Por meio de espaços como fale@folhabv e o Espaço do Leitor, a Folha recebe várias denúncias sobre a falta de viaturas do policiamento ostensivo nas ruas de Boa Vista. A partir daí, leitores se dizem mais indefesos diante da atuação de criminosos.
Segundo a assessoria da Polícia Militar (PM), por conta do protocolo de segurança, a instituição não pode revelar o número de viaturas que dispõe. Mas, a demanda crescente impõe dificuldades ao atendimento de todos os casos.
A socióloga especializada em segurança pública, Carla Domingues, diz que dentre os fatores resultantes deste cenário existe a descrença da população quanto às políticas públicas. O fato ajuda criminosos ou facções a construírem um discurso, favorecendo a ideologia da descrença no estado.
“Estudei e li livros e teses que falam sobre o histórico das principais facções do país. Sei que as lideranças delas são inteligentes e possuem elevado poder de persuasão. Essas lideranças usam o discurso da indignação para a população que se sente desassistida”, explicou.
A socióloga destaca que as facções criminosas funcionam como um comércio convencional, com funcionários, hierarquia, planejamentos de expansão e distribuição de ‘produtos’. “Quando você fala em crime organizado, é preciso ter em mente que eles possuem um juramento em cima de estatuto próprio. Possuem hierarquia, com gerentes e soldados. Os membros precisam contribuir para essas organizações repassando uma quantia mensal, que gira em torno de R$ 400,00, para que a máquina do crime seja alimentada”.
O professor da Universidade Estadual de Roraima (Uerr) e sociólogo especializado em antropologia, Carlos Gomes, acredita que o sentimento do brasileiro de sentir-se distante de poderes como a polícia, dá margem ao desenvolvimento de facções. Também, cria um círculo vicioso no qual o diálogo das facções com a sociedade é mais intensivo que por parte de autoridades.
“A política parece algo distante do brasileiro. Ele enxerga ordem partindo dela, mas não se vê como parte desse processo. Então, é claro que algo que é realizado em escala nacional, como o Sistema Nacional de Segurança Pública, acaba não funcionando no combate contra facções, ao ponto de não pensar nas peculiaridades e diferenças de cada bairro. Isso torna genérico o protocolo de segurança pública. No caso do crime organizado, a sua expansão se dá de rua em rua e bairro em bairro, é gradativa, e por isso funciona”, explicou.
Ele relatou que a distância entre políticos e seus representados é questão comum na realidade brasileira desde a época da República, no final do século XIX, e deu margem a políticas populistas e ditaduras, como a de Getúlio Vargas.
“Essas políticas surgiram, e ganharam popularidade, por demonstrarem a falta de representatividade da população na política. Isso pode ser traçado em analogia com as facções, que também ganham espaço por representar pessoas que se sentem sem voz”, ilustrou.
Aumento populacional implica no crescimento da criminalidade
Na avaliação da socióloga especializada em segurança pública, Carla Domingues, existe uma ligação iminente entre o fluxo migratório e o desenvolvimento de facções em Roraima.
“A alta da criminalidade está ligada ao fluxo migratório. Isso não significa que apenas venezuelanos mal intencionados vêm para o Brasil, mas a fronteira fica aberta e sem fiscalização. É possível ver que até dois anos atrás, não eram comuns os crimes com armas de fogo. Hoje, armas são apreendidas todos os dias, sendo a maioria oriunda da Venezuela”, relatou.
Carla também destacou que essa situação apenas deixa clara a emergência de concurso público em ano que não seja eleitoral, uma vez que os aprovados do concurso da Polícia Militar só poderão ser convocados em 2019.
“A lei proíbe a admissão de quaisquer servidores no intervalo de três meses antes e três meses depois da eleição. O planejamento de concursos poderia ser antecipado, pois estamos reféns da criminalidade. Isso é uma necessidade urgente. Não podemos esperar por 2019”, relatou. (P.B)
Polícia precisa ter maior diálogo com a comunidade
Os dois sociólogos entrevistados pela Folha acreditam que existe um abismo na comunicação entre policiais e a população. Defendem, como sugestão para melhoria desse relacionamento, que as instituições de combate ao crime estejam mais próximo do povo.
“Os policiais precisam ser participativos. Estar em constante comunicação com a comunidade. Eles precisam ouvir o que a população tem a dizer, e sempre estar atentos às necessidades de todos”, destacou Carla Domingues.
De forma prática, sugeriu que unidades policiais comunitárias sejam instaladas em pontos críticos, nos bairros mais distantes das regiões centrais das cidades.
“Sugiro a construção de uma unidade em bairro caracterizado pela violência. Em razão das notícias policiais que acompanho, imagino o bairro Senador Hélio Campos. Se uma unidade fosse instalada lá, com policiais presentes e em diálogo com a população, seria uma ajuda enorme para a população, que seria assistida de forma ostensiva e com fácil diálogo junto ao aparelho policial”, analisou.
Para Carlos Gomes, uma solução deveria começar pelos órgãos policiais partindo de uma perspectiva micro. Cada rua tendo acompanhamento específico, em vez de macro.
“Políticas de segurança pública deveriam funcionar através de células. Não se pode ter um comando central para proteção de ruas, bairro, município, estado. Também não adianta culpar a polícia. Ela não é vilã. Também é vítima de um processo e mentalidade que existem há gerações. Ela precisa ser instruída seguindo uma política regionalizada. Sem extremismos, sem atitudes radicais, apenas na base da aproximação de entidades e povo.”, analisou.
GOVERNO – A Folha entrou com contato com a Polícia Militar para saber sobre possíveis ações que o órgão estaria praticando para contribuir com o diálogo junto à sociedade. Entretanto, não obteve retorno até o fechamento desta matéria. (P.B)