Cotidiano

Conselheiro diz que negligência motivou morte de adolescente indígena 

A menina estava com um tumor cerebral e não conseguiu fazer a cirurgia por falta de material mesmo tendo decisão judicial favorável

AYAN ARIEL

Editoria de Cidades

Uma jovem esforçada, dedicada, humilde, carinhosa e com esperança de viver. É assim que a adolescente da etnia Macuxi, Amanda Barbosa, de 16 anos, era vista pela família, por seus amigos e conhecidos da comunidade da Barata, localizada no município de Alto Alegre.

Internada desde o mês de julho no Hospital Geral de Roraima (HGR), Amanda lutava contra um tumor cerebral e essa luta chegou ao fim na última sexta-feira (1), quando foi confirmado o óbito da adolescente. A família acusa a Sesau de ter negligenciado o caso da menor, que precisava de uma cirurgia para a remoção da neoplasia que não ocorreu durante os últimos meses.

Tia de Amanda, Nilcia Barbosa, de 33 anos, contou que a adolescente ocasionalmente sentia dores de cabeça e tontura, mas sempre era medicada e seguia com sua rotina. “Só que ela começou a sentir que as dores de cabeça estavam mais fortes e foi aí que descobrimos que ela estava com esse tumor na cabeça”, acrescentou.

SEM SUCESSO – Após o diagnóstico, a família buscou maneiras para fazer com que a cirurgia necessária para a retirada do cisto ocorresse no Estado, porém a equipe médica informou à família que não teria como fazer no HGR, pois alguns materiais cirúrgicos estavam em falta, sendo eles fios, material de oxigênio e parafusos.

Então a família tentou o processo de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), mas foi dito que a cirurgia não estaria disponível em nenhum estado do país.

O Conselho Tutelar de Alto Alegre acompanhou de perto a situação da jovem Macuxi. Titular daquela região, Ademar Cavalcante destaca que houve quase um mês de tentativas e espera até que houvesse retorno sobre o TFD.

“Diante disso, buscamos outros meios adequados, junto ao Ministério Público de Roraima (MPRR), para que o estado cumprisse o procedimento cirúrgico”, apontou o conselheiro.

A decisão da Comarca de Alto Alegre dizia que a cirurgia deveria ocorrer no dia 15 e, caso não fosse cumprida, o governo pagaria multa diária estipulada em R$ 2 mil. Antes do óbito de Amanda, foi tentado o sequestro do valor da cirurgia, mas a família não conseguiu com os médicos do HGR fazer um orçamento para o procedimento cirúrgico.

“Eles deram como justificativa que eles já estavam sendo processados por esse ato. Ainda tivemos a orientação do MPRR de ir buscar um médico particular a fim de contratarmos esse médico e termos esse orçamento”, frisou Cavalcante.

O conselheiro relatou que foram feitas inúmeras oitivas junto ao governo estadual para ajudar no caso, inclusive contatos diretos com a cúpula do governo de Roraima e da secretaria estadual de saúde, porém sem sucesso.

Somente o senador Mecias de Jesus (Republicanos) chegou a falar com Cavalcante e a família, garantindo que o equipamento chegaria nesta terça-feira (5). “Só que infelizmente veio na sexta-feira (1) a notícia da morte da Amanda”, lamentou o conselheiro.

FALSA ESPERANÇA – Segundo ainda relata o titular do Conselho Tutelar de Alto Alegre, em vários momentos a equipe deu falsas esperanças ao pai da adolescente sobre a chegada do material. “O pai teve a expectativa da realização da cirurgia e acabou ouvindo do médico que a cirurgia não seria possível, pois o equipamento voltou”, respaldou.

A tia de Amanda lembrou que o pai estava sempre ao lado da jovem que lutava pela vida.

“Os últimos momentos dela era naquela sala de Trauma e ninguém conseguia ver ou tocar nela. Nem mesmo se despedir. Foi muito difícil, principalmente pro pai dela, porque tudo que ele ouvia era mentira”, salientou Nilcia.

Revoltada com o desfecho da história de Amanda, a tia ressaltou que foram quatro meses acreditando que a adolescente iria sair com vida do HGR. Ela deixa sua crítica para a atual situação em que se encontra a saúde do Estado.

“Nós elegemos um governo para melhorar Roraima, porque não estava bom e agora está pior. É um desrespeito e uma vergonha com a população e nós queremos justiça, pois não queremos que aconteça com ninguém o que aconteceu com minha sobrinha”, finalizou.

REPARAÇÃO – Com o falecimento da adolescente, o conselho tutelar irá buscar, junto ao Ministério Público, a responsabilização do Estado no caso, já que houve o descumprimento de ordem judicial favorável à Amanda.

“Observamos que Roraima está em uma situação tão crítica que eles não estão preocupados. O que o povo necessita é de responsabilidade do poder estadual, e não está sendo executado”, criticou o conselheiro tutelar de Alto Alegre, Ademar Cavalcante.

Sesau diz ter dado assistência e anuncia chegada do equipamento 

Sesau disse em nota ter dado toda a assistência para a jovem da etnia Macuxi (Foto: Diane Sampaio /Folha BV)

Por meio de nota enviada para a Folha, a Sesau informou que, assim que tomou conhecimento da situação clínica de Amanda Barbosa, de 16 anos, determinou que a equipe do Hospital Geral de Roraima prestasse toda assistência até a chegada de sonda ultrassônica para a paciente.

“O item estava contemplado no processo emergencial no 5164, que acabou impugnado pela empresa Síntese. A questão não teve decisão judicial até o presente momento”, reiterou a nota.

Segundo ainda informa a secretaria, por conta da urgência de vários casos em Roraima, foi aberta uma nova dispensa de licitação, em 18 de setembro deste ano, para aquisição de itens hospitalares, através do processo no 7273/19, cujo material de neurocirurgia deve chegar nesta terça-feira, dia 5.

Por fim, a nota ressalta que, mesmo diante de tantas dificuldades, a Sesau “tem se empenhado na reestruturação de todo o sistema de saúde do Estado, desde melhorias na estrutura física das unidades à regularização de medicamentos e insumos, preocupação que infelizmente não tem sido a mesma de alguns agentes comerciais”.