Antes velada, a xenofobia em Roraima ultrapassou os limites da injúria e do racismo. Se antes o ódio se manifestava em olhares, em xingamentos pelas redes sociais e em algumas reações mais contidas, agora alguns casos passaram a se concretizar em atos violentos. Mulheres e adolescentes venezuelanas, até mesmo grávidas, estão sendo abusadas sexualmente e espancadas por brasileiros por conta do preconceito.
Somente em uma semana, três casos foram registrados pela polícia e em hospitais de Boa Vista. O primeiro caso ocorreu no fim de semana passado, quando a polícia foi acionada para atender a ocorrência de uma mãe venezuelana que estava sendo agredida e ameaçada de morte por uma mãe brasileira. O caso foi parar na delegacia, mas a suspeita foi liberada.
Outro caso ocorreu na segunda-feira, 11, quando uma adolescente venezuelana, que havia sido contratada para fazer faxina na casa de um homem, foi estuprada por ele. Ela chegou no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth (HMINSN) sozinha, chorando e fez exames para comprovar o abuso. O suspeito não foi encontrado.
O último caso de intolerância foi registrado no bairro Senador Hélio Campos, na zona oeste de Boa Vista. Na noite de quinta-feira, 14, uma venezuelana de 22 anos foi brutalmente espancada por estar trabalhando com o marido como vendedora ambulante.
Segundo a Polícia Militar (PM), enquanto vendiam os produtos de porta em porta, três elementos se aproximaram da venezuelana e a espancaram pelo simples motivo de a mulher ser estrangeira. Havia a suspeita de que ela estaria grávida. Ninguém foi preso.
CRIME – A xenofobia é uma forma de discriminação social que recai na não aceitação de diferentes culturas e nacionalidades. Caracterizada em forma de constrangimento, agressão física e moral ou humilhação. O Código Penal brasileiro assegura punição nesses casos. A Lei n°7.716, de 1989, decreta punição a crimes de ódio em desrespeito à etnia, classe social, religião ou procedência nacional.
Em casos de racismo, injúria racial ou xenofobia, a denúncia deve ser realizada diretamente no departamento policial. Toda delegacia tem o dever de receber denúncias dessa natureza e tomar as devidas providências segundo a lei vigente.
Maioria da população de Roraima veio de outros estados, diz sociólogo
A discriminação por parte de alguns roraimenses contra venezuelanos, segundo o sociólogo Paulo Racoski, se tornou mais forte após o anúncio da Prefeitura de Boa Vista de dar ajuda com aluguel e alimentação aos estrangeiros. “Eu tenho acompanhado essa questão e me causou muita tristeza o fenômeno do argumento após o anúncio do aluguel social, o que trouxe prejuízo à proposta da Prefeitura. Coincidentemente, foi o momento que mais descambou o preconceito e discriminação”, disse.
Conforme o especialista, muitos se esquecem que boa parte da população de Roraima é oriunda de outros estados e, portanto, migrantes como os venezuelanos. “O brasileiro é um contingente enorme de povos de outras regiões do mundo e as pessoas não estão atentas a isso. Não adianta os roraimenses baterem no peito e dizerem que são daqui, porque não são. Em Boa Vista, temos 51% dos moradores não nascidos no território e 90% dos roraimenses vieram de fora”, afirmou.
Para Racoski, a principal maneira de tentar mudar esse quadro seria a conscientização. “Teria que se usar o máximo das redes sociais e das redes de comunicação para fazer uma narrativa da ideia mostrando a essas pessoas que o Brasil é um país da multiplicidade, do diálogo e da aceitação das diferenças. Estamos canalizando a violência contra pessoas que não tem nada a ver com nossos problemas”, explicou.
O sociólogo destacou que, há poucos anos, os roraimenses enxergavam a Venezuela como principal ponto de turismo. “A crise do país deles é de gerenciamento geopolítico, estratégico, militar e econômica, e não vai ser impedido eles de virem para cá que o problema vai ser resolvido. Os brasileiros voltavam com os carros cheios de compras de Santa Elena e ninguém achava ruim”, frisou. (L.G.C)