Cotidiano

Venezuelanos ‘invadem’ comércio em Pacaraima para fazer compras

Foi-se o tempo em que o brasileiros “invadiam” o país vizinho para fazer compras; agora são os venezuelanos que estão vindo para o Brasil

Apesar da desvalorização do bolívar, venezuelanos voltaram a fazer compras no Brasil devido à grande escassez de alimentos, produtos de higiene pessoal e medicamentos. O comércio da cidade de Pacaraima, ao norte do Estado, na fronteira com a Venezuela, que por muitos anos sofreu com a queda das vendas em consequência da perda do poder aquisitivo dos venezuelanos, cresceu em até 90% no último mês.

Comércios que estavam fechados há anos reabriram as portas, atendendo à grande demanda do país vizinho. Arroz, farinha de trigo, creme dental, sabão em barra, sabonete e todo tipo de remédios são os produtos mais procurados. Pneus, que por muito anos foram comprados por brasileiros em Santa Elena, agora são vendidos até nas calçadas de Pacaraima para venezuelanos que vêm de todas as regiões do país.

Mesmo com a maior cotação do bolívar, no câmbio negro, já vista em relação ao real, 300 Bs para R$ 1,00, os venezuelanos enchem as ruas da pequena cidade brasileira em busca de produtos que há meses sumiram do país. Até pouco tempo atrás eram os brasileiros que compravam esses produtos em Santa Elena, por serem mais baratos. Várias famílias viajavam de Boa Vista à cidade fronteiriça em busca de economia.

Agora a escassez obrigou a população do país vizinho a pagar mais caro no Brasil e, em alguns casos, até o mesmo preço, já que o pouco que ainda se encontra é vendido pelos “bachaqueros”, como são chamadas as pessoas que fazem o comércio formiga na Venezuela, por preços exorbitantes para a realidade socioeconômica da Venezuela.

“As pessoas podem até ter dinheiro no bolso, mas não encontram o que comprar. Minha filha já chegou a ficar até dois dias em uma fila para comprar uma latinha de leite para meu neto”, comentou o aposentado Ramón Rodriguez, que veio de Upata, a 600 quilômetros da fronteira, para comprar alimentos básicos que serão divididos entre os parentes.

O empresário José Gonzalez, do ramo de gêneros alimentícios, afirmou que, no mês passado, as vendas quase dobraram. Também destacou que foi necessário contratar dois funcionários e provavelmente precisará de mais. “Estou esperando até dia 20, pois dizem que a fronteira vai ser fechada pelo presidente da Venezuela. Se não acontecer, vou contratar mais três vendedores”, ressaltou.

“Nós estamos muito satisfeitos porque estamos vendendo bastante, mas ao mesmo tempo sentimos tristeza porque sabemos que os venezuelanos estão aqui por necessidade. Muitos deles não têm condições e compram mais é alimento porque lá não tem nada”, explicou o vendedor Ismael Feliciano da Cruz, que lembra, com saudades, da época em que vendia de tudo para os venezuelanos, pois o dinheiro deles rendia no Brasil.

Feliciano afirmou que ninguém vende outras coisas: somente pneu, bateria de carro e alimentos. “Mesmo com o câmbio alto, estamos vendendo muito. Todo mundo se adaptou à nova demanda. Aqui era uma sapataria, mas o dono viu a necessidade do mercado e mudou de ramo. Primeiro pneu, e agora vende também gêneros alimentícios”.

Venezuelanos atravessam o país para fazer compras

“Meu sobrinho de 2 anos sempre pergunta por que não servimos mais arroz na hora do almoço para ele, uma vez até chorou porque não tinha”, afirmou a professora Maria Buchual, que veio para comprar pneu e também está levando um fardo de arroz, açúcar e trigo para dividir com a família.

Jean Carlos Correas disse que faz tempo que tem escassez no país, mas há quatros meses não encontra nada em Ciudad Bolívar, capital do estado, distante 800 quilômetros do Brasil. “Levarei para o consumo próprio o que mais puder. Tenho que ter suficiente para que não falte em casa. Tenho mulher e duas filhas e também ajudo minha mãe. Achei bons os preços aqui”, destacou.

O colombiano Carlos Solano mora na Venezuela há dez anos e disse que a situação está péssima, e retornando ao país natal perderia muito dinheiro no câmbio. “Eu penso em voltar ao meu país, mas se vender tudo que tenho, não consigo comprar quase nada na Colômbia devido à desvalorização do bolívar”, explicou o comerciante que comprou vários fardos de comida em Pacaraima.

Inflação chegou a 700% no governo de Nicolás Maduro

A inflação na Venezuela nos últimos meses ultrapassou os 700%, gerando uma alta nos preços que, em muitos casos, ficaram iguais aos do Brasil ou até mais caros. Segundo uma pesquisa realizada pela empresa Datanálisis, no mês de maio deste ano, a escassez de produtos básicos superou os 80%.

A combinação de escassez e inflação está obrigando muitos venezuelanos a imigrarem e vêm aumentando os índices de violência, assaltos e até saqueios nas principais cidades. Outra consequência é que os preços de produtos regulados, que deveriam estar disponíveis em todos os supermercados, são vendidos no mercado negro, onde os preços superam até 100 vezes o valor regulado pelo governo de Nicolás Maduro.

A maioria dos venezuelanos acha que a atual crise é de responsabilidade do governo. De acordo com a pesquisa, 86% dos consultados culpa o presidente pela situação do país. Nicolás Maduro alega que existe uma conspiração de empresários que chama de “guerra económica”, fato que se juntou à baixa dos preços do petróleo e à falta de produção interna de alimentos, gerando a atual crise.

Preços de alimentos chegam a ser mais baratos no Brasil

Os alimentos que estão em falta no país vizinho acabam sendo mais baratos no Brasil. De acordo com a professora Yubeidis Yanez, um quilo de açúcar em Ciudad Bolívar pode custar até 3 mil bolívares, R$ 10,00 no câmbio negro atual. Em Pacaraima, é vendido em média por R$ 3,00.

“Estou levando um fardo de açúcar e um de trigo, pois faço sorvete caseiro e bolo para vender em casa para ganhar um pouco mais de dinheiro”, contou a profissional cuja remuneração é de um salário mínimo, 11 mil bolívares, em torno de R$ 40,00.

O arroz, quando encontrado nas cidades venezuelanas, chega a custar 2.500 bolívares, aproximadamente R$ 8,00. Esses preços estão atraindo milhares de Venezuelanos até Pacaraima e Boa vista para fazer compras, tanto para o consumo próprio quanto para a comercialização.