Opinião

Mudanças climáticas: causas, efeitos e desafios

Imagem produzida com auxílio da inteligência artificial
Imagem produzida com auxílio da inteligência artificial

Sebastião Pereira do Nascimento*

Em 2021, uma pesquisa popular realizada em mais de 50 países sobre mudanças climáticas mostrou que quase 70% da população global em diversas faixas etárias acreditam que a crise atual é uma tragédia inequívoca. Por outro lado, contrariando a maioria da população mundial, há algumas pessoas adeptas do ceticismo e do negacionismo – os bobos do universo – que não creem no aquecimento da Terra ou não acreditam que o homem tenha algum tipo de interferência no aumento da temperatura terrestre e suas consequências com as mudanças climáticas, ou seja, indivíduos ignorantes que acreditam que a terra é plana e não acreditam no aquecimento global.

Quando se fala em mudanças climáticas é preciso considerar as diferentes fases geológicas da Terra, por exemplo, os chamados fenômenos glacial e interglacial. O primeiro é o período de resfriamento da Terra, em que densas camadas de gelo recobrem pequenas ou grandes porções de terras e congelam os oceanos em determinadas regiões, agindo mais intensamente nas faixas de latitude mais elevada próxima aos polos terrestres. O segundo é uma fase interglacial que se dá pelo intervalo geológico caracterizado por temperaturas médias mais quentes que separam um período glacial do outro.

Sobre as causas da glaciação, não há uma razão definitiva estabelecida pela ciência, mas é possível que elas ocorram por um conjunto de fatores, e não por um único fenômeno. A teoria mais aceita atualmente, elaborada em 1920 pelo matemático e geofísico Milutin Milankovitch – conhecido por desenvolver uma das teorias mais significativas relacionadas aos movimentos da Terra e as mudanças climáticas –, que afirma que as eras geológicas são motivadas pelas variações nas taxas de radiação solar, uma vez que é essa a principal fonte de calor da Terra, responsável por mais de 90% da energia processada pelo planeta.

De acordo com alguns estudos climatológicos, atualmente vivendo uma era Glacial, afinal, 10% do planeta encontra-se debaixo de gelo, e o seu clímax, isto é, o seu período mais frio, já ocorreu há alguns milhares de anos. Assim, não mais estamos vivendo o apogeu de uma era glacial, e sim num período interglacial – alguns cientistas afirmam que uma nova era glacial se aproxima (com início no período atual), sendo a fase clímax estimada para daqui dois mil anos.

Com essa constatação, abre-se espaço para a seguinte pergunta: se estamos caminhando para uma nova era glacial, o clima terrestre não deveria está cada vez mais frio na medida em que nos aproximamos dessa glaciação? Então, por que motivo o clima global estar cada vez mais quente?  

Segundo o climatologista Carlos Nobre – um dos principais nomes brasileiros pesquisando as mudanças climáticas e um dos autores do Quarto Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que junto com o grupo, recebeu o Prêmio Nobel da Paz por esse trabalho –, as ondas de calor e diversos outros fenômenos climáticos extremos que ocorrem na atualidade, têm relação com a crise climática (provocada pelo homem), que torna esses eventos cada vez mais extremos e mais frequentes.

Munido de argumentos baseados no estudo do clima e da floresta amazônica desde a década de 1980, Carlos Nobre, em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, explica que a formação de ondas de calor e outros fenômenos climáticos extremos tem muito a ver com o fato de que estamos vivendo um El Niño, que está se tornando cada dia mais forte. Esse fenômeno faz com que as frentes frias ficam estacionadas no sul do Brasil, e ali ocorrem tempestades muito severas que causam inundações e desastres naturais que levaram à morte de dezenas de pessoas e outros constituintes da natureza. O especialista reforça dizendo que isso é um fenômeno que acontece há centenas de milhares de anos, mas que com [as abusivas ações humanas] as mudanças climáticas estão fazendo esses eventos se tornarem mais agressivos e mais frequentes. 

O professor Nobre destaca ainda que no mundo inteiro vem acontecendo recordes desses fenômenos climáticos extremos, fato que tem tudo a ver com as mudanças climáticas (aceleradas pelos o seres humanos), tendo o planeta apresentado um aumento de temperatura de 1,2 °C, devendo este ano com o El Niño chegar até 1,3 °C, mais quente. Como exemplo, o professor realça que tivemos os últimos três meses de junho, julho e agosto mais quentes do registro histórico em todo o planeta.

De fato, por mais incrível que pareça, diz Carlos Nobre, se você computar o número de dias frios por ano no planeta, [o aquecimento global] diminui isso. O planeta inteiro está aquecendo. Então, como se explica que na Europa, nos Estados Unidos e aqui na América do Sul, nós tivemos um recorde de frio? 

