Economia

PF mira compra de ouro yanomami por grupo que movimentou R$ 16 bilhões

Investigadores suspeitam que empresário use um garimpo nas proximidades de Itaituba, no Pará, para “esquentar” minério retirado de território yanomami. 

A Polícia Federal mira o comércio ilegal de ouro extraído de terras indígenas, segundo os autos de um inquérito sobre a atuação ilegal de mineradoras na região Norte do país.

Investigadores suspeitam que empresários usem um garimpo nas proximidades de Itaituba, no Pará, para “esquentar” minério retirado de território yanomami. 

A apuração é parte das três operações deflagradas no início do mês contra a mineradora Gana Gold, atual M.M.Gold. 

O grupo é suspeito de burlar os limites de uma licença concedida pela administração pública em 2020. De posse de um documento que permitia apenas a realização de pesquisas sobre a existência de minério no terreno, eles teriam extraído toneladas de ouro ilegalmente.

No total, a PF estima que as empresas envolvidas no caso movimentaram cerca de R$ 16 bilhões entre 2019 e 2021.

OURO YANOMAMI

No caso do ouro proveniente da terra yanomami, em Roraima, a suspeita da PF começou após a análise das transações relacionadas ao grupo econômico liderado por Macedo e Zoboli. As informações financeiras mostram uma relação entre a Gana Gold e um empresário de Roraima que tem ligação direta ao garimpo.

Ele é suspeito de comandar a operação logística que garante a exploração ilegal de ouro na terra yanomami. Como mostrou a reportagem da Folha de São Paulo, o grupo liderado por ele movimentou R$ 200 milhões em dois anos.
    
O suspeito é pré-candidato e coordena um movimento de garimpeiros em Roraima. No período analisado pelos investigadores foram mapeados ao menos R$ 2 milhões em transferências da Gana Gold para este empresário.

Além dessas transações diretas entre eles, a PF também encontrou 46 transferências da empresa para GG Travassos que, por sua vez, repassou valores a uma empresa de taxi aéreo que tem o empresário entre os donos e é uma das empresas que mantêm contratos milionários assinados com o governo federal. Entre 2016 e 2018, a empresa recebeu R$ 29,1 milhões dos cofres da União.

Outras duas empresas do mesmo empresário, receberam R$ 39,5 milhões do governo federal desde 2014. A maior fatia —R$ 23,5 milhões— no governo Bolsonaro.

Além das transações com as empresas do roraimense, a PF também recebeu informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre as transações da Gana Gold com firmas sediadas em Roraima, onde fica a terra indígena yanomami. No total, diz a PF, esses repasses somam R$ 18,9 milhões.

A Defesa

O advogado Arthur Mendonça Vargas Junior, responsável pela defesa da Gana Gold, disse que analisa as informações do inquérito e que se manifestará ao término da apuração policial.

Como funciona a Operação

A operação para “esquentar” ouro, como o que teria origem na terra yanomami, funciona da seguinte forma: autorizada pelo poder público a explorar determinada área, a empresa passa a minerar em garimpos clandestinos ou locais proibidos, incluindo terras indígenas.

O ouro extraído ilegalmente desses locais não permitidos é declarado à ANM (Agência Nacional de Mineração), órgão regulador do setor, como se fosse de área autorizada.

A declaração sobre a quantidade extraída dificilmente é submetida a algum tipo de controle ou fiscalização e, com isso, a origem ilícita é camuflada.

Para reforçar a aparência de legalidade, a empresa realiza inclusive o recolhimento da parcela da CFEM, uma contraprestação paga pela mineradora à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.

No final da operação, o ouro é inserido na economia formal. Os investigadores se referem a essa operação como “esquentamento” do minério.

Material analisado veio de terra yanomami

De acordo com os autos da Operação Ganância, os indícios de que isso pode ter ocorrido surgiram a partir da análise da quantidade de metal comercializado pela empresa e declarado como de origem no garimpo no Pará.

A Gana Gold tinha previsão inicial de retirar 96 quilos por ano do garimpo próximo a Itaituba, segundo a guia de utilização emitida pela ANM.

Em um ano e cinco meses, entre 2020 e 2021, a produção deveria ser de aproximadamente 161 quilos. A empresa registrou comércio de um total de quatro toneladas (2.380% a mais).

“Existe intensa atividade no local que claramente supera a de mera pesquisa, havendo inclusive movimentação expressiva de caminhões”, afirmou a PF no inquérito.

Mata Devastada

Para ilustrar a suspeitas levantadas contra o grupo empresarial, a PF anexou aos autos fotos aéreas de uma área de aproximadamente 192 hectares.

Imagens mostram trechos de mata devastada. Na área foram construídos barracos, galpões e outras estruturas utilizadas para exploração do local. O registro fotográfico revela também a existência de um lago de rejeitos, outro indício da atividade exploratória.

A polícia estima em R$ 300 milhões o impacto ambiental causado pela atuação do grupo suspeito na região de Itaituba, considerando o desmatamento, assoreamento de cursos d’água e contaminação por mercúrio.

O dinheiro obtido com a venda do ouro, segundo os investigadores, era lavado em uma rede de padarias, investimento em criptomoedas, imóveis de luxo, caminhonetes e aeronaves.

Um dos suspeitos, o empresário Márcio Macedo, sócio da Gana Gold, esbanjava uma vida de luxo.

Informações colhidas pela PF revelaram movimentações milionárias em suas contas e gastos com helicópteros, lanchas, caminhonete importada e uma festa de casamento embalada ao som de duplas sertanejas famosas.

Relatório da PF expõe a movimentação financeira de Macedo e de seu grupo empresarial e mostra que, entre os anos de 2020 e 2021, a exploração ilegal de ouro rendeu cerca de R$ 1,1 bilhão ao investigado.

Ouro esquentado

A empresa obtém título que autoriza pesquisa ou extração do minério em determinada área
O titular da autorização passa a minerar em garimpos clandestinos ou locais proibidos (terras indígenas, por exemplo)
O ouro extraído ilegalmente de locais não autorizados é declarado à Agência Nacional de Mineração, órgão regulador do setor, como se fosse da área permitida
A declaração sobre a quantidade extraída dificilmente é submetida a algum tipo de controle ou fiscalização e, com isso, camufla a origem ilícita
Para reforçar a aparência de legalidade, a empresa realiza inclusive o recolhimento da parcela do CFEM (compensação financeira pela exploração de recursos minerais)
O ouro é inserido na economia formal

Exemplo de esquentamento apontado pela PF na Operação Ganância

A Gana Gold tinha previsão inicial de retirar 96 quilos de uma determinada área no Pará, segundo a guia de utilização emitida pelo poder público
Em um ano e cinco meses, a produção deveria ser de aproximadamente 161 quilos
A empresa registrou comércio de um total de quatro toneladas (2.380% a mais)

COMO OS ALVOS DA PF LAVAVAM O DINHEIRO

Investimento em criptomoedas
Imóveis de luxo
Caminhonetes importadas
Aeronaves
Rede de padarias
Empresa setor saúde

Fonte: Folha de São Paulo