O Sindicato dos Trabalhadores de Saúde (Sintras-RR) protocolou, no Ministério Público de Roraima (MPRR), duas denúncias em que relata uma série de supostas irregularidades na gestão da Superintendência de Assistência Farmacêutica (SAF). Por meio de nota, a Procuradoria-Geral do Município informou que não recebeu comunicação alguma do Ministério Público sobre o assunto.
O SAF da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) é o responsável por adquirir e distribuir insumos e medicamentos para as unidades de saúde municipais. Nas denúncias, o Sintras relata:
- Falta de auxiliares e atendentes de farmácia, de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e de medicamentos essenciais para o tratamento de condições crônicas, infecciosas e emergenciais;
- Mofo na estrutura predial de farmácias de ao menos duas UBSs (Unidades Básicas de Saúde);
- Transporte de medicamentos e materiais médicos em caminhões sem refrigeração e armazenamento dos itens em condições inadequadas; e
- Desperdício de quase R$ 64 milhões em medicamentos vencidos nos últimos sete anos, e desperdício e uso de R$ 1,1 milhão em kits de testes de Covid-19 vencidos entre março e maio de 2024;
Procurado, o MPRR confirmou ter recebido os dois ofícios das denúncias e informou que a documentação será encaminhada para a Promotoria de Justiça com a atribuição competente sobre o caso.
Falta de auxiliares, atendentes de farmácia e mais
Em um dos ofícios, o Sintras citou a falta do profissional auxiliar e/ou atendente de farmácia, além da ausência de protocolos farmacêuticos e de implementações de portarias, como a que trata das definições para o atendimento e implementação da assistência farmacêutica. Nesse sentido, a entidade explica que esses profissionais “essenciais” para a assistência farmacêutica no setor público não existem no Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações (PCCR) da Saúde.
Segundo o Sintras, a ausência desses profissionais nas UBSs sobrecarrega os farmacêuticos com tarefas básicas que não são de sua competência, como atividades administrativas e operacionais, recebimento de medicamentos e insumos, distribuição e dispensação de medicamentos básicos, e até carregamento de caixas.
“Esta situação impede que os farmacêuticos desempenhem suas funções principais com eficiência”, pontuou a presidente da entidade, Maceli de Souza Carvalho, que ainda cobrou a capacitação e a divulgação do protocolo municipal para o uso racional de antibióticos antimicrobianos na prescrição realizada por médicos e odontologistas das UBSs.
Nota da Prefeitura sobre o PCCR
Quanto ao PCCR, a Secretaria Municipal de Administração e Gestão de Pessoas informou que, em junho de 2022, a Prefeitura publicou no Diário Oficial do Município a Portaria 031/2022 constituindo um Grupo de Trabalho para revisar os Planos de Cargos, Carreiras e Remunerações dos servidores efetivos e empregados públicos do Município de Boa Vista (cópia anexa). Essa portaria, em seu anexo 1º. tratou da programação para a discussão com os interessados, no período de outubro a dezembro daquele ano. O sindicato não apresentou proposta alguma. No dia 6 de março de 2023 houvereunião com o SINTRAS na prefeitura para apresentaçãode minuta e novamente o sindicato não apresentou proposta a respeito.
Em 15.05 de 2024, na reunião da Mesa da Saúde, que reúne todos os sindicatos das categorias em saúde (cópia anexa), o item 11 da ata traz sugestão de proposta do Conselho de como seria esse cargo. Ocorre que o cargo de técnico/auxiliar de atendente de farmácia não é uma profissão regulamentada junto ao Conselho Federal de Farmácia.
No dia 16 de setembro, anteontem, o sindicato protocolou uma solicitação de agenda para reunião com o prefeito,que segue trâmite interno, envolvendo as Secretarias de Governo e Secretaria de Administração e Gestão de Pessoas.
Falta de EPIs
O Sintras também constatou, na Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF), gerida pela SAF, que os servidores do setor de medicamentos e materiais médicos hospitalares não possuem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) como capacetes, coletes, botas de segurança e uniformes.
Mofos em estruturas de UBSs
A denúncia também cita a existência de paredes com mofo na estrutura predial de farmácias de UBSs, como as dos bairros Liberdade e Cambará, o que indica condições inadequadas de umidade e ventilação.
Medicamentos transportados sem refrigeração
Ainda conforme o ofício enviado ao MP, o Sintras cita que recebeu relatos de que medicamentos e materiais médicos são frequentemente transportados em caminhões sem refrigeração e armazenados em condições inadequadas, o que pode comprometer a eficácia dos medicamentos.
Segundo o sindicato, a CAF não tem geradores automáticos de energia, termohigrômetros adequados e monitoramento contínuo de temperatura e umidade, e que a gestão “tem sido negligente na implementação de sistemas de controle de estoque e prevenção de vencimentos, resultando em grandes perdas financeiras”.
