Cotidiano

Transplantados ressaltam importância de doar órgãos

No início de 2019 serão realizados os primeiros implantes em RR

LEO DAUBERMANN

Editoria de Cidade

Cansaço, falta de ar, visão embaçada e pressão alta. Após sentir esses sintomas e realizar alguns exames em 2013, a vida da comerciária Pablina Abreu Mourão, na época com 27 anos, sofreu uma guinada ao receber o diagnóstico de insuficiência renal crônica. Junto com o diagnóstico, a necessidade imediata de hemodiálise e, logo em seguida, transplante de rins, para poder voltar a ter uma vida normal.

“Quando recebi o diagnóstico entrei em pânico, achei que ia morrer, eu desconhecia completamente esse processo de diálise e transplante. Meus rins atrofiaram, diminuíram de tamanho, quando descobri foi muito tarde para fazer uma biópsia, nunca consegui saber a causa. Já estava no estágio final, com falência múltipla dos órgãos, tive que ser internada imediatamente pra começar a diálise”, relembrou.

Pablina, que é transplantada renal há cinco anos, conta que o processo entre a primeira diálise e o implante do rim foi de nove meses, tempo considerado rápido, comparado à média de espera nacional, que é de dois anos.

“Fiz três meses de diálise em Boa Vista, me mudei para Fortaleza e, seis meses depois, já havia feito o transplante. Tive sorte. Mas funciona assim: eles chamam sete pessoas da lista de espera, que sejam compatíveis com aquele órgão que a pessoa está doando e, dos sete, só vai ficar o mais compatível/idêntico. Na primeira vez que me chamaram não deu certo, mas na segunda, graças a Deus, deu certo”, contou.

“Por isso a importância de ser doador de órgãos, de conversar sobre esse gesto nobre com a família. O rapaz, que salvou a minha vida, salvou a vida de mais seis pessoas, porque ele era doador de órgãos, avisou a família antes de morrer e a família respeitou a vontade dele”, ressaltou Pablina.

Silvio Teixeira, 43, transplantado renal há seis anos, compartilha da mesma opinião de Pablina.

“A importância de ser doador de órgãos é de extrema magnitude e as pessoas não fazem ideia de quantos pacientes esperam em filas de hospitais por esse Brasil afora, quantos esperam por esse ato de amor ao próximo”, disse.

Silvio, que é presidente da Associação dos Transplantados Renais de Roraima, conta que é grato à família que aceitou doar os órgãos.

“O transplante foi feito em Fortaleza, no Hospital Universitário Walter Cantídio, referência em transplante de rins e fígado. Tinha 37 anos, fiz hemodiálise por um ano e um mês, o transplante foi realizado em 11 de julho de 2012. Antes me sentia debilitado, passava mal constantemente, havia riscos de infecções oportunistas devido à imunidade baixa. Hoje levo uma vida normal, faço acompanhamento médico, dieta alimentar e pratico exercícios físicos, tenho liberdade para fazer coisas que antes não era possível”, comemorou.

Projeto de Lei facilita doação de órgãos

Um projeto de lei, do senador Lasier Martins (PSD-RS), altera a Lei dos Transplantes para facilitar a doação de células, tecidos e órgãos, como rins, córneas, fígado e coração. O texto (PLS 453/2017) dispensa a autorização de familiares do falecido para a remoção de órgãos quando o cidadão tiver se manifestado em vida sobre o assunto. 

Um levantamento do Ministério da Saúde revela que quase metade das famílias rejeita a doação para transplantes. De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, o país tem atualmente 33 mil brasileiros na fila de espera para um transplante de órgãos.

Central de Transplantes em RR capta órgãos

Roraima integra o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), desde 2013, quando foi instalada a Central Estadual de Transplantes de Roraima (CET-RR). Mas somente em fevereiro deste ano, foi realizada a primeira cirurgia de captação de órgãos.

Cerca de 15 dias após a primeira captação foi realizado um segundo procedimento, ambos no Hospital Geral de Roraima (HGR). Em abril foi realizado o primeiro procedimento pediátrico, no Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA).

