Cotidiano

Acadêmico autista defende TCC e alcança nota 10

Daniel Longuinho Batista de Souza é do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, do IFRR

O acadêmico Daniel Longuinho Batista de Souza, com transtorno do espectro autista (TEA), recebeu nota 10 após defender o seu TCC no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do Campus Boa Vista do Instituto Federal de Roraima (CBV/IFRR). Ele é o primeiro aluno com necessidades especiais em um curso superior na Instituição. A defesa ocorreu na última segunda-feira, 16, porém só foi divulgado nesta quarta-feira, 18.

O trabalho teve como título “Jogo Pokémon: uma breve revisão bibliográfica dos impactos no ensino de biologia para a formação do estudante do ensino médio”, e a escolha do tema partiu do interesse do próprio acadêmico, que tem forte identificação com o universo do tradicional jogo Pokémon e demais jogos on-line.

Daniel teve como orientadora a professora Cristiane Pereira de Oliveira e como coorientadora a psicóloga Mariana Oliveira da Costa Resende, profissional responsável pela psicoterapia do estudante.

Além das professoras orientadoras, o professor Udine Garcia Benedetti participou da banca avaliadora. Juntos, os docentes consideraram o TCC bastante relevante, integrando importantes conceitos dos jogos com a biologia, cuja avaliação resultou na nota máxima.

Mariana é pedagoga, psicopedagoga e neuropsicopedagoga, analista do comportamento, além de graduanda em Psicologia e mestranda em Intervenção Psicológica. Ela explicou que o trabalho de orientação de Daniel teve grande contribuição da Análise do Comportamento Aplicado, ciência que contribui para a compreensão do desenvolvimento de pessoas com autismo. Além disso, ela esclareceu que Daniel tem muita facilidade de aprender ouvindo os professores, mas dificuldade de escrever, demonstrando bastante ansiedade na fase de elaboração do trabalho.

Isso a fez entrar em contato com a professora orientadora e oferecer ajuda no processo de orientação. “Ao perceber as dificuldades, o que influenciou no aumento das estereotipias e de comportamentos que poderiam prejudicá-lo, decidi oferecer apoio pedagógico. Foram oito meses de orientação, divididos entre as disciplinas de TCC 1 e TCC 2, durante as quais busquei despertar o interesse dele para a ciência, evidenciada no jogo Pokémon, por meio da teoria da evolução, culminando em uma análise bibliográfica acerca do jogo e do ensino de biologia”, disse.

Ela acrescentou ainda a satisfação com a evolução de Daniel ao longo do processo de orientação. “Foi uma satisfação enorme ver a evolução do Daniel, que já no TCC 2 conseguiu ter mais liberdade e autonomia para pesquisar, escrever e refletir sobre os estudos e escritos. O mais interessante foi ele perceber, nas considerações finais do trabalho dele, que ainda falta muito para a efetivação da educação inclusiva nas escolas, assim como falta conhecimento por parte do professor em relação à tecnologia, aos jogos, e tudo isso fez ele refletir sobre as lacunas existentes no seu próprio processo de educação. Foi visível a satisfação dele ao final da pesquisa por ter suas perguntas iniciais respondidas, bem como na apresentação, quando demonstrou bastante segurança, sabendo o que queria e respondendo aos questionamentos dos professores. Essa a é maior satisfação do profissional: ver o paciente se desenvolvendo como pessoa e como acadêmico. E ele foi muito comprometido em todo o processo, não faltando às sessões de orientação, e sempre seguindo todas as orientações”, finalizou Mariana.

Cristiane afirma que o sucesso do trabalho de Daniel se deu, principalmente, pelo processo de orientação profissional e também acadêmica de Mariana, que ficou diratemente responsável por ajudar o acadêmico no desenvolvimento da produção científica. “Escrever um TCC não é fácil, ainda mais em meio à pandemia. Mas, com a ajuda da Mariana, conseguimos passar para o Daniel o passo a passo que ele deveria seguir, e ele mergulhou na escrita, trazendo resultados promissores com um tema inovador e instigante. E o resultado foi incrível! Quando Daniel me procurou, resolvi aceitar, pois queria ajudá-lo durante esse processo de desenvolvimento do TCC. Além disso, como mãe de uma criança autista e professora de pessoa com TEA, percebi o quão importante é estabelecermos essa rede de apoio para que eles possam se desenvolver, comprovando nosso compromisso com a educação de qualidade e inclusiva que queremos para todos”, explicou.

Daniel reconhece que a principal dificuldade dele, em todo esse processo de produção do TCC, foi a escrita, pois sempre teve dificuldade de colocar a ideia no papel, além do fator tempo, pois sempre precisou de mais tempo que o normal para produzir algo. “Graças a Deus, nesse trabalho eu tive a ajuda da Mariana, que sempre me deu força e direcionamento, principalmente quando eu tinha dúvidas em como começar. Ela me apresentava várias alternativas, o que me ajudou a desenvolver minhas ideias. O tempo também foi outro entrave, pois ficávamos horas e horas por dia pesquisando, escrevendo. Eu me distraio com muita facilidade e começo a pensar na vida. Então, isso me atrapalha um pouco. Então, no começo eu tive bastante dificuldade, mas depois consegui focar mais e produzir”, disse.

Sobre sua vida escolar e acadêmica, Daniel faz questão de enfatizar o apoio que também teve da família. “Quando eu era criança, minha mãe contratava professores para me ensinar, ou em casa ou na escolinha de reforço. Eles me ajudavam a entender melhor os conteúdos, pois eu tinha dificuldade de focar e entender. Quando minha mãe faleceu, meu tio também passou a me ajudar. Então, como minha família sempre teve uma boa condição financeira, eu tive o suporte adequado, mas penso que, infelizmente, outras crianças e jovens não têm as mesmas condições. Devem enfrentar muitas dificuldades e acabam não tendo o apoio necessário”, contou. 

Para a presidente do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (Napne), Áurea Luíza Azevedo de Miranda, os desafios no percurso acadêmico são vários e, para as pessoas que têm algum tipo de deficiência, se tornam mais difíceis ainda. “Daniel hoje mostra para toda a comunidade escolar que é possível vencer os desafios. Estamos muito orgulhosos do desempenho dele na apresentação do TCC e também muito felizes pela Coordenação do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, pois os professores foram os grandes incentivadores desse momento”, disse.

A diretora-geral do CBV, professora Joseane Cortez, que também prestigiou a defesa, avalia que o momento é muito significativo para a instituição. “A oportunidade de assistir à apresentação do TCC do acadêmico que traz em seu processo de aprendizagem características próprias relativas ao TEA foi muito rica e nos faz refletir ainda mais sobre os caminhos para o cumprimento de nossa missão. Portanto, representa um processo muito significativo do fazer pedagógico na perspectiva da inclusão, no qual, conhecer e aprender com o Daniel, nos propiciou um novo olhar sobre a diferença e as possibilidades de superação. O tema do TCC, além de inovador, garantiu uma aproximação do conhecimento pelo qual o acadêmico tem interesse, tornando, assim, o trabalho ainda mais significativo para ele. Foi lindo ver o domínio e o interesse dele pelo tema”, declarou.