“O Sistema Integrado de Gestão de Serviços de Saúde SIGSS, [sic] não é utilizado de forma a fazer o controle de medicamentos e insumos, para manter o estoque e o planejamento a fim de evitar o desperdício e atender os usuários do SUS. Que a Vigilância de Saúde Municipal, tem sido omissa em relação aos problemas relatados, fazendo vistas grossas às condições inadequadas na CAF. Esta falta de fiscalização permite que as irregularidades persistam, comprometendo a saúde pública e o descumprimento de normas”, completou.
Falta de medicamentos
O ofício também cita que diversos medicamentos essenciais para o tratamento de condições crônicas, infecciosas e emergenciais estão em falta. Também estão ausentes, segundo o Sintras, materiais médicos de uso comum, como soluções orais, cremes dermatológicos e pomadas antifúngicas. Para o sindicato, isso prejudica o tratamento de condições dermatológicas e infecciosas.
Vencimento de remédios e testes de Covid-19
No mesmo documento, o Sintras revelou seu próprio levantamento que aponta que, de 2017 a 2024, o Município perdeu R$ 63.623.007,30 em medicamentos vencidos. Já em outro ofício, o sindicato relatou que a Prefeitura teria usado dois lotes de testes de Covid-19 entre março e maio de 2024, contabilizando ainda um prejuízo de R$ 1.146.171,06. Para Maceli, houve falta de planejamento nesses casos.
Uso de lancetas para testes de glicemia
O Sintras também disse ter identificado em ao menos 19 UBSs, a partir de maio de 2024, o uso de 200 mil lancetas para testes de glicemia vencidas, o que poderia “comprometer a esterilidade e integridade do produto” e aumentar “o risco de infecções e leituras imprecisas de glicemia”. “Pacientes, especialmente os idosos, podem não perceber que estão utilizando produtos vencidos, o que agrava o risco à saúde”, pontuou a presidente do sindicato.
“Foi constatado que essas lancetas vencidas foram distribuídas para várias UBS de Boa Vista, incluindo: Olenka, Edna Diniz, Silvio Botelho, Raiar do Sol, Pricumã, Mariano, Buritis, Liberdade, 13 de setembro, Delio, Santa Luzia, Santa Tereza, Aygara Mota, Lupércio, Sayonara, Senador Hélio Campos, Centenário, Cinturão Verde, São Vicente, entre outras”, completou.
O que disse a Prefeitura sobre esses temas:
A Secretaria Municipal de Saúde informa que o protocolo municipal para o uso racional dos antimicrobianos foi elaborado pela Comissão de Farmácia Terapêutica – CFT e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde – CMS, por meio da Resolução n.º 036/2023 publicada em Diário Oficial. Cabe à CFT realizar a devida divulgação de protocolos elaborados pela mesma, não cabendo capacitação neste caso, uma vez que protocolos são documentos que estabelecem critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde, o tratamento preconizado com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber, as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico a serem seguidos.
Quanto ao transporte de medicamentos, reforça ainda que é definida em todos os editais de compras da Assistência Farmacêutica a obrigação pela empresa contratada de realizar o armazenamento, transporte e entrega adequada de todos os produtos, incluindo medicamentos, com ou sem necessidade de refrigeração. Aqueles que requerem controle de temperatura são transportados em veículos refrigerados, conforme normas sanitárias vigentes.
Em relação aos Geradores, a secretaria informa que o prédio da SAF é locado e que já há tratativas com o locatório sobre as possíveis adequações necessárias para a instalação de um gerador, tendo em vista o aumento nas interrupções de energia no Estado. Quanto aos termo–higrômetros, há em andamento um processo licitatório, em fase de empenho, para aquisição dos mesmos.
É importante esclarecer que todas as aquisições realizadas pela administração pública necessitam seguir as legislações vigentes e que, atualmente, há em estoque cerca de 90% dos medicamentos que compõem a Relação Municipal de Medicamentos Essenciais – Remumevigente. E ainda há contratos vigentes para aquisição de mais medicamentos. Assim que a entrega destes for concluída, a Remume do município poderá chegar aos 100% da lista.
Em relação a medicamentos vencidos, a secretaria esclarece que o apontamento não procede. A título de exemplo, no ano de 2023 foram gastos com aquisição de medicamentos aproximadamente R$ 10.000.000,00, valor este bem abaixo do mencionado na denúncia.
Quanto aos testes de Covid, a secretaria informa que não tem conhecimento que ocorra esse tipo de prática – distribuição/utilização de testes vencidos dentro da SAF. E que, caso seja constatado qualquer tipo de irregularidade, serão adotadas todas as medidas cabíveis.
Quanto às lancetas, a secretaria ressalta que a denúncia não procede, o que pode ser comprovado em relatório emitido por meio de sistema. Também essa informação pode ser confirmada em conferência de estoque físico. A SAF está sempre de portas abertas para esclarecer quaisquer dúvidas que surgirem.