Fanatismo afasta debate e leva ódio para o pleito

Ambientes virtuais se tornaram propícios para a construção da imagem de político ideal

FABRÍCIO ARAÚJO

Colaborador da Folha

O fã é alguém que projeta em outra pessoa características que sente falta em si mesmo ou características pelas quais sente uma profunda admiração. É comum e facilmente aceitável que todos tenham um ídolo na música, na atuação e no esporte, mas o quanto é saudável ser fã de um político, uma figura pública com status de servidor público?

“No Brasil, nos últimos anos, ocorreu uma polarização do que é um político ideal por conta dos escândalos de corrupção. Isso em termos psicológicos gerou uma desilusão muito grande nas pessoas, ou seja, esses valores que são projetados no ídolo foram esvaziados, é como se um recipiente estivesse vazio e aberto para receber algo novo”, disse o psicólogo Alberto Cruz.

Para o cientista político Roberto Ramos, os políticos precisam ser visualizados pela ótica da responsabilidade de seus atos, portanto o correto é ser fã de atitudes, como o compromisso com a ética, mas não pela imagem carismática que possam apresentar. “Todo tipo de fanatismo é nocivo, não vejo como algo positivo e, sobretudo, no campo da política. Embora haja um componente emocional na política, deve ser feita com razão, os atos políticos são atos de responsabilidade baseados na razão”, explicou Roberto Ramos.

Redes sociais são ambientes propícios à idealização

O psicólogo Alberto Cruz atribuiu a criação de políticos ideais às redes sociais, pois considera que o ambiente é propício para a construção de imagens idealizadas para serem admiradas. “Cada lado encheu de virtudes as pessoas que eram candidatos do seu lado e, na verdade, como qualquer ídolo, esses candidatos têm as suas falhas e não só virtudes”, frisou.

O mesmo ambiente citado como propício para a construção de imagens é descrito pelo psicólogo como um lugar em que cada pessoa projeta a si mesma e, por tanto, todos desejam estarem corretos. “Junte a vontade de estar certo com a paixão por um ídolo e o resultado é a falta de conversa entre lados opostos, como se automaticamente toda crítica fosse repelida independente de apresentar provas ou não. Quando se está apaixonado por uma pessoa e alguém fala dos defeitos, a reação é de desinteresse, de não ouvir o que é dito, de querer saber das qualidades porque é um objeto de paixão e precisa ser perfeito. Não vai haver diálogo”, pontuou Cruz.

Roberto Ramos disse que se trata de uma mudança das tradicionais militâncias que estavam nas ruas, trabalhando conscientização e que agora o debate se faz pelas redes sociais, mas com um vácuo no diálogo. “É um deslocamento da militância de rua, com um trabalho de conscientização, no contato face-face para a condição das redes sociais, em que pode se expressar sem nenhuma contestação imediata e o diálogo não ocorre no mesmo instante, se joga uma opinião e pode receber aplausos ou críticas posteriormente, mas a construção do discurso se faz sem que haja outra pessoa”, explicou o cientista político.

“As pessoas se acostumaram a ter a visão das redes sociais como ideal e agora elas veem outras pessoas atacando fortemente o que elas veem como ideal, é como se atacassem elas ali, quando as pessoas falam dos candidatos, elas estão falando delas e elas querem que aquilo seja perfeito, elas querem ser perfeitas dentro daquele ambiente virtual”, completou Alberto Cruz sobre os debates virtuais.

Para o psicólogo, é necessário traçar um paralelo entre as idolatrias comuns e o fanatismo político. “Porque trata do destino do país, o destino das pessoas, as pessoas precisam refletir sobre os valores que elas querem”, disse. “As pessoas que brigam pelos políticos hoje estão no mesmo nível de discussão dos que brigam pelo Cristiano Ronaldo e o Messi”, finalizou.

Eleitores projetam desejos sem se aprofundar em propostas

A Folha foi às ruas para conversar com as pessoas sobre as razões para escolhas de seus candidatos. Poucas conheciam as propostas de seus candidatos, mas todos projetavam desejos próprios nas falas dos políticos, como o desejo por mais segurança, a defesa do modelo tradicional de família e o revezamento de partido no governo, mesmo com o descrédito de mudança independente de quem ganhe as eleições. Outro ponto interessante é que grande parte dos entrevistados conheceu o candidato escolhido por meio de conversa com amigos ou por aplicativos de mensagens e redes sociais.

“Todo tipo de fanatismo é nocivo”, avalia o cientista político Roberto Ramos (Foto: Arquivo/Folha BV)

“Eu conheci ele e as propostas pelo WhatsApp. Me identifiquei pela proposta de segurança porque acho que haverá uma melhora muito grande”, disse Solange Santos quando questionada sobre como conheceu o candidato escolhido e porque confiará seu voto à ele.

Já o estudante Alexander Filho conheceu seu candidato através de conversa com os amigos. “Muitas propostas que ele apresentou são coisas que estamos precisando, como a segurança. Apesar de não ser o ideal, o vejo como o menos pior. O adversário dele é de um partido que já está há muito tempo no poder e em todo esse tempo o país sofreu muito com miséria, inflação e a economia”, citou.

Gideon Negreiros confiará seu voto apostando na imagem de ética que deposita na profissão exercida pelo seu candidato antes de se tornar um político. “Conheci através da televisão, me identifiquei pelas propostas que são boas, o que ele procura para a nossa nação é ótimo e tudo que ele põe em pauta é o que os brasileiros estão passando”, analisou.