Pais de pacientes do Hospital da Criança Santo Antônio denunciaram à Folha que estão sendo obrigados a comprar medicamentos para o tratamento dos filhos que estão internados. Antibióticos usados para o tratamento de pneumonia, por exemplo, estão em falta na unidade hospitalar.
Servidores do Hospital da Criança também relataram a falta de médicos para atender à demanda e a falta de oferta do Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Um funcionário descreveu como “caos” a atual situação da unidade, que tem capacidade para atender mais de 500 crianças por dia.
Ele confirmou a falta de antibióticos, assim como de material para acesso de longa duração para crianças em estado grave e de respiradores (equipamentos usados para respiração artificial de crianças internadas na Unidade de Terapia Intensiva – UTI). “O problema é de longa data, porém intensificou-se com o período de chuva, quando as crianças adoecem mais. Pais veem seus filhos morrerem após meses internados, aguardando transferência para outros estados e não conseguem”, afirmou.
O funcionário assegurou que vários setores ficam sem médicos alguns horários e que, à noite e nos finais de semana, na emergência, não há pediatras, só clínicos gerais. “Quem ainda não está com o filho internado, reze para não precisar, porque a situação está lamentável. Infelizmente, quem não tem como pagar ou levar o filho para outra cidade, está condenado a confiar na sorte, porque medicamentos e pediatras estão em falta”, alertou.
A reportagem da Folha esteve no Hospital da Criança e conversou com um casal que confirmou que crianças estão sem assistência à saúde na unidade. “Hoje faz uma semana que nosso filho está internado com pneumonia e eu até vejo esforço da equipe de enfermagem, mas os médicos não têm a mesma preocupação que os demais funcionários. Eles aparecem uma vez por dia e não fazem muita coisa. O que a gente escuta é que o tratamento das crianças doentes não vai parar, mas não há remédio, não sei como eles vão fazer. Não há como tratar com soro”, questionou.
Um pai alegou que há uma semana compra os medicamentos para a filha, porque teme que o estado de saúde da criança piore. “Estou fazendo o que posso. Eu não tenho condições financeiras de manter um leito de clínica ou hospital particular. Vou ajudar porque tenho medo de que o caso fique pior. O que eu preciso é que tudo se revolva logo. O dinheiro que tenho é pouco e vai acabar. Já procurei a direção e eles disseram que nos próximos dias a situação vai se resolver”, declarou.
TFD – Uma família denunciou à Folha que há sete dias espera respostas da Prefeitura de Boa Vista para transferir o bebê de 1 mês e 7 dias para outro estado. Davi Andrade Gomes de Sousa precisa passar por uma cirurgia no coração. Tanto os medicamentos para o tratamento cardíaco quanto para sarar a pneumonia, que se acentuou desde a internação, estão sendo comprados pela família.
“Ele nasceu com dificuldades de respiração, melhorou, mas em todo momento apresentava um cansaço além do normal, mas como somos leigos, pensamos que todos os bebês fossem ofegantes. Depois de dez dias, procuramos um médico porque o bebê não queria mais comer devido às dores no coração”, informou o pai de Davi, Jean José Gomes de Sousa.
Ele também disse que o problema de saúde da criança só foi detectado depois de um exame específico, quando já haviam realizado uma bateria de exames. “Vimos que ele começou a chorar até perder as forças, foi quando levamos ao hospital e diagnosticaram que o problema era no coração. Se trata da má formação de uma veia. Quando o bebê está no útero, há uma veia responsável pela circulação do sangue e respiração. O normal é a veia se dividir em dois canais, um para a circulação sanguínea e o outro, para respirar, mas isso não aconteceu e o próprio sistema defensivo criou os dois canais, que não são o suficiente para ele”, salientou.
A correção cirúrgica é um procedimento complexo e somente outros estados têm suporte para atender a criança. “É uma corrida contra o tempo. Nós queremos pedir ajuda para fazer a remoção logo. A tendência é piorar. Hoje completa sete dias que estamos em busca do Tratamento Fora de Domicílio (TFD) porque é uma doença rara e se o município não vai fazer nada, nós vamos pedir a quem pode fazer”, explicou Jean de Sousa.
OUTRO LADO – Em nota, a Prefeitura de Boa Vista afirmou que não há falta de equipamentos para o atendimento de crianças em estado grave e que foram adquiridos, recentemente, 20 monitores multiparamétrico instalados no Centro Cirúrgico, no trauma da emergência e UTI. “O aparelho apresenta diversos gráficos e informações relacionadas ao estado do paciente, como: pressão arterial, oximetria, eletrocardiograma, respiração, temperatura e saturação de oxigênio”, informou.
Em relação à falta de antibióticos no Hospital da Criança, informou que a medicação já foi adquirida na sexta-feira, 24. “Ressaltamos ainda que a falta de um tipo de medicamento não significa a falta de tratamento, já que existem outros medicamentos disponíveis para dar andamento ao atendimento”, afirmou.
Disse também que em Boa Vista existem menos de 50 médicos pediatras e que, destes, 25 trabalham no Hospital da Criança na parte de internação e também atendem na Emergência.
Sobre o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), a Prefeitura de Boa Vista é responsável por prescrever e encaminhar a solicitação à Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC), em Brasília, que é responsável pelo encaminhamento do paciente ao Hospital de destino. (J.B)