Cotidiano

RR não libera presos em risco e tem 3 detentos mortos em 6 dias

Segundo o governo de Roraima, 10 agentes da FTIP foram diagnosticados com covid-19 e outros 47 agentes penitenciários estaduais também estão com o vírus

Com a chegada do novo coronavírus ao sistema penitenciário de Roraima, três presos que tiveram diagnóstico de covid-19 morreram no estado só na última semana, segundo dados de ontem. Mesmo assim, a Justiça local não segue recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e determina que

presos em grupos de risco, como idosos ou com doenças crônicas, permaneçam encarcerados.

Evandro João, 56, que não tinha comorbidades; Ubiraci Alves da Silva, 64, que tinha doença cardiovascular; e Ed Wilson Campos Pinheiro, 51, em tratamento de uma pneumonia, foram os três primeiros presos a morrer por covid-19, entre sábado (2) e quinta-feira (7). Outros 42 presos em Roraima foram diagnosticados com a doença. O sistema prisional de Roraima é o que tem mais casos de coronavírus no Norte do Brasil.

Além dos presos, o vírus também acomete servidores públicos que trabalham no sistema penitenciário do estado. Segundo o governo de Roraima, 10 agentes da FTIP (Força-Tarefa de Intervenção em Presídio) foram diagnosticados com covid-19. Outros 47 agentes penitenciários estaduais também estão com o vírus.

O número representa 13,5% do total de carcereiros locais.

Por meio de nota, o governo de Roraima afirma que “medidas estão sendo adotadas no sistema prisional e que estão sendo cumpridos os protocolos preventivos acerca da covid-19, com a distribuição de equipamentos de proteção individual para agentes e demais servidores que trabalham no sistema”.

Sobre os presos, o governo diz que isolou todos que tiveram a doença confirmada, e que todo preso recém-chegado ao sistema penitenciário fica 45 dias isolado e só é levado ao convívio com a massa carcerária após exames diagnosticarem que ele não está com o vírus. “Além disso, as visitas e atividades

externas estão suspensas, e a higienização nas unidades é feita de forma reforçada.”

Com presos com problemas de saúde graves, além de conflitos declarados entre facções criminosas rivais, o sistema prisional de Roraima tem histórico recente de problemas de difícil solução. Em janeiro, houve um surto de uma doença de pelo que gerava coceiras e feridas no corpo. Em 2016, quando PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho) romperam, houve rebeliões no estado.

Juíza critica CNJ e defende prisões durante pandemia

“Com todo respeito ao CNJ, o órgão não tem competência constitucional para fazer politica publica para a população carcerária. E, ao assim fazê-lo (ainda que provido da melhor das intenções), extrapola o que previsto na Constituição.”

O argumento acima foi escrito pela juíza Joana Sarmento de Matos, titular da Vara de Execução Penal, em 17 de abril deste ano, para determinar que presos idosos continuassem detidos no estado. A magistrada afirmou na decisão que “em quase a totalidade”, os presos que seriam beneficiados são “homicidas e

estupradores”.

“Embora o pedido seja para ‘idosos’, de forma ampla e para não parecer negligente, tomou o cuidado esta magistrada de olhar cada processo individual da lista enviada pelo secretário adjunto: a grande maioria dos crimes cometidos por estes idosos é o ‘estupro de vulnerável”, escreveu.

A magistrada argumentou, ainda, que “se pretende voltar o agressor sexual para o lar e, em muitas vezes conviver com a vítima: criança/adolescente. É perverso, é cruel, é desumano. Estamos desumanizando crianças/adolescentes nesta busca desenfreada por soltar presos a qualquer custo”.

A juíza, no entanto, não quantificou com precisão os dados mencionados.

A reportagem fez o questionamento sobre a qualificação dos presos, seja em grupo de risco ou fora, ao TJ-RR (Tribunal de

Justiça de Roraima), mas até esta publicação não obteve retorno. A reportagem também pediu uma entrevista com a juíza por meio da corte, mas também não foi atendida.

Em outra decisão da juíza da vara de execução penal, datada em 19 de março, ela cita um show da Marília Mendonça como argumