Cotidiano

Migrantes e refugiados recebem orientações sobre violações trabalhistas

ONG Visão Mundial cria eixo de proteção para identificar casos de violações trabalhistas; organização vai orientar migrantes a denunciarem situações referentes ao ambiente de trabalho

O fluxo migratório movimentou o mercado de trabalho em Roraima, entretanto, migrantes e refugiados desconhecem a legislação trabalhista brasileira, bem como os direitos e deveres dos empregados e empregadores, o que pode levar às violações. Com esta situação, a ONG Visão Mundial criou para este ano um eixo de proteção para identificar casos de exploração de mão de obra.

Os últimos números divulgados pelo Ministério Público do Trabalho revelam que, em 2020, foram registradas quase 100 mil denúncias referentes à condição análoga à escravidão em todo o país, quase 40% deste total causadas pela pandemia de Covid-19. O cenário colocou o Brasil na lista da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como uma das nações que mais desrespeitam as leis empregatícias.

Cenário em Roraima

Segundo dados do Governo Federal, mais de mil pessoas foram resgatadas de trabalhos análogos à escravidão no Brasil no ano passado. Em Roraima, por exemplo, a fiscalização do Ministério do Trabalho, em parceria com outros órgãos, encontrou sete pessoas em condições desumanas, entre elas três indígenas e dois migrantes venezuelanos. 

Conforme as estatísticas, entre os anos de 2009 e 2019, pelo menos 91 pessoas foram resgatadas deste tipo de situação. Houve ainda registro de tráfico de pessoas para fim de exploração de mão de obra nas cidades de Boa Vista (11), Cantá (5), Amajari (3), Bonfim (3), e São João da Baliza (1).

Resposta à crise migratória

Diante desta realidade, a organização vai colocar em prática o eixo de proteção, dentro do projeto “Ven, Tú Puedes!”, que atua na resposta à crise migratória venezuelana em Roraima, Amazonas e São Paulo. 

De acordo com a gerente interina do projeto, Jéssika Jonas, durante o desenvolvimento das ações de acolhimento, a organização identificou casos que podiam ser interpretados como violação trabalhista. Mesmo orientando os migrantes e refugiados, não existia uma política definida de como tratá-los e de registro dos casos. 

“O eixo de proteção vem para apoiar, orientar e encaminhar esses possíveis casos que a gente identifique a partir da orientação ao beneficiário a respeito do mercado de trabalho. No início do projeto, a equipe lidava com isso, mas ainda sem o apoio de uma assessoria específica para prosseguir com os devidos encaminhamentos. A partir disso, identificamos a necessidade desta prestação de serviço”, disse.

Ela informou que nas primeiras sessões de orientação foram identificados beneficiários que trabalhavam mais de oito horas por dia e recebiam o mínimo. “Eles acreditavam que estavam recebendo de acordo com o trabalho, enquanto na verdade eram direitos violados. Muitas vezes, essas pessoas eram colocadas em situação análoga à escravidão”, declarou Jéssika.

Atuação

O assessor de proteção do “Ven, Tú Puedes!”, Rafael Paixão, explicou que, historicamente, a Visão Mundial trabalha com políticas voltadas para esse eixo, com canais de denúncia e comitê de ética, com o objetivo de garantir os direitos das pessoas atendidas pelos projetos da organização.

“Esse novo eixo vem para estruturar especificamente a questão trabalhista e reforçar atividades preventivas, para que esses migrantes não sofram violações ou que consigam identificá-las”, comentou. 

Rafael detalhou que serão feitas orientações, momentos de conversas, debates sobre quais os canais de denúncias, quais órgãos podem receber as reclamações, e campanhas no decorrer do ano. Além disso, ele acrescentou que as equipes vão atuar para identificar casos que já ocorreram. A organização informou que os atendimentos ocorrem nos abrigos, espaços de parceiros e, em casos específicos, no escritório da Visão Mundial. 

“O protocolo de atendimento vai ser uma conversa para entender o que está acontecendo, se envolve baixo, médio ou alto risco, saber os órgãos competentes para lidar com a situação, e orientar esse migrante sobre onde buscar ajuda. É importante lembrar que a proteção é dever do Estado. As organizações orientam”, finalizou.