Segundo o coordenador da Central Estadual de Transplantes, Douglas Teixeira, a atividade em Roraima iniciou dentro do esperado.

“Temos tomado cuidado para não darmos um passo muito adiante, sem que essa base esteja bem solidificada, esse é um dos processos mais complexos da Medicina, tanto no aspecto técnico, quanto no aspecto legal”, analisou.

Para Teixeira, a questão logística é um desafio e a questão técnica, complexa.

“A gente está mantendo um paciente morto na UTI, isso é muito complexo, qualquer deslize, qualquer demora, você perde a condição para que o órgão seja retirado e tem a questão da distância, que é determinante. Pela nossa posição geográfica, em órgãos sólidos, nós temos a possibilidade de captar fígado e rins, quando nós pensamos em tecido, aí nós temos córneas e as válvulas cardíacas, essa seria a nossa limitação. Nós não temos nenhum centro transplantador de coração e pulmão próximo, que possa realmente aproveitar esses órgãos”, lamentou.

“Mas é um trabalho gratificante, porque, mesmo diante de uma tragédia, você conseguir proporcionar vida para mais pessoas, sendo que um doador pode beneficiar até oito receptores, isso realmente motiva e faz com que a gente caminhe, apesar das adversidades, da distância geográfica, de todos os desafios”, destacou.

De acordo com Teixeira, a atividade de doação e transplantes inicia na notificação do potencial doador.

“São aqueles pacientes que tiveram uma lesão cerebral que os levou à morte, e nós então, como Central, monitoramos esse acontecimento nos hospitais”, explicou.

A partir da notificação inicia-se o trabalho para a conclusão do protocolo, do diagnóstico de morte por lesão encefálica e, nessa sequência, é feita a oferta dos órgãos e tecidos para a Central Nacional de Transplantes.

“Nesse momento ainda não temos implantado aqui em Roraima o serviço de implante desses órgãos que foram doados”, disse Teixeira.

O especialista ressalta que já no início de 2019 serão realizados os primeiros implantes em Roraima. “É um anseio nosso, atualmente a gente vê a face mais dolorosa do processo, a alegria, o alívio, nós não acompanhamos, porque os órgãos estão indo. Então já no início do próximo ano, pretendemos iniciar com os implantes, pelo menos renal e talvez córnea”, ressalta o médico.

RR ocupa 3ª colocação entre potenciais doadores

Segundo dados registrados entre janeiro e junho deste ano, pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, Roraima ocupa a terceira colocação entre potenciais doadores, num comparativo por milhão de habitantes.

“Se olharmos os números absolutos, Roraima só está à frente do Tocantins e do Amapá, porque somos um estado pequeno, mas quando você faz o comparativo por milhão de população, que é a mais justa e que o mundo todo utiliza para avaliar a atividade de doação e transplante, nossa avaliação sobe para a terceira colocação, atrás somente do Paraná e Santa Catarina, isso na questão da notificação, da vigilância”, ressaltou Teixeira.

Já com relação aos doadores efetivos, quando a família optou por doar, foram feitos todos os exames e não houve nenhuma contraindicação médica, foi encontrado um receptor e realizado algum procedimento cirúrgico, para extrair esses órgãos, em números absolutos, Roraima fica à frente do Amapá, Mato Grosso e Tocantins. “Quando se coloca por milhão de população nós já estamos numa posição melhor, no 16º lugar”, destacou o coordenador.

SETEMBRO VERDE – Entre os dias 24 a 28 de setembro será realizada uma programação alusiva ao Setembro Verde, mês em que é celebrada a importância da captação e doação de órgãos. Devem ser realizadas campanhas em escolas, hospitais e universidades, além de blitz educativa e palestras para os profissionais do HGR.

As ações são organizadas pela Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), junto à Central Estadual de Transplante, na busca de sensibilizar a população quanto à temática.

“Com essa programação, buscamos incentivar essa cultura de solidariedade junto ao povo de Roraima, e que o tema possa ser discutido no dia a dia, não apenas no eventual óbito de um paciente”, explicou Ana Paula Machado, enfermeira da CIHDOTT. (L.D)