FABRÍCIO ARAÚJO
Colaborador da Folha
Com a intensa imigração dos últimos anos, muitas crianças da Venezuela estão entrando no Brasil sem documentação alguma, pois o país, em alguns locais, não está expedindo certidões de nascimento por falta de material e o restante da identificação só começa a ser feito a partir dos dez anos de idade. Para ter direito à educação, saúde, segurança e refúgio no Brasil, estas crianças precisam passar por um processo de regularização.
A Polícia Federal (PF) era o órgão que mais recebia crianças e adolescentes imigrantes, mas por não ser o local específico para lidar com a situação, em junho de 2017 a Vara da Infância e Juventude fechou uma parceria com PF para ter um posto de atendimento dentro do prédio federal.
“Então, a demanda foi surgindo e dezenas de pessoas sendo atendidas. Metade delas eram crianças e adolescentes. Em vez de dizer para trazerem para a vara, porque elas não têm dinheiro, não têm bicicleta, não sabem andar de ônibus, resolvemos que vamos levar um técnico para lá”, relatou a chefe da Divisão de Proteção da Vara da Infância e Juventude, Lorrane Costa.
O principal procedimento realizado é o de guarda judicial. Uma parte destas crianças chega acompanhada dos pais ou de parentes, como tios ou avós, e como não há uma documentação que estabeleça este laço, é preciso realizar o processo de guarda legal. Para isso, a Vara da Infância fechou um acordo com a Defensoria Pública para agilizar o procedimento.
“E como são ações simples, nós já temos um acordo com a Defensoria que entra com a ação e nós marcamos a audiência de imediato. Já sai com o documento. Porque essas crianças precisam de diversos atendimentos, quando chega da Venezuela, já precisa de um atendimento médico. É o mais importante. E precisa de documentação, então nos esforçamos para dar o máximo de prioridade para crianças que precisam de documentação”, afirmou Lorrane Costa.
O processo de adaptação demora um pouco e juntando isto à falta de informação fez com que a procura pelo serviço fosse baixa em 2017. Foram atendidas 27 famílias e 21 tiveram o processo de guarda deferido. Já em 2018, os números tiveram um grande salto. No total, 308 famílias foram atendidas e encaminhadas, mas somente 149 tiveram o processo de guarda deferido.
“Eles desistiam no meio do caminho porque se mudavam ou porque tinham medo de fazer cadastro. Eles pensam que aqui é como na Venezuela, que vão ser deportados ou extorquidos, e também há a falta de cultura com documentação”, explicou Lorrane.
Apesar do medo, a guarda judicial é necessária para que estas crianças possam ser matriculadas em escolas, tenham acesso à rede de proteção e também recebam atendimento médico.
MUDANÇA DE LOCAL – No último mês, o atendimento registrou um número baixo no posto da Vara da infância e Juventude que havia dentro da Polícia Federal. Por esta razão, o atendimento foi transferido na última quarta-feira, 9, para o Posto de Triagem da Força-Tarefa de Logística Humanitária da Operação Acolhida (Ptrig). E a expectativa é que os atendimentos sejam quintuplicados.
“Então, negociamos com o Exército para colocar um posto lá dentro, transferir, tirar da PF porque a demanda diminuiu e trazer para a Operação Acolhida. Agora, nós temos um posto de atendimento na triagem”, explicou.
Crianças venezuelanas estão chegando sozinhas ao Estado
Além dos casos de crianças que chegam acompanhadas dos pais ou de outros parentes maiores de idade, há também adolescentes que trazem os irmãos menores para fugir da fome, enquanto os pais permanecem na Venezuela tomando conta da própria casa.
“Às vezes, a situação está tão difícil lá que não se pode deixar nenhuma casa vazia que é invadida. Tem a questão da função social da propriedade que já existia antes da crise. Se você não usa, alguém pode ocupar. E o que acontece é que se há um adolescente, os pais mandam vir e trazer os irmãos porque precisam comer e vêm embora, mas são menores de idade ainda”, relatou a chefe da Divisão de Proteção da Vara da Infância e Juventude.
Nestes casos, o atendimento prestado é diferente, pois não há um responsável para ficar com a guarda. Cada uma dessas crianças é abrigada e possui um processo judicial até que se encontre um membro da família.
“O abrigamento é assim. É a institucionalização em um abrigo, como por exemplo, o Pedra Pintada, que é municipal, em que se colocam crianças que têm problemas na família ou que não têm pai nem mãe e ficam ali para conseguir encaixar em uma família”.
O próprio abrigo aciona o conselho tutelar da Venezuela. É feita a busca da família desta criança com o objetivo de reunir pais e filhos novamente. Quando os pais são localizados, duas opções são oferecidas: vir para o Brasil e se estabelecer aqui ou receber os filhos de volta na Venezuela. Mas o comum tem sido encontrar outro parente maior de idade no Brasil mesmo.
“Agora, nós também estamos ajudando a ONU que está trabalhando em um programa de reencontro de famílias. Muitos adultos vinham para conseguir emprego e deixavam as crianças na Venezuela e foram interiorizados. A ONU está trazendo estas crianças para reencontrar seus pais e mães e estamos fazendo as autorizações de viagens também neste posto”, informou Lorrane. (F.A)