Por trás do portão preto, a obra de ampliação da casa teve que ser parada e os tijolos ficaram amontoados na varanda da frente. As contas de energia vencidas estão dentro de uma caixa de sapatos e a geladeira está praticamente vazia. As crianças dividem o mesmo quarto, assim como aprenderam a dividir os mesmos tênis e mochila para irem às escolas.
O cenário se tornou rotina há oito meses, quando as empresas terceirizadas declararam não ter mais como pagar aos servidores. Entre os milhares de funcionários afetados pela falta de salários, Ana Paula Magalhães afirma não saber como os filhos irão estudar sem o material escolar que não pôde comprar até o momento.
São seis filhos, entre 5 e 15 anos. Dois estudam em escola militarizada e ainda não possuem o fardamento obrigatório exigido, que tem o custo médio de R$ 800. Os tênis pretos, também determinação da unidade escolar, são usados por um no período da manhã, que precisa chegar o mais breve possível em casa para que o outro possa usar na escola à tarde. Com o início das aulas na próxima segunda-feira, 4, a mãe diz não ter ideia de como vão estudar, já que ouviu que sem o uniforme o estudante não entra.
No princípio, a falta de salário foi uma surpresa e os servidores só tiveram a atitude de esperar para que a situação fosse resolvida. Mas, sem respostas do governo do Estado, Ana Paula teve que viver de “bicos”, fazendo manicure e estampando sandálias com miçangas.
Para conseguir ‘levantar’ uma grana, Ana Paula vende sandálias pela Internet e na porta das escolas onde filhos mais novos estudam (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)
“Pensávamos ‘pode ser que vai cair’, mas logo eu entrei de férias e não teve nenhum pagamento, sem décimo e nada. Desde lá, a situação piorou demais”, relatou.
A servidora de limpeza das escolas estaduais manteve o posto de trabalho na empresa Limponge durante todo o período, entrando em greve somente no último mês quando funcionários foram às ruas protestar e pedir um posicionamento sobre os atrasos.
“O dinheiro que pego agora é para comprar comida, porque comprar outras coisas para os meninos, não tenho como. Eu prefiro comprar comida a eles passarem fome”, completou.
Sem o salário de R$ 1.500, Ana Paula é a provedora da casa, cobrando em torno de R$ 50 por cada sandália bordada. A que estava fazendo quando a equipe da Folha chegou a sua casa, já estava sendo cotada para que um dos filhos pudesse cortar o cabelo para ir à escola na segunda.
“Me sinto indignada porque meus filhos querem, eles falam ‘mãe, eu quero bolsa’. Tento ser forte na frente deles, mas quando estou só, eu choro. Não tenho como comprar”, lamentou.
O sentimento se mistura com a revolta da falta de respostas concretas, além das promessas de pagamento somente do mês de janeiro deste ano, que, segundo a servidora, não seria o suficiente para pagar a energia e comprar o básico para os filhos. Quando questionada sobre o que mais precisava no momento, a mãe não teve dúvidas e se omitiu de qualquer necessidade ao responder “material escolar para os meus filhos e os fardamentos deles”.
CUMPLICIDADE – Mesmo em meio às dificuldades, a servidora não deixa de pensar nos colegas de trabalho que estão na mesma situação, com muitos sem ter como trabalhar e se sustentando com a ajuda de parentes.
“Eu, pelo menos, tenho minha casa. Mas teve uma delas que até foi expulsa do imóvel porque não tinha mais como pagar o aluguel”.
Sem ter como comprar material e fardamento para os filhos, dois deles, que estudam em horários opostos, ‘dividem’ o único par de tênis para irem à escola (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)
O marido de Ana Paula está desempregado e também consegue alguns trabalhos temporários. As sandálias feitas pela servidora são vendidas pela Internet ou na frente das escolas municipais onde os filhos mais novos estudam.
“Fico arrasada. Não é justo. Peço que o governador se sensibilize. A gente trabalhou e precisa receber. Não é digno eu não poder dar uma coisa boa para os meus filhos. É um direito deles estudarem e acho que deveriam ter o material. Em nenhum momento vou desistir”, enfatizou entre lágrimas.
Ana Paula disse que já chegou a perder a esperança de um dia poder receber os salários atrasados, mas tenta encontrar forças e se reerguer com a motivação com o mesmo nome da rua em que mora: Travessa da Fé. “A fé é a única coisa que a gente não pode perder”, encerrou.
Governo vai pagar mês de janeiro; para outros meses, não há previsão
Por meio de nota, o governo informou que, apesar de a atual situação econômica em que o Estado se encontra, no dia 4 de fevereiro efetuará o pagamento às empresas terceirizadas para que os salários dos funcionários referentes ao mês de janeiro de 2019 sejam pagos.
Os meses seguintes serão pagos normalmente, conforme a nota.
Ainda segundo o governo, os valores referentes aos anos anteriores serão pagos quando a situação financeira do Estado apresentar equilíbrio. (A.P.L)