O venezuelano Moisés, de 10 anos, habituou-se a percorrer as tendas do abrigo temporário para refugiados e migrantes em Boa Vista (RR), onde vive com sua família há um ano, em busca de boas histórias.
Com uma câmera de papelão e um microfone de plástico, ele entrevista pessoas venezuelanas interessadas em contar suas trajetórias, mesmo que o resultado da conversa não seja gravado para a posteridade.
“Pergunto às pessoas como foi sua jornada da Venezuela até o Brasil”, explica o aspirante a repórter. “As responsabilidades de um jornalista são contar as notícias, falar com as pessoas e informar bem.” Leia o relato da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
Bem articulado para uma criança de sua idade, Moisés parece estar no caminho certo para uma carreira no jornalismo.
Ele costuma vasculhar espaços entre as fileiras de tendas do abrigo em busca de possíveis entrevistados, caminhando diretamente até aqueles que lhe agradam.
Na maioria das vezes, as pessoas aceitam seus pedidos de entrevista, e acabam compartilhando suas histórias, muitas vezes comoventes.
A estimativa é de que cerca de 4,6 milhões de refugiados e migrantes da Venezuela estejam fora de seu país. A maioria chegou a outros países da América do Sul, incluindo o Brasil, que recebeu cerca de 224 mil venezuelanos.
Eles deixaram a Venezuela por conta da escassez de alimentos e medicamentos, da hiperinflação galopante, da insegurança generalizada, da perseguição e do colapso dos serviços públicos. A maior parte chega por terra, atravessando a fronteira rumo ao estado amazônico de Roraima.
Moisés e sua família deixaram tudo para trás há mais de um ano, e viajaram de ônibus para o sul de sua cidade natal, El Tigre, até chegar a Pacaraima, cidade brasileira na fronteira entre os dois países.
A família conseguiu viajar de Pacaraima até a capital Boa Vista, onde conseguiram um lugar no abrigo temporário Rondon 3, que recebe apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e de parceiros.
Moisés, sua mãe, avó, irmã de 13 anos e madrinha dividem um pequeno abrigo, dormindo apertados em colchões de espuma.
Desde sua chegada, o menino e seu onipresente microfone tornaram-se figuras frequentes no abrigo. Agora, ele conhece as histórias de muitos de seus vizinhos.
Mas, como qualquer bom jornalista, Moisés escuta mais do que fala e, por isso, tende a manter a própria história para si.
No entanto, sua avó, Nelly, falou um pouco sobre o menino. “Moisés é um garoto muito sensível”, disse, acrescentando que ele sofre de uma forma de autismo que pode ter sido resultado da malária que sua mãe contraiu durante a gravidez, o que a deixou hospitalizada nos primeiros quatro meses de vida da criança.
Após a doença da mãe, Moisés foi morar com o pai, permanecendo na casa dele até ser retirado de lá aos 3 anos de idade, por apresentar sinais de desnutrição e maus-tratos. Seu pai agora vive na Itália e, com sua mãe lutando contra o câncer, vovó Nelly agora é a guardiã legal de Moisés e de sua irmã.
Nelly trabalha duro para garantir que a vida das crianças seja o mais pacífica e alegre possível, considerando as circunstâncias.
“Se Moisés tem um dia difícil na escola, ele volta para casa e me diz que precisa de tempo para que a fumaça saia de sua cabeça”, contou Nelly. “Ele tem uma grande imaginação e uma mente vívida.”
Moisés parece processar suas experiências – e um mundo de pensamentos – por meio de interações mediadas por um microfone de brinquedo e pelas lentes da câmera de papelão.
“Quero me tornar jornalista por causa do que está acontecendo na Venezuela”, disse ele. “Há muita fome. Não há luz”.
*Com informações Acnur