Cotidiano

Abandonada, Casa da Cultura é alvo de intervenção artística

Prédio onde funcionou a primeira residência oficial do Governo de Roraima virou abrigo para usuários de drogas e lixeira a céu aberto

Em meio às ruínas da Casa da Cultura Madre Leotávia Zoller, localizada na Avenida Jaime Brasil, no principal centro comercial de Boa Vista, várias placas com palavras de protesto contra o abandono do prédio foram espalhadas por artistas de rua. O local, que foi a primeira residência oficial do Governo de Roraima, hoje é utilizado por usuários de drogas e moradores de rua, que durante a noite se aproveitam do espaço como abrigo.

No mês passado, cerca de onze artistas que trabalham com artesanato fizeram uma limpeza dentro do prédio da Casa da Cultura. Alguns dias depois, porém, o Governo do Estado colocou tapumes para evitar a entrada de pessoas e esconder a situação de abandono.

A Folha foi até a Casa da Cultura e constatou que, além do lixo, as portas e janelas estão abertas e quebradas, além de a estrutura estar totalmente deteriorada. Em um protesto silencioso contra a colocação dos tapumes, os artistas escreveram frases cobrando providências para a restauração do local. A intervenção cultural foi espalhada por todo o prédio e nas próprias divisórias, com frases como “A Casa não vai cair”, “Cultura ou lixo?”, “Cadê a verba?” e “Casa da Cultura abandonada inaugura hoje”.

Em processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2015, a Casa da Cultura poderá ser transformada em patrimônio histórico oficial. Caso isso ocorra, não poderá sofrer modificações sem autorização.

No início do ano passado, o Governo do Estado informou que para fazer a recuperação do espaço seria preciso elaborar um projeto respeitando uma legislação federal específica para prédios tombados, que seria feito através do próprio Iphan para a reforma ser realizada.

À época, a administração estadual alegou que iria priorizar apenas obras que coubessem no orçamento do Estado, levantadas pela Secretaria de Infraestrutura (Seinf), como a revitalização do auditório do Palácio da Cultura, do Anfiteatro do Parque Anauá e da Galeria de Arte.

O Governo chegou a informar que a Casa da Cultura recebia semanalmente uma equipe para a realização da limpeza, além de capina periódica, bem diferente da realidade em que o local se encontra atualmente. Disse ainda que buscaria adotar medidas o mais breve possível para mudar esta realidade, com a criação de uma comissão mista formada por servidores da Secretaria Estadual de Cultura (Secult) para recuperar o espaço, o que até hoje não ocorreu.

HISTÓRIA – A Casa da Cultura foi construída em 1940 no estilo art déco e já foi sede do Governo do Estado até a construção do Palácio Senador Hélio Campos, na década de 1960. O espaço fica na Avenida Jaime Brasil, onde se localiza o primeiro centro comercial de Boa Vista. O prédio atualmente está abandonado. (L.G.C)

MPRR ingressou com várias ações para restauração do espaço, mas Governo recorreu

Preocupado com a falta de atenção à Casa da Cultura, o Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) afirmou à Folha que ingressou com ação de obrigação de fazer contra o Governo do Estado para que fosse realizada uma restauração nas instalações do prédio.

Em 2013, a Justiça acatou o pedido do MPRR e determinou que o Governo de Roraima promovesse a restauração da Casa da Cultura, tombada como “patrimônio cultural dos roraimenses”.

Em 2015, porém, já na atual gestão, o Estado recorreu da decisão, mas Justiça confirmou a sentença obrigando o Governo a promover a restauração. Em fevereiro de 2016, o MPRR ingressou com a ação de execução e, em maio do mesmo ano, o Estado foi citado para que cumpra a decisão judicial. O processo encontra-se concluso com o juízo da Vara da Fazenda Pública. (L.G.C)

Falta vontade política para restaurar a Casa da Cultura, diz crítica de arte

Em entrevista à Folha, a professora de História da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e crítica de Arte, Eli Macuxi, disse lamentar a atual situação da Casa da Cultura. “É um prédio histórico e isso deveria ser levado em consideração. Eu lamento, pois há 10 anos quando estava terminando meu mestrado, parte do acervo documental que pesquisei para o meu trabalho estava lá”, contou.

Conforme Eli, o acervo que contava com fotografias e documentos sobre a história de Roraima sumiu após o abandono do local. “Ver a Casa naquela situação é triste e o pior é que não se sabe para onde foi o acervo que estava ali dentro. Nós não ouvimos e nem sabemos se há intenção da Secult ou de qualquer outro órgão em atender a necessidade de restaurar o prédio e colocá-lo em funcionamento, uma vez que é patrimônio público e propriedade de todos nós”, frisou.

Para ela, falta vontade política para que o local seja finalmente restaurado. “Ninguém se interessa em restaurar patrimônio, porque não rende voto. Essa questão é que determina o interesse em fazer com o que o espaço seja restaurado. Os artistas questionam o abandono daquele patrimônio, que é histórico antes de qualquer coisa”, destacou.

SEM RESPOSTA – A Folha tentou, durante todo o dia de ontem, 11, entrar em contato com o Governo do Estado para que desse explicações sobre a situação de abandono da Casa da Cultura e se há previsão para que o local seja restaurado. A reportagem foi informada que a solicitação das informações foi encaminhada para a Secretaria Estadual de Cultura (Secult). A reportagem então tentou entrevista com a titular da Pasta, Selma Mulinari, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria, às 19 horas de ontem. (L.G.C)