Cotidiano

Uso de recursos do Iper divide opinião de servidores

Opiniões de representantes de sindicatos foram ouvidas por parlamentares estaduais, mas votação de projeto não foi finalizada

A sessão ordinária da Assembleia Legislativa ontem, 4, foi marcada por gritos, cartazes e posicionamentos de dois grupos antagônicos, mas que buscam soluções para o mesmo problema: a falta de pagamento de salários dos servidores do Governo do Estado. No final, a sessão foi encerrada sem a votação ser concluída.

De um lado, houve o grupo de manifestantes favoráveis ao uso de recurso do Instituto de Previdência do Estado de Roraima (Iper) para pagamento dos servidores, destacando a fome que muitos estão passando e a necessidade de uma solução urgente. Do outro, os protestantes contrários, afirmando que usar o dinheiro da previdência poderia ocasionar problemas bem maiores e mais prolongados, que podem gerar a falência financeira de Roraima.

Dentre os dez representantes de sindicatos e associações que se pronunciaram na tribuna, sete são favoráveis ao uso do recurso: Sindicato dos Trabalhadores Fiscais (Sintefisco), Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário (Sintjurr), Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado de Roraima (Sindape), Sindicato dos Fiscais de Tributos do Estado de Roraima (Sinfiter), Federação Nacional do Fisco Estadual (Fenafisco), Associação dos Policiais e Bombeiros Militares de Roraima (APBM) e a Associação dos Oficiais Policiais e Bombeiros Militares de Roraima (ASSOPBM).

Já os representantes contrários foram do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem (Sindprer), Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas e Sindicato dos Trabalhadores Civis Efetivos do Poder Executivo de Roraima (Sintraima).

Manifestantes favoráveis dizem que não restam mais opções para a crise

Servidores a favor de utilização de recursos previdenciários dizem que “necessidade atual vai muito além de aspectos técnicos” (Foto: Wenderson Cabral/Folha BV)

Flávia Aguiar, esposa de um policial militar e que estava na Assembleia Legislativa, afirmou que o saque de recursos da previdência não é a solução ideal, mas é a única que parece viável na atual situação do Estado. “Não foi apresentada outra solução. Os poderes não querem abrir mão de seus salários e duodécimos, não pensam no próximo, e por isso só temos isso como solução. Não queremos dizer sim, mas somos obrigados a isso. Se houver alguma outra solução, que seja viável, que apareça, por favor!”, pediu.

O presidente do Sindicato dos Fiscais de Tributos do Estado de Roraima (Sinfiter), Jorge Henrique Teixeira, disse que apesar de ser importante considerar os impactos futuros da falta de dinheiro no Instituto de Previdência, a necessidade atual vai muito além dos aspectos técnicos.

“Fui convidado para fazer um discurso técnico. Mas nessa realidade a emoção e a comoção falam mais alto. Fizemos várias análises do projeto, enquanto fiscais, e essa é a única solução imediata para esse problema. Quem tem fome, tem pressa! Se não tivermos um pagamento confirmado até o dia 10 deste mês, eu convido todos aqui, independente de qual bandeira, para irem até o Jundiá e impedir que todas as cargas entrem no estado. Só assim a sociedade sentirá a proporção dessa crise”, sugeriu.

Já o capitão Overlan Alves, que é presidente da Associação dos Oficiais Policiais e Bombeiros Militares de Roraima (ASSOPBM), descreveu um cenário ainda mais drástico com a continuação da falta de pagamentos, em que policiais já não terão mais base psicológica para executar missões de suma importância.

“Estamos em iminência de habitarmos uma cidade fantasma, onde os senhores serão impossibilitados de saírem de suas casas e comerciantes não poderão abrir comércios, pois a segurança estará comprometida. Não há mais psicológico para policiais e bombeiros poderem cumprir seu dever cívico e a tendência é que isso só piore. Semana passada, 15 homens tiveram que ser liberados de uma missão em Jundiá, por já não haver mais condições mentais e de rancho”, explicou.

Demorará anos para Roraima se recuperar, dizem protestantes contrários

Os que não concordam com projeto afirmam que solução parece tentadora e rápida, mas “problemas serão maiores e irreversíveis no futuro” (Foto: Wenderson Cabral/Folha BV)

A agente socioeducativa Dorinha Pereira, que também esteve se manifestando durante a sessão, afirmou que apesar de estar sem receber o salário, ainda é contrária à utilização do dinheiro da aposentadoria por se tratar de um recurso que já deveria ser destinado aos servidores.

“Isso é usar de um dinheiro que é destinado a nossa categoria, para pagar uma dívida que não foi criada por nós. É um projeto que parece tentador para muitos por ser uma solução rápida, mas os problemas serão ainda maiores no futuro e poderão ser irreversíveis”, afirmou.

Já o presidente do Sindicato dos Técnicos Agrícolas de Roraima (Sintag-RR), Claudinei Simon, foi mais duro em sua fala, destacando que o diálogo entre poderes precisa ocorrer. “Essa Casa (Assembleia) deve assumir sua mea culpa pela situação em que estamos. Os três poderes precisam sentar e discutir com responsabilidade esse problema financeiro e por isso eu sou contrário”, destacou.

O presidente do Sintraima, Francisco Figueira, complementou ressaltando que o Fundo de Participação dos Estados (FPE) deveria ser de uso compartilhado entre poderes, e não um conflito de liminares. “Eu diria sim para esse uso se o Legislativo e o Judiciário abrissem mão do duodécimo para ajudar nessa conta. Essa é nossa solução sem mexer no dinheiro do Iper. Estamos com ideais divididos, mas ambos ficaremos lá fora, impedindo que haja festinha de natal com dinheiro que deveria ser nosso. A fonte pagadora é a mesma, os recursos são públicos, então deveríamos estar todos juntos nessa situação”, questionou.

Ele também frisou, antes de se pronunciar na tribuna, que outros estados que já realizaram saques em institutos de previdência passaram por graves crises, e que o mesmo só pioraria o cenário financeiro em Roraima. “Hoje são dois meses sem receber, mas quando eu precisar, na aposentadoria, demorará mais de ano. Visamos prevenir um problema que poderá ser prejudicar o estado por anos. No Amazonas, demorou 15 anos para se recuperar de saques que ocorreram na previdência de lá”, concluiu. (P.B)