Cotidiano

Apenas 4% dos imigrantes foram interiorizados para outros estados

De 168 mil venezuelanos, apenas um pouco mais de 7 mil foram enviados dentro do processo de interiorização para outras regiões 

O número de imigrantes que chegam a Roraima, vindos do país vizinho Venezuela, é maior do que o número dos que foram interiorizados para outros estados. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) juntamente com a Operação Acolhida contabilizam desde 2015 a entrada de 168 mil venezuelanos ao estado. Desse número, apenas 7.127 imigrantes passaram pelo processo de interiorização para outras regiões do Brasil.

Conforme informações fornecidas pela Polícia Federal em matérias anteriores publicadas pela Folha, cerca de 500 pessoas atravessam todos os dias a fronteira de Santa Helena com Pacaraima fugidos da crise política e humanitária.

O processo de interiorização foi uma das saídas apontada pelo Governo Federal para lidar com o intenso fluxo imigratório no estado. A operação Acolhida, sob orientação da ACNUR, encaminha o imigrante interessado e cadastrado em um banco de dados às opções de interiorização que vão desde institucional, quando é possível encaminhá-lo a abrigos em outras cidades do país por meio de parcerias com instituições civis, reunificação familiar, caso o imigrante disponha de parentes, sendo possível tirá-los do abrigo, até a oferta de emprego após etapas avaliativas.

A interiorização ocorre para 23 estados e 101 cidades. Os maiores números de destino apontam o estado de São Paulo, com 1093, e Amazonas, com 1056, seguidos do Rio Grande do Sul, com 973, Santa Catarina, com 916 e Paraná, que recebeu 517 imigrantes até junho desse ano.

Os imigrantes não podem escolher para onde querem ir, mas podem aceitar ou não viajar com o surgimento de uma vaga. Também é preciso ter documentação e vacinas em dia, além da assinatura de um termo de concessão.

Operação Acolhida nega parada no processo de interiorização


Por mais que ocorra a interiorização, o fluxo migratório cresce em maior proporção e o número de desabrigados tende a aumentar (Foto: Foto Priscilla Torres)

A última interiorização divulgada pela Operação Acolhida foi em fevereiro, quando um total de 226 venezuelanos abrigados em Boa Vista (RR) foram interiorizados para oito cidades brasileiras nos dias 15 e 16.

Nos últimos quatro meses não houve mais registros de divulgação de processos de interiorização em Roraima, apesar do número de venezuelanos entrando no País nunca ter reduzido. 

A Coronel Carla Beatriz, chefe de Comunicação Social da Operação Acolhida, explica que o processo de interiorização não foi interrompido desde abril de 2018 e que as ações continuam ocorrendo.

“O processo de interiorização é muito dinâmico e não há interrupção. Diariamente são interiorizados imigrantes. Empregar essas pessoas em Boa Vista, municípios ou direcioná-los para outras partes do país fazem parte do trabalho” disse.

Carla também explicou que é feito acompanhamento após a partida dos imigrantes de Roraima para outros lugares. “Além do acompanhamento até ao local do destino e entrega à instituição parceira da sociedade civil que irá fazer o acolhimento, é verificado durante meses se estão sendo cumpridos os compromissos assumidos pelos que interiorizam, bem como os indicadores de desempenho que mostram se a ação foi ou não positiva”

De acordo com a Coronel Carla Beatriz, o problema político e social da Venezuela cresce a cada dia e, por mais que ocorra a interiorização, o fluxo imigratório cresce na mesma proporção que as dificuldades em receber essas pessoas em Roraima. 

O deslocamento dos venezuelanos para outros estados surgiu como uma necessidade de diminuir a alta demanda nos serviços públicos de Roraima, dando oportunidade de trabalho e recomeço para os refugiados, mas o perfil do imigrante é diversificado com maior entrada de grupos mais pobres, baixa escolaridade e sem documentos, o que dificulta a interiorização e acaba por lotar os mais de 12 abrigos voltados para acolhimento.

 Carla Beatriz ressaltou que fluxo imigratório cresce na mesma proporção que o problema político-social da Venezuela e que sempre haverá a necessidade de aumento de interiorização, por isso é importante que a sociedade Brasileira, principalmente empresas, igrejas, clubes e sociedade e uma a Força Tarefa para acolher a todos.

“De modo geral, podemos e devemos contribuir, pois só assim alcançaremos resultado positivo. As dificuldades que surgem são ultrapassadas através da utilização da força de trabalho, organização e empenho dos integrantes da Força Tarefa incluindo militares, voluntários, agências humanitárias, órgãos governamentais e demais atores envolvidos em prol do cumprimento da missão”

Socióloga avalia as ações de interiorização dos imigrantes no país

Carla Domingues, Socióloga, avalia a ação de interiorização apenas como um processo de transferência de refugiados. Para ela, o fato de o governo Federal priorizar nos requisitos de participação aqueles com nível superior também existe a insegurança de planejamento que não garante que o imigrante não passará dificuldades em achar um emprego, adaptação do idioma e outras necessidades.

“Existe um livro chamado Vigiar e punir, de Foucault, que trata sobre ‘limpeza social’. Nele o autor diz que pessoas que andavam nas ruas eram encarceradas. Nossas autoridades estão fazendo o mesmo ao transferir o problema para outros estados. O ideal era que o imigrante saísse daqui já com a proposta de um emprego em outro estado e isso nem sempre acontece. Por outro lado, Roraima não suportará por muito mais tempo o fluxo diário de imigrantes. Estamos à beira do colapso na saúde, educação e segurança pública. Não adianta transferir o problema de lugar, há necessidade de resolvê-lo e só quem poderá fazê-lo é o Congresso Nacional”, concluiu.