Cotidiano

Terra Yanomami é destaque em estudo sobre o crime organizado na Amazônia

26 ações policiais foram realizadas na TI Yanomami em Roraima ligadas ao combate à mineração ilegal e extração ilegal de madeira

Análise realizada pelo Instituto Igarapé a partir de mais de 300 operações da Polícia Federal (PF) realizadas entre os anos de 2016 e 2021 demonstra que, além de possuir uma natureza organizada, a criminalidade ambiental na Amazônia está muito longe de ser um problema apenas local.

Dos 451 territórios mapeados como local principal do crime ambiental na Amazônia Legal, 141 (31%) se encontram no interior de Terras Indígenas (TIs).

No total, 37 TIs tiveram desdobramentos das operações mapeadas. Entre as afetadas estão: TI Yanomami em Roraima (com 26 aparições em ações policiais ligadas de combate à mineração ilegal e extração ilegal de madeira), TI Munduruku no Pará (com oito menções ligadas à mineração ilegal), TI 7 de Setembro em Rondônia (com oito menções, ligadas à extração ilegal de madeira e mineração ilegal). Um total de 19 Terras Indígenas foram objeto de investigações relacionadas a crimes com alguma dimensão de violência.

As ramificações do ecossistema do crime ambiental chegaram em 24 dos 27 estados brasileiros, com exceção de Alagoas, Pernambuco e Paraíba.

De acordo com o artigo “Territórios e Caminhos do Crime Ambiental na Amazônia Brasileira: da floresta às demais cidades do país”, lançado nesta terça-feira (19/07), essas operações se desdobraram em 846 territórios espalhados na América do Sul. O estudo faz parte da série “Mapeando o Crime Ambiental na Amazônia”. Os territórios mapeados nas operações da PF estão em 197 municípios da Amazônia Legal, (75% do total de cidades identificadas), 57 municípios fora da Amazônia Legal (22%) e oito em cidades de países vizinhos (3%).


Ouro encontrado em uma das operações (Foto: Divulgação)

As operações da PF foram motivadas pelo desmatamento descontrolado com alvo em diferentes economias ilícitas ou contaminadas com ilicitudes como a extração ilegal de madeira, a mineração ilegal (sobretudo do ouro), a grilagem de terras e atividades agropecuárias com passivo ambiental.

É o que mostrou o artigo estratégico “O ecossistema do crime ambiental na Amazônia: uma análise das economias ilícitas da floresta”, lançado em fevereiro pelo Instituto Igarapé. Essas atividades movimentam um ecossistema de criminalidade que envolve crimes ambientais e não ambientais, como crimes financeiros, tributários, corrupção, fraude e crimes violentos.

“Já havíamos identificado que o crime ambiental não acontece sozinho. O que esse novo artigo mostra é que todo o Brasil é responsável pelo o que acontece na Amazônia.”, avalia Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé. “O lócus do crime ambiental é a Amazônia Legal que acaba sofrendo os impactos sociais, econômicos e ambientais. Porém, os desdobramentos ultrapassam suas fronteiras. Atividades criminosas em diferentes estados brasileiros e países sul americanos participam dessa cadeia de ilicitudes amazônica”, conclui.

“O objetivo do Instituto Igarapé não é nomear atores ou fazer denúncias. Queremos compreender melhor o escopo, a escala e as dinâmicas por trás desse ecossistema de crimes ambientais para promover melhores políticas públicas e corporativas que protejam as pessoas e a floresta” afirma Ilona Szabó de Carvalho, presidente do Instituto Igarapé. “O que está claro é que precisamos de ações urgentes e permanentes do poder público e do setor privado e financeiro, que por sua vez precisa fechar as brechas que ainda permitem ilegalidades nas cadeias de suprimento e operações financeiras, e atrair capital responsável para a região”, complementa.

O Pará é o estado que mais aparece no mapeamento. Foram 83 operações da Polícia Federal que atuaram em 161 territórios divididos em 46 municípios. Rondônia aparece em segundo lugar com 122 territórios em 29 municípios e Amapá vem em seguida com 101 territórios em dez municípios. Fora da Amazônia Legal, o estado de São Paulo se destaca com 36 territórios, seguido do Paraná com 14 territórios e do estado de Goiás com 10 territórios.

Internacionalmente, as operações tiveram desdobramentos na Guiana Francesa e Venezuela (cinco cada), Suriname (quatro), Colômbia (duas), Paraguai e Bolívia (um cada). Considerando as atividades econômicas ilícitas investigadas pela Polícia Federal, o ecossistema da madeira é o que mais possui territórios mapeados (366), sendo 87% na Amazônia Legal e 13% fora dela.

Município de Alto Alegre também é destaque no estudo

No total, 23 estados brasileiros e 166 municípios estão conectados a essa economia ilícita. 22% dos territórios estão em áreas protegidas na Amazônia Legal – como Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação (UCs) e Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Dos mais de 350 territórios ligados à mineração, 80% estão dentro da Amazônia Legal e 20% estão espalhados pelo país ou até mesmo em países na fronteira. Ao todo, 125 cidades e 20 estados brasileiros fazem parte dos caminhos da mineração ilegal. Dentro da Amazônia os destaques são Alto Alegre (RR), Ourilândia do Norte, Itaituba e Jacareacanga (PA). Fora da Amazônia, o município que se destaca neste ecossistema é São Paulo (SP).

O estudo do Instituto Igarapé alerta para um cenário no qual as áreas protegidas da Amazônia se encontram cada vez mais sob ameaça do crime ambiental e crimes conexos. 45% das operações da Polícia Federal no período investigaram ilícitos cometidos no interior de áreas protegidas.

As terras ou florestas públicas não destinadas, áreas florestais pertencentes aos governos estaduais ou federais que ainda não tiveram seu uso decretado, estiveram quase ausentes da mirada da Polícia Federal no período examinado. Entre 2016 e 2021, apenas 7 operações (2% do total) foram deflagradas neste tipo de território. O desmatamento ocorrido nestas áreas é, no entanto, grande fonte de pressão nas atuais taxas de perda de cobertura florestal na Amazônia e sabidamente relacionado ao processo de grilagem.

Ainda neste sentido, o estudo também mostra a preocupante tendência de expansão dos territórios afetados pelo ecossistema do crime ambiental em porções do espaço amazônico para além do tradicional “Arco do Desmatamento” (as regiões da Amazônia Legal em que a perda da cobertura florestal já foi consolidada). Juntos, estes achados produzem um alerta para as ameaças que hoje pesam em áreas até então mais protegidas de floresta e reforçam a necessidade de combater os crimes ambientais e crimes conexos como estratégia de controle do desmatamento na Amazônia.

A série “Mapeando o crime ambiental na Bacia Amazônica” busca produzir estudos que forneçam uma melhor compreensão da dinâmica contemporânea do crime ambiental e ilegalidades relacionadas na Bacia Amazônica e gere recomendações a um conjunto de atores envolvidos no combate a estes crimes e ilegalidades em nível local, nacional e regional. Os estudos desenvolvidos para esta Série lançam luz sobre dimensões menos exploradas desses fenômenos.