O enfrentamento ao crime organizado na Amazônia precisa estar nos planos dos candidatos a presidente da República. Oito em cada dez eleitores esperam do próximo mandatário medidas urgentes de combate à violência na região, que cresceu em ritmo bem superior à média do país, segundo o último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os presidenciáveis, para 81% dos eleitores, devem também ter a proteção da Floresta Amazônica entre suas prioridades.
Os resultados são de uma pesquisa encomendada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) ao PoderData e feita junto a 3 mil eleitores de todo o País entre 28 e 30 de julho. Para a maioria (65%), o governo federal não está trabalhando para combater a grilagem, o tráfico de drogas, a exploração ilegal de madeira e outros crimes na Amazônia. Só 17% acham que o presidente Jair Bolsonaro (PL) trabalha para conter as práticas criminosas.
Tráfico, grilagem e garimpo ilegal
O tráfico de drogas foi apontado por 39% dos eleitores como o crime que mais prejudica a floresta e suas populações. Em seguida, aparecem a grilagem de terras, com 17%, e o garimpo ilegal, com 13%. A corrupção (9%), a exploração ilegal de madeira (8%) e o tráfico de animais (4%) também foram destacados. As perguntas sobre violência foram incluídas na série de pesquisas após os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, que tiveram repercussão mundial.
A pior avaliação do desempenho do governo no combate à violência na Amazônia foi detectada exatamente na região Norte: 69% disseram que o governo não está trabalhando para combater crimes na região, contra apenas 9% de avaliação positiva. Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a percepção da maioria, especialmente dos moradores da Amazônia, é de que o Estado brasileiro está sem o controle da região, sem conseguir controlar a criminalidade. A população sente na pele.
Violência letal maior na Amazônia
A edição 2022 do Anuário do Fórum, informa Lima, apontou que a violência letal da Amazônia foi 38% superior às demais regiões. “São mais de 20 organizações criminosas regionais e duas nacionais disputando as rotas de armas e drogas”, destaca Renato. “Qualquer projeto de desenvolvimento para a Amazônia deve considerar a necessidade de recuperar os territórios das mãos das facções e milícias, prevenir a violência e enfrentar o crime, o que, para a população, não está sendo feito pelo governo. Assim, não há investimento socioambiental que dê conta”, acrescentou.
A pesquisa detectou também um aumento dos que querem ver a proteção da Amazônia entre as prioridades dos candidatos a presidente da República. No levantamento anterior, de 3 a 5 de junho, o índice era de 76%, e agora chegou a 81%. A maior parcela, 49%, considerou ruim ou péssima a atuação do governo federal na proteção da Floresta, um ponto percentual a mais do que na pesquisa anterior. O índice dos que consideram essa atuação ótima ou boa caiu de 19% para 15%. No Norte, o governo tem o menor índice de ótimo e bom na proteção da floresta, apenas 7%, e o maior índice de ruim e péssimo: 45%.
Imagem do Brasil no exterior
Cresceu também, em relação à pesquisa anterior, o índice dos que acham a preservação da floresta “muito importante” para a imagem do Brasil no exterior: de 41% para 44%. Foram de 25% para 29% os que consideram “mais ou menos importante”. O “pouco importante” se manteve em 12%, e o “não tem importância” oscilou de 9% para 8%.
O eleitor também foi consultado sobre a relação entre a preservação da floresta e a questão da fome no Brasil: 62% acham que a proteção da floresta pode ter um impacto positivo no combate à fome, enquanto 15% consideram que essa proteção impacta negativamente.
A maioria dos entrevistados, 65%, considerou que a proteção da Amazônia é importante para o desenvolvimento econômico do Brasil, contra 19% que não a consideram importante. Três pensamentos foram apresentados aos entrevistados. O mais votado, por 64%, diz que “o desenvolvimento do Brasil depende da proteção da Amazônia”. Em seguida, com 21%, aparece a frase “para o Brasil se desenvolver, proteger a Amazônia não é uma prioridade”. A menos cotada, com 5% das respostas, diz que “o Brasil consegue se desenvolver mesmo sem proteger a Amazônia”.
Fracasso do modelo de desenvolvimento
Para Marilene Corrêa, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp e coordenadora do Laboratório de Estudos Interdisciplinares da Amazônia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a pesquisa enterra a ilusão de que a Amazônia poderia copiar os modelos de industrialização, urbanização e agricultura intensiva de outras regiões do País.
“Esses modelos fracassaram aqui na Amazônia por incompreensão da relação entre natureza e cultura. As cidades se tornaram precárias, e a transformação da floresta em pasto não gerou empregabilidade. Esses modelos fracassados ampliaram a agressão aos povos da Amazônia, as principais vítimas da desigualdade e da violência”, disse.
“Todos sabem que pecuária, garimpo, soja, contaminação dos rios, tudo isso agride e não se torna fonte de desenvolvimento. Após tantas frustrações, a proteção da floresta precisa se impor à agenda do desenvolvimento, com aproveitamento inteligente dos recursos naturais”, diz Marilene.
Ela também ressalta a preocupação com o crescimento do crime. O modelo predador e a falta de mecanismos de comando e controle, segundo a especialista, “estimularam as forças primitivas de acumulação de riqueza, que não usam a tecnologia nem a sabedoria tradicional, só a força para saquear e matar”.
A região passou por várias ondas de violência contra as populações, lembra a pesquisadora, e agora vive a onda do narcotráfico e do crime enraizado no garimpo e na extração de madeira. “A Amazônia poderia ser um enorme laboratório de desenvolvimento sustentável, com três grandes focos de riqueza: água, floresta e alimentos. Temos muitos peixes e fontes inesgotáveis de riquezas como fungos, enzimas, extratos à espera de programas científicos de longo alcance que movimentem a bioeconomia, a bioindústria e a biotecnologia.”