Cotidiano

Programa da UFRR atendeu 5 mil migrantes e refugiados em um ano

MiSordo tem participação de discentes e docentes do curso de Letras/Libras da UFRR

Criado com a missão de promover, por meio de ações extensionistas, a inclusão social e a cidadania de pessoas migrantes ou refugiadas surdas, o Programa de Extensão Migrante Surdo (MiSordo), realizado pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), completou um ano de criação e desenvolvimento de ações direcionadas para o público migrante e refugiado surdo.

A iniciativa tem como foco o acolhimento por meio de ações que vão desde a comunicação e escuta em línguas de sinais à inserção laboral, assessoria judídica, além da oferta de cursos voltados para a formação de profissionais para atuação neste contexto multilíngue. O programa já realizou 5 mil atendimentos e atualmente atende cerca de 100 surdos e familiares somente em Boa Vista, mas já chegou a atender 200 surdos residentes na capital.

O trabalho envolve ações como escuta da necessidade, encaminhamento a postos de trabalho, tradução de informações para as línguas de sinais, interpretação de casos jurídicos, policias e de inserção laboral, orientação e parecer em casos de justiça, articulação e mediação com as instituições para o ingresso na oferta de ajudas humanitárias, promoção da formação de intérpretes comunitários, professores e instituição/ONGs com cursos de línguas de sinais.

Por lidar com duas línguas de sinais distintas, a Língua Venezuelana de Sinais (LSV) e a Língua Brasileira de Sinais (Libras), além das línguas orais espanhol e português, constitui-se como um laboratório para as áreas de investigação linguística e tradutórias-interpretativas.

Com a interiorização dos migrantes e refugiados, algumas famílias mudaram para outras cidades brasileiras. O programa está agora em busca de parcerias para um acompanhamento dos surdos que foram interiorizados e assim continuar dando-lhes assistência, mesmo que a distância.

Programa

O MiSordo tem participação de discentes e docentes do curso de Letras/Libras da UFRR, sendo coordenado atualmente pelo professor Augusto Azerêdo, também surdo; a professora Adriane Menezes, do Instituto Insikiram; e docentes e discentes da Universidade Federal do Oeste do Pará coordenados pela professora Thaisy Bentes.

O Programa, formalizado em setembro de 2020, na perspectiva da extensão universitária como ponte de interação entre os discentes e a sociedade no processo formativo, busca estabelecer uma rede de cooperação solidária, acadêmica e interinstitucional de apoio a migrantes e refugiados surdos no estado de Roraima e em outros estados brasileiros.

Com isto, visa a garantia e acesso aos direitos humanos e a inserção na sociedade através da valorização das línguas de sinais e da cultura surda. Dentre as ações realizadas, está a  visibilidade dada ao migrante surdo, com a promoção de interações entre a universidade e a sociedade, tendo o aluno como protagonista de sua formação.

Os migrantes surdos formam um grupo vulnerável e pouco assistido, deixando-os invisíveis no cenário da migração internacional. Nesse contexto, o Programa MiSordo tem atuado para a valorização desse grupo e apoio às necessidades como acesso à comunicação e aos direitos de justiça, saúde e educação.

Pioneiro

A iniciativa é pioneira no trato com surdos em situação de migração e refúgio, e tem produzido conhecimento sobre um campo pouco explorado no Brasil, sugerindo, experimentando e vivenciando estratégias para uma consolidação das teorias e práticas que envolvem os processos dentro do campo dos Estudos da Tradução e da Interpretação de Língua de Sinais, em especial a Tradução Humanitária, estudos sobre migração e refúgio de surdos, línguas de sinais de fronteira, de migração e a Libras como língua de acolhimento.

Como resultado do primeiro ano de atuação, o Programa MiSordo promoveu a criação de uma rede de colaboração com instituições de apoio aos migrantes, criando parcerias com instituições nacionais e internacionais, destacando a parceria com o Programa TILSJUR/UFSC, aliado nas ações relacionadas ao acesso aos direitos humanos. A parceria com os grupos religiosos também tem contribuído sobremaneira para o bem-estar socioeconômico dos migrantes surdos.

Na parte acadêmica, o MiSordo tem trabalhado com a divulgação científica, a promoção de eventos sobre as temáticas em questão e a produção de artigos, ensaios, relatos de experiência em revistas e eventos acadêmicos, além da organização de um livro digital que abordará todas as ações do Programa. O material deve ser publicado no final do ano pela Editora da UFRR.

Outros projetos

Vinculado ao programa existem outros projetos com ações específicas, tais como o projeto “Formação para o trabalho com migrantes e refugiados Surdos no Brasil”, coordenado pela professora da UFRR Adriane Menezes, coordenadora adjunta do programa.  Este projeto tem proporcionado cursos de língua de sinais (Libras e LSV), formação para as instituições e ONGS que tem como público alvo os migrantes e palestras virtuais sobre os temas envolvidos, além de ações, em desenvolvimento, para a formação de professores, intérpretes e gestores da educação básica.

Entre os cursos está o “Migrantes Surdos: línguas, identidades e diferenças em situação de refúgio”, com participação de mais de 130 trabalhadores de organizações nacionais e internacionais de migração e refúgio.

O segundo projeto, intitulado “Acessando Direitos: assessoria jurídica para migrantes surdos”, conta com a pareceria do Programa TILSJUR, coordenado pela professora Silvana Aguiar dos Santos, da UFSC, atuando em ações voltadas para o acesso dos surdos aos serviços essenciais e orientação nas demandas de acesso à justiça, saúde e educação.

O terceiro é o “Rede de colaboradores: acessibilidade à comunidade surda migrante”, que constitui-se como base do programa. Os serviços são articulação com as instituições de apoio a migrantes e atendimento em Língua de Sinais aos surdos migrantes e serviços de tradução e interpretação. 

O Programa também é constituído como projeto de pesquisa vinculado ao Grupo de Estudo e pesquisa em Tradução e Interpretação Intermodal-TradIIn (UFRR/CNPq). Tem produzido a reflexão teórica sobre os temas circundantes entorno das línguas e dos sujeitos surdos.

As ações de pesquisa são coordenadas pelo professor Paulo Jeferson Pilar Araújo, da UFRR em parceria com o professor Alejandro Oviedo, linguista venezuelano, atualmente vivendo na Alemanha e vinculado à Universidade de Linguística Aplicada e Comunicação Intercultural (Fakultät für Angewandte Sprachen und Interkulturelle Kommunikation Westsächsische Hochschule Zwickau).

Após um ano de atividades, o Programa MiSordo busca agora consolidar suas ações, numa perspectiva de oferta permanente de cursos, atendimentos e encaminhamentos. Para isso, os professores coordenadores e colaboradores do Programa discutem a necessidade de criação de um núcleo interinstitucional voltado para a questão migratória sem que se esqueça das especificidades das comunidades surdas migrantes.

O primeiro ano do Programa MiSordo demonstra que há muito trabalho ainda a ser feito e que as realizações e objetivos atingidos até o momento apontam para a necessidade de articulação e organização que faça jus à realidade dos migrantes e refugiados surdos.