FUTEBOL

Escolinha gratuita que revelou jogador da Série B vive de doações e sonha em ser clube

Há 14 anos, ex-jogador do São Raimundo mantém projeto social sem patrocínio fixo. Realidade do espaço não é empecilho para atletas sonharem grande

O atacante Jackson William Vieira, da escolinha Olimpic de Grillon (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)
O atacante Jackson William Vieira, da escolinha Olimpic de Grillon (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

Em uma área institucional de 40×30 metros, no bairro Liberdade, zona Oeste de Boa Vista, cerca de 60 atletas treinam para alimentar o sonho de, futuramente, vestir a camisa de grandes clubes, como Flamengo e Real Madrid. A realidade do espaço, protegido por grades e redes, não é empecilho para isso: bolas e uniformes singelos, traves tortas com redes furadas, campo de areia rodeado de gramas sem manutenção e sistema de irrigação praticamente manual.

“Sonho dar uma melhor condição de vida pra minha mãe, minha família, pra mim”, revela o estudante Davi Marcelo Sarmento Magalhães, 12, que apesar de goleiro, se inspira na dedicação do astro Cristiano Ronaldo.

Goleiro Davi Marcelo Sarmento Magalhães, do Olimpic de Grillon, faz boa defesa em treino da escolinha (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

“Meu sonho é jogar no Flamengo, no Real Madrid”, afirma o estudante Jackson William Vieira, 13, atacante da escolinha conhecido por ser inteligente dentro de campo. “Quero ganhar a Champions League, a Copa do Rei”, diz o estudante Wesley Freitas de Lima, 13, lateral direito que é fã dos atacantes do Real Madrid, Vinicius Júnior e Rodrygo.

Idealizador do projeto social Olimpic de Grillon Futebol Clube, o auxiliar administrativo Márcio André Cassiano dos Santos Thury, 39, diz cobrar apenas um valor simbólico pelo uniforme. “Eles pagam conforme podem pagar: R$ 10, R$ 20, R$ 30”, explicou.

Todo o material disponível é custeado por Márcio Grilo, como ele é conhecido. Eventualmente, o ex-jogador recebe doações de pais dos atletas, de amigos pessoais e arrecada dinheiro com as rifas que organiza. É o sonho dessas crianças de nove a 17 anos que o anima a ensiná-los, de segunda a sábado, os fundamentos do futebol, conhecimentos adquiridos na época em que jogava profissionalmente.

Paixão pelo futebol

Time perfilado do São Raimundo, com destaque para o então jogador Márcio Grilo (Foto: Arquivo pessoal)

Revelado pelo São Raimundo, Márcio Grilo foi tricampeão roraimense pelo Mundão e encerrou a carreira no Náutico. Antes de pendurar as chuteiras, ele já planejava o que fazer depois de parar. “Foi aí que comecei a fazer uma equipe de futebol, através de um cunhado meu e amigos que queriam formar um time”, lembra o líder do projeto, que ainda conciliava o futebol com o emprego de assistente administrativo terceirizado.

Idealizador do projeto social Olimpic de Grillon, o auxiliar administrativo Márcio André Cassiano dos Santos Thury, o Márcio Grilo (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

Em 2010, ele decidiu abrir a escolinha gratuita, ainda sem nome, para jovens de 13 e 14 anos, em uma área institucional com chão de terra no bairro Caimbé, também na zona Oeste. “Tinha uma febre de muita escolinha paga. Foi aí que a carência de ter uma escolinha gratuita”, lembra.

Grilo logo foi convidado a colocar o time em competições e buscou patrocínio para financiar o projeto social com uniformes, bolas e outros artigos esportivos. Sua ideia era batizar a equipe pelo nome do patrocinador da ideia, caso o conseguisse. Mas como não conseguiu, a escolinha passou a se chamar de Olimpic de Grillon.

Lateral Kaio Cristian em atuação pela escolinha Olimpic de Grillon na época em que treinava no campo do Caimbé (Foto: Arquivo pessoal)

O nome, segundo o ex-jogador, tem a ver com o próprio apelido Grilo (pelo porte franzino que tinha quando mais jovem), o nome do navio irmão de Titanic, o Olimpic (que nunca afundou), e o clube Olympique Lyon, heptacampeão francês. “O Lyon estava numa fase que ganhava muitos títulos na França. Peguei esse nome, juntei com o meu apelido Grilo e falei: ‘vai ser Olimpic de Grillon’. O nome pegou e o pessoal gostou”, lembrou, rindo.

