Nas vilas ribeirinhas do rio Jatapuzinho, no município de Caroebe, em Roraima, a energia elétrica é um luxo que dura cerca de seis horas por dia. Nos arredores da Vila de Samaúma, na cidade de Mucajaí (RR), o privilégio de ligar a luz só está disponível por dez horas. Depois disso, o que resta é o breu.
A realidade desses municípios expõe a precariedade dos serviços de energia na região e o quanto estes ainda precisam avançar pelo interior de Roraima. Das 82 localidades do Estado isoladas do sistema elétrico nacional, conforme levantamento do início deste ano, 68 não têm acesso à energia durante 24 horas por dia. O abastecimento nesses locais oscila entre 5 horas e 20 horas, no máximo, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O ONS garante que, em 2020, o atendimento 24 horas, todos os dias, será uma realidade para todos os locais isolados do País, com exceção de Roraima, que ainda vai ficar na fila por uma solução definitiva. “Essa situação envolve, normalmente, comunidades indígenas e ribeirinhas. É uma realidade dinâmica, que vai mudando conforme o adensamento local”, comenta Gustavo Pires da Ponte, consultor técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A distribuidora Roraima Energia, responsável pelo abastecimento no Estado, diz que vai fazer sua parte. Rodrigo Moreira, diretor técnico e comercial da concessionária, afirma que, nos próximos dois anos, todas as localidades isoladas de Roraima terão suprimento 24 horas por dia, seja por meio de interligação com o sistema nacional, seja pela instalação de novas fontes de geração híbrida, o que incluirá o uso de painéis solares e baterias, entre outras fontes de energia.
“Hoje, não são mais 82 localidades isoladas, mas 74 localidades. Estamos trabalhando para reduzir essa situação. Eu acredito que, já em 2020, devemos atender a mais 40 localidades. As demais serão atendidas até 2021”, comentou Moreira.
A prioridade do governo federal, no momento, é garantir a ligação de Boa Vista com o sistema interligado nacional. Em 2012, a construção da linha de 750 quilômetros de extensão, até Manaus (AM) foi leiloada, com a previsão de que a obra estivesse pronta em 2015. Sete anos depois, porém, nada foi executado, por causa de um emaranhado de obstáculos socioambientais e deficiências nos estudos de licenciamento apresentados pela concessionária que venceu o leilão. Até o momento, o governo não tem uma solução para o imbróglio. A linha segue sem data para ficar pronta.
Velas. O sistema que não garante energia elétrica nas 24 horas do dia afeta o dia a dia tanto das pessoas que vivem na capital de Roraima, Boa Vista, como as das cidade do interior.
Caracaraí, a cerca de 140 quilômetros da capital, tem acesso a energia elétrica por cerca de 18 horas por dia. Mas, em algumas localidades da região, é até por menos tempo.
A prefeita de Caracaraí, Socorro Guerra (Pros), afirma que até a própria gestão precisa se virar para manter ofertas simples de serviço, como a entrega da merenda escolar e vacinação. “Toda região do Baixo Rio Branco não tem energia 24 horas (consecutivas). Em alguns lugares, são até 12 horas por dia. O grande problema é que as comunidades ficam sem acesso à internet, sem climatização nas casas e escolas, com a perda de produtos alimentares que precisam de congelamento”, explica.
Na região da Vila Xixuaú, no município de Rorainópolis, região sul do Estado e distante cerca de 300 quilômetros da capital, a oferta de energia é de apenas 12 horas por dia.
A servidora pública Claudete Cordeiro, de 35 anos, mora em Rorainópolis há cerca de quatro anos e, desde então, teve de mudar alguns dos seus hábitos, como separar parte do rendimento para aquisição de velas, fósforos, lanternas e pilhas.
“Atualmente, temos constantes quedas de energia e isso nos prejudica bastante. Desde eletrodomésticos que queimam até nossos produtos alimentares, que estragam. Tudo isso acarreta prejuízos que muitas vezes não temos como sermos ressarcidos, infelizmente. A única coisa que podemos fazer é aguardar e tentar iluminar a casa com velas e lanternas.”
*Com informações: André Borges e Paola Carvalho, especial para O Estado