Cotidiano

Área onde será construído Parque continua com usuários de drogas

Mais uma etapa da orla, o Parque Rio Branco está sendo construído pela Prefeitura de Boa Vista ao lado da Orla Taumanan, na área onde antes existia o bairro Caetano Filho, conhecido como Beiral. A obra foi anunciada para ser concluída com custos aproximados de R$ 146 milhões e dará aos boavistenses um parque, paisagismo, espelho d’água, mirante, píer turístico e construção da Avenida Beira Rio. 

Apesar de a obra ser considerada uma das maiores e mais modernas da capital, transformando o antigo Caetano Filho em um dos principais pontos turísticos de Boa Vista, os usuários de drogas do Beiral e os imigrantes não foram retirados do local, segundo os comerciantes que estão na área.

Aproximadamente 60 usuários de drogas, entre eles pessoas da terceira idade, homens e mulheres jovens, mães e filhos perdidos no mundo das drogas ainda perambulam nas ruas próximas à orla e continuam vivendo ali mesmo, entre os destroços dos 242 imóveis demolidos de famílias que ali viviam e foram alocadas em outros locais. 

A Folha esteve no Beiral e conversou com comerciantes que haviam reclamado dos problemas e estavam preocupados com o impacto que a permanência dos usuários no local vai trazer para o turismo. 

Um comerciante, que pediu para não ser identificado por receio a represálias, disse que o problema começou logo depois das demolições, pois os usuários de drogas permaneceram e ocuparam as ruas mais próximas do terminal de ônibus.

“As pessoas que moravam lá se mudaram, mas os usuários continuam se drogando na beira do rio, depois ficam perambulando por aqui, como estão vendo”, disse. Outra comerciante concordou em falar sobre as dificuldades de conviver diariamente no local. No momento da entrevista um usuário apareceu com um violão questionando o que fazíamos ali. Disse nome, idade e profissão (que preferimos ocultar), pediu uma dose de vodka e que queria fazer um desabafo. “Estou aqui há quatro anos, fumando, cheirando e bebendo, mas queria sair”. 

Questionado como conseguia dinheiro para manter o vício, repetiu por várias vezes “Sou um profissional formado e que acredito em Deus para sair dessa”, disse para depois iniciar uma longa conversa de religião que foi interrompida por outro usuário que chegou bastante alterado. “É melhor sair daqui, ir embora, tô avisando”. A equipe preferiu encerrar a entrevista e sair do local por se sentir ameaçada. 

Imigrantes brigam por ponto de drogas e fazem conflitos no local 


Foto: Diane Sampaio/FolhaBV

Apesar da visão que se tem há anos do Beiral, com pessoas transformadas em zumbis numa cena desumana e degradante, a violência no local só começou a ser notada há pouco tempo, com a chegada dos imigrantes venezuelanos, como citaram comerciantes locais ouvidos pela Folha.

Segundo comerciantes da região, antes havia uma norma de confiança e respeito entre eles, agora os conflitos são quase que diários. 

“Apesar da vida desumana destas pessoas, eles não são violentos, respeitam as pessoas e se respeitam. Mas depois que os venezuelanos chegaram começou a ter brigas e confusões. Ontem mesmo houve uma agressão de um imigrante que deu uma paulada na cabeça de um brasileiro e o motivo, pelo que se comenta, foi o ponto de venda de drogas”, disse. 

Ele citou que o local reinava através do respeito à hierarquia dos comandantes do tráfico, que entendia ser de facções, conhecidos por Cala-boca e Disciplina.

“Hoje não se vê mais eles por aqui e já tem mais venezuelanos que brasileiros vendendo drogas”, afirmou. “Eles (os venezuelanos) foram chegando e tomaram o ponto dos brasileiros, são poucos usuários, são mais vendedores”, afirmou. (R.R)

Socióloga diz que usuários foram esquecidos no ponto turístico

Para a socióloga e especialista em segurança pública, Carla Domingues, se focou apenas na obra física turística e a existência dos usuários de drogas foi esquecida. “Se pensou apenas no projeto de construção da obra, mas esqueceram das etapas que deveriam ser seguidas por conta do problema social causado pelo uso da droga que existe no local”, afirmou. 

À Folha, Carla citou que o problema consiste na falha de planejamento e de um plano de ação de retirada, internação e reabilitação dos usuários de drogas. “Da mesma forma que só lembram dos usuários quando estes tornam-se visíveis ao cometerem crimes. Hoje, o Beiral parece a Cracolândia. Esbarramos na falta de planejamento por parte do Executivo municipal que só olha para o problema quando ele acontece e começa a ser visto”. 

 “Os usuários de entorpecentes estão ali há muito tempo e nada foi feito. Antes de começarem a pensar em fazer a obra da orla era para ter pensando em resolver os problemas dos usuários. Como as coisas estão acontecendo de trás para frente, penso que ainda irão retirá-los dessa área próximo à conclusão da obra e eles migrarão para vários outros pontos da cidade, deixando-nos a mercê destes, que embora doentes, cometem furtos e roubos para sustentarem seu vício. Alguns podem não concordar, mas a fórmula não seria somente fazer a limpeza social do local, mas sim pensar em políticas públicas de prevenção ao uso de drogas”, afirmou.

Prefeitura afirma que busca apoio para retirar drogados do local

Em nota, a Prefeitura de Boa Vista informou que está buscando diálogo com os usuários e apoio de clínicas de recuperação de dependentes químicos para resolver o problema. Esclarece que é proibida no Brasil a internação compulsória de dependentes químicos. 

“Isso só pode ocorrer de forma voluntária, ou seja, com o consentimento da pessoa, ou ainda de familiares, quando apresentado laudo médico que indica que ela não tem capacidade de decidir sozinha”.

Disse ainda que o município busca, com o andamento da etapa final das obras do Parque do Rio Branco, aproximar o diálogo com os usuários que continuam transitando e morando no local, com apoio de clínicas voltadas para recuperação de dependentes químicos. (R.R)