com os quais de imediato eles realizaram contato: a senhora Maria José, que é irmã dele e mostrou-se extremamente emocionada. Ela disse que queria muito rever o irmão.
A partir daí, o idoso sempre mantém conversa diária com os familiares por meio de telefonemas, WhatsApp e demais aplicativos que permitem comunicação.
“Seu Domingos não tem referência familiar em Roraima. Estava com o quadro de saúde bem descompensado, apresentando situação de vulnerabilidade social e, diante disso, foi feito o acolhimento institucional no Abrigo de Idosos. Depois de um trabalho desenvolvido pela equipe multidisciplinar, visando melhor qualidade de vida, fizemos a busca familiar. Foi quando encontramos uma irmã em Teresina. A gente percebe que, mesmo sem contato por tantos anos, os vínculos continuam fortalecidos, principalmente quando contamos que seu Domingos gostaria de revê-los. E foi recíproco porque os irmãos o aguardam com muita felicidade”, destacou a assistente social, Maria Helena de Azevedo.
O idoso diz que há uma mulher que o espera há oito anos no Piauí. “Eliane [a pretendente] é bonita, pessoa trabalhadora, disposta, gosto do jeito dela. Vamos ver se vai nascer uma história de amor”. Quanto à expectativa para a viagem, a assistente social afirmou que o idoso anda emocionado sempre que lembra do regresso à terra natal. “Eu me sinto feliz. Nunca perdi a fé de que iria acontecer. Do jeito que eu imaginei está acontecendo”, frisou Domingos Cardoso.
Da riqueza à pobreza
Domingos Cardoso, quando menciona o passado no garimpo, diz que não “bamburrou” (expressão utilizada para quem enriquece com a garimpagem), mas que ganhou muito dinheiro, todavia, gastou com mulheres. “Aqui tinha muito diamante, mas acabou porque tinha gente demais quando cheguei ao Tepequém para trabalhar em 1986. Tinha gente de Goiás, Pernambuco, Sergipe e Mato Grosso. A vida de garimpeiro não é fácil”, disse.
Sobre os causos que ocorriam no garimpo, Domingos afirmou que aqueles que procuravam confusão sempre a encontravam. “Amigos foram mortos. Perigo no garimpo sempre havia. Quem fosse sozinho para o mato era roubado e morto. Nunca tive medo, a não ser dos castigos de Deus. O que sentia era falta da família naquela época, principalmente da mãe, do pai, dos irmãos. Foi difícil ficar longe”, frisou.
O ex-garimpeiro disse que sempre foi bom morar em Tepequém, que admira a beleza natural, como as cachoeiras. Contemplando a paisagem, ele relembra os companheiros e disse que para sempre guardará o lugar na memória, externando a vontade de voltar à serra um dia. “O Tepequém é um lugar bom, bom mesmo”. (J.B)
Setrabes bancou passagem para idoso voltar para casa
A secretária do Trabalho e Bem-Estar social, Emília Campos, frisou que o desafio como gestora é conseguir melhorar efetivamente as condições de vida dos idosos acolhidos na Casa do Vovô. “Para tanto. dispomos de uma equipe multidisciplinar que trabalha com carinho e dedicação. O senhor Domingos é prova disso. Estamos imensamente felizes em poder proporcionar a ele o restabelecimento do elo familiar que tanto sonhava conquistar”, frisou.
A Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes) custeou as passagens de Boa Vista até Barras (PI) para o idoso e para a assistente social que o acompanhou na viagem, no sábado passado. Ela está fazendo o acompanhamento durante alguns dias para avaliar a adaptação junto à família, de modo que a reinserção seja salutar e benéfica.