Cotidiano

‘Superlotação ou desabamento’, diz juíza após negar retorno de presos

Petição enviada pelo MP e Defensoria recomendava o retorno em cinco dias por conta da superlotação e fedentina

VANESSA FERNANDES

Editoria de cidade

O pedido de retorno dos 511 presos para a Cadeia Pública Masculina de Boa Vista (CPMBV) foi negado na tarde desta segunda-feira (15) pela juíza Joana Sarmento de Matos, da Vara de Execuções Penais. A petição foi requerida no domingo (14) pela Defensoria Pública Estadual (DPE/RR) e Ministério Público Estadual (MPE/RR). 

Segundo a magistrada na decisão, deixar os presos, tanto na Cadeia como na Penitenciária, seria ‘escolha trágica’.

“A Cadeia Pública encontra-se com o seu prédio condenado com possibilidade de desabamento. A PAMC não suportaria a alocação dos presos, segundo a [petição] inicial, por motivos de segurança. Qualquer escolha feita será trágica: se manda devolver os presos para a Cadeia Pública e a mesma desaba é ‘escolha trágica’. Difícil é escolher a “escolha trágica, ou ao menos “menos “trágica” se é que se fazer tal escolha em tal contexto”, sustentou na decisão que manteve os transferidos na Pamc.

Para discutir de forma mais ampla a questão, a Justiça estadual agendou para o próximo dia 22 de julho, no Gabinete da Vara de Execuções Penais, audiência interinstitucional com a participação dos órgãos da execução penal para tratar sobre a transferência de presos do sistema prisional do Estado. 

No dia da audiência, Joana Sarmento determinou que o titular da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc), André Fernandes, apresente as seguintes informações: 

A quantidade exata de presos transferidos de uma unidade prisional para a outra, com o nome dos presos, a situação processual ( em execução de pena e qual o regime ou se preventivado); A quantidade exata de presos que permaneceram da unidade da Cadeia Pública e a situação processual (em execução de penal e qual o regime ou se preventivado); Os critérios utilizados para que os presos fossem transferidos de uma Unidade para outra e se os presos estão separados por regime, nos termos da LEP; Quais os presos que estudavam na Cadeia Pública ( lista da escolar e remição pela leitura) e que foram transferidos para a PAMC e eventual equacionamento da questão escolar.

O CASO – No último dia 12 de julho, a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Sejuc) promoveu a transferência de 511 presos da Cadeia Pública de Boa Vista para a Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc). Depois da transferência, o MPRR e DPE recorreram ao Judiciário para garantir o imediato retorno à Cadeia Pública de Boa Vista dos 511 presos transferidos da unidade prisional, bem como a designação de audiência com o objetivo de buscar uma solução consensual para a custódia dos presos.

Ministério Público e Defensoria dizem que transferência é ‘ilegal’

Segundo os órgãos, a ação de transferência destes internos para a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC) realizada pela Sejuc, não foi planejada e é ilegal, uma vez que a Sejuc promoveu uma superlotação de quase todos os presos do Estado num único pavilhão da Pamc, denominado bloco “B”, onde existem sete alas que estão abrigando atualmente, em situação insalubre e desumana, mais de dois mil presos, entre preventivados do regime fechado e do regime semiaberto.

Durante visita às dependências da Pamc, no último dia 11 de julho, a Defensoria Pública apurou que na ocasião a unidade contava com 1.575 presos, espalhados em aproximadamente 145 celas – em regra, cada uma delas é projetada para comportar apenas três pessoas. No entanto, com o acréscimo de mais de 30% da massa carcerária, cada cela passou a comportar quase 15 detentos. Além disto, foi constatada a ausência de colchões, pessoas com uniformes rasgados e mau cheiro pelos corredores.

De acordo com o defensor público Frederico Leão, a partir do momento que a Defensoria soube da transferência, por meio da imprensa, foi deslocada uma equipe à Penitenciária para avaliar as condições do local e alocação dos internos. “Verificamos que na PAMC todos estavam amontoados e os presos que já estavam ali, agora estão muito próximos dos transferidos, até então considerados rivais. Aos olhos da Defensoria, este acréscimo pode potencializar a deficiência no fornecimento da assistência material do preso e pode até interferir na segurança interna, colocando em risco todos ali”, analisou Leão.

A principal preocupação dos órgãos autores do documento é o iminente risco de novos massacres na unidade prisional. Em outubro de 2016, a PAMC  foi palco de uma matança entre facções criminosas que resultou na morte de 10 presos. Já em janeiro de 2017, outra briga entre facções levou à morte de 33 presos, maior número já registrado no Estado.

Na ação, os órgãos alertam ainda para o risco de novas fugas. Somente entre os anos de 2015 e 2018, a Penitenciária Agrícola registrou 615 fugas, sendo que, somente em 19 de janeiro de 2018, ocorreu a fuga de 96 presos.

Força de Intervenção diz não ter sido consultada sobre transferência

A transferência de presos pela Sejuc também foi rechaçada pela Força Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), que atualmente exerce atividades e serviços de guarda, vigilância e custódia de presos na Penitenciária Agrícola. Ela não teria sido consultada sobre a possibilidade de transferência. 

Em ofícios encaminhados ao MPRR e DPE no último dia 12 de julho, a Coordenação da FTIP demonstrou que a medida era inviável em razão do efetivo de agentes, do risco quanto à segurança, da não conclusão das obras estruturais da PAMC, da falta de disponibilização das assistências e da insalubridade do local.

“Um aumento dessa magnitude na massa carcerária não era esperado, ainda mais diante da presente ausência de planejamento para tal”, diz trecho destacado na petição.

Sejuc diz que presídios serão reformados e transferência é temporária

A SEJUC informou que a operação de transferência foi avisada com antecedência à coordenação da FTIP, que participou da missão de transferência com apoio das unidades especializadas da Polícia Militar, agentes penitenciários e guardas civis municipais.

Ressaltou que a CPMBV interditada desde 2005, passará por melhorias na sua estrutura física. Segundo a nota, está em andamento o projeto para ampliação de 252 vagas para presos provisórios. Esclareceu ainda, que a alocação de presos é de competência da Secretária e que a decisão foi comunicada à Justiça.

Sobre a PAMC, disse que a unidade está passando por melhorias, adequações, e no momento representa um local seguro e indicado com mais segurança para os internos. Com a finalização da reforma, a unidade terá capacidade para 900 vagas.

Finalizou ao informar que a transferência é uma medida temporária, pois até final de 2019, a obra da nova cadeia pública estará concluída. Em fase mais avançada, no Sul do Estado, também está a obra de construção do presídio de Rorainópolis, onde abrirá mais 186 vagas para todos os regimes, inclusive RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), do sistema prisional estadual.