O próprio cientista responde dizendo que lá no polo norte e no polo sul, sempre existiu o jato polar. Um jato que fica circulando em volta do polo e segura todo aquele ar super frio em cima do polo. Ele não permite que aquele ar saia dali. O aquecimento do Oceano Norte, Oceano Ártico e Oceano Austral [Ártico lá no polo norte, o Austral aqui no polo sul], fez com que o jato, que sempre estava muito circular, começasse a girar como uma senoide. Então, nesse lugar que ele liberou o ar frio, esse ar chega até latitudes médias e, às vezes, até subtropicais. Dois anos atrás, nós tivemos o recorde de frio no Centro-Oeste do Brasil, numa frente fria que veio e trouxe esse ar frio. E aí, o que acontece? Ele gira como se fosse uma senoide. Aí, o ar frio da Antártida vem até a América do Sul. No outro lado da senoide, o ar quente sai das latitudes médias subtropicais e chega até a Antártida.

No mesmo contexto, o professor, enforma que no verão do ano passado, houve o recorde de calor na Antártida. A temperatura chegou a 20 graus, algo que nunca tinha acontecido. Então, por mais que isso seja raro, o número de dias frios no mundo está diminuindo porque o planeta todo está aquecendo, mas essa perturbação nos polos terrestres fez com que o ar frio preso nesses polos encontre espaço para sair e chegar até latitudes médias, às vezes até latitudes subtropicais.

Quando se refere em emissões de gases, Carlos Nobre salienta que os países mais ricos respondem por 80% das emissões históricas, e 10% da população mais rica é responsável por mais de 60% das emissões. Então, se você pegar um continente como a África, mais de um bilhão de habitantes emitiram menos de 4% das emissões globais, mas esses um bilhão de habitantes da África são os que mais sofrem com os extremos climáticos. Então, não há dúvida que os países que mais emitiram gases são [sem dúvida nenhuma] os países mais ricos. 

No caso da floresta amazônica, diz o professor, ela armazena de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono. Então, se nós perdermos a floresta, vamos jogar todo esse carbono na atmosfera, que vai virar no mínimo umas 250 bilhões de toneladas de gás carbônico. Isso torna impossível atingir as metas do Acordo de Paris de 1,5 °C. Só para ter uma ideia, para atingir as metas do Acordo de Paris, o mundo só pode emitir, para sempre, 400 bilhões de toneladas de gás carbônico. E só a Amazônia jogaria 250 bilhões na atmosfera.

Diante dessas estimativas, o cientista, diz que a queima de combustíveis fósseis vai continuar aumentando até 2025, mas o que os países concordaram de fazer era não deixar a temperatura passar de 1,5 °C. Para isso, precisavam reduzir quase 50% das emissões até 2030 e depois zerar as emissões líquidas até 2050. Portanto, nem o Brasil nem os países desenvolvidos estão indo nessa direção. 

No caso do Brasil, por exemplo, 50% das emissões vem do desmatamento na Amazônia e 25% da agricultura. Já em outros países, como a China, mais de 80% das emissões vem proveniente da queima de combustíveis fósseis. Isso mostra que o desafio é enorme. O Brasil, diz o professor, é o quinto maior emissor de gás, mas poderia atingir esses objetivos [do Acordo de Paris] antes da maioria dos países. A política do governo federal e também de alguns governos estaduais, como do Pará, é zerar o desmatamento antes de 2030. 

Nos países amazônicos, os territórios indígenas e as unidades de conservação, que compreendem mais de 50% da floresta, são o que protege a floresta. Por isso os países amazônicos têm que investir muito em restauração florestal Os povos indígenas, comunidades locais, quilombolas e ribeirinhos são os que têm mantido a floresta viva. É muito importante que isso seja expandido. Inclusive, no governo federal atual, já se demarcou novas unidades de conservação e novos territórios indígenas. A amazônia brasileira tem mais de 500 mil km², portanto, tem que tomar muito cuidado para não ser grilada e criar mais territórios indígenas, unidades de conservação e criar sistemas sustentáveis para que populações locais mantenham a floresta viva.

Os sistemas agroflorestais têm bastante valor econômico, como diz Carlos Nobre. O governo tem que investir muito nessa nova bioeconomia para a amazônia, assim como a ideia do governo federal de criar também um pagamento de serviços ambientais. Todas essas populações que mantêm os seus ambientes intactos seriam remuneradas por manter esses serviços ecossistêmicos. Também o mercado de carbono vem crescendo atualmente, e a floresta secundária na amazônia cresce muito rápido e remove gás carbônico da atmosfera, então esse mercado global de carbono pagaria os investimentos que são feitos para a restauração florestal. Por isso que se diz que a amazônia pode contribuir muito para combater a emergência climática, claro que para isso tem que se fazer inicialmente grandes investimentos [não só de capital, mas também de consciência humana].

*Consultor ambiental, zoólogo, filósofo e escritor.