Escolinha revelou jogador da Série B

Kaio Cristian anunciado pelo Amazonas FC (Foto: Amazonas FC)

O Olimpic de Grillon ensinou futebol a jogadores, como o lateral Kaio Cristian, de 25 anos, – campeão da Série C 2016 com o Boa Esporte (MG) e que hoje defende o Amazonas na Série B. O jogador, na época com 14 anos, já integrava o elenco adulto da escolinha no Peladão da Lifajc (Liga de Futebol Amador Jardim Caranã) e foi eleito a principal revelação do torneio. Sua equipe chegou à semifinal.

“Foi lá que o meu futebol cresceu, desenvolvi, foi minha transição de um garoto pra um futebol de homem. Porque quando eu tinha meus 13 anos, já estava no amador adulto pelo Grillon. Então, vi que realmente meu futebol estava crescendo”, rememora o lateral à Folha.

Lateral Kaio Cristian na época em que jogava na escolinha Olimpic de Grillon (Foto: Arquivo pessoal)

A mesma competição ainda reconheceu o goleiro do Olimpic como o melhor. Atualmente, Katê defende o GAS (Grêmio Atlético Sampaio) no Campeonato Roraimense, é considerado um dos melhores do Estado na posição e já foi convocado para a seleção brasileira de Fut7.

“Eu via que eles seriam jogadores diferenciados por conta da dedicação, do talento deles. Sempre cito eles como exemplos, porque ficava eu e Kaio Cristian batendo bola, chutando do meio-campo. Aí eu, na sorte, acertava na trave, e ele não parava enquanto não empatava comigo, chutando do meio-campo até acertar o travessão. O Katê, do mesmo jeito, não parava enquanto não agarrava um pênalti meu”, lembrou Márcio Grilo.

Mudança de campo

Treino da escolinha Olimpic de Grillon (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

Enquanto disputava a Copa Boa Vista 2014 nas categorias Sub-12 e adulta, o Olimpic de Grillon teve que deixar a área do Caimbé em virtude da iminência da construção de uma obra pública no local – a qual nunca foi iniciada. “Atrapalhou nosso trabalho”, lamenta.

Com isso, o idealizador do projeto transferiu a escolinha para o então abandonado terreno da associação de moradores do bairro Liberdade, onde está até hoje. “O campo tem espaço menor, mas é um pouco mais seguro, porque lá o espaço era aberto”.

Sonho de ser o ‘clube do bairro’

Fachada da escolinha Olimpic de Grillon (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

O líder do projeto social, que hoje é auxiliar administrativo terceirizado, revelou que sonha em transformar o Olimpic de Grillon em um clube profissional que represente o bairro Liberdade, ganhe visibilidade e reconhecimento até para facilitar o envio de jogadores para fora do Estado. Mas para isso, depende de patrocinadores que acreditem na ideia. “A gente precisa de uma identidade, de um clube do bairro pra vizinho nos abraçar e ajudar”, pontuou.

“Quero transformá-lo num clube profissional, porque a gente e consegue uma visibilidade maior. As equipes profissionais aqui são meio amadoras. Só trabalham com categoria de base quando tem uma competição. O resto do ano todo é parado”, disse Grilo, excetuando apenas o São Raimundo nas críticas.

Jogadores da escolinha Olimpic de Grillon (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

“Nosso sonho é poder ter um reconhecimento pelo trabalho, porque hoje o futebol é uma profissão. Aqui sou treinador, preparador de goleiro, agueiro, roupeiro, psicológico, gestor, assistente social. Já veio mãe me falar pra eu conversar com atleta que não quer estudar – e só falando comigo resolve. Minha função vai além do futebol”, disse Márcio Grilo.

Como participar

Interessados em ajudar o projeto e participar podem entrar em contato com o (95) 99123-0615. Às segundas, quartas e sextas-feiras, os treinos são realizados com a turma de atletas de sete a 13 anos. Às terças e quintas-feiras, a turma é voltada para alunos de 14 a 17 anos. Aos sábados, o treinamento é destinado aos atletas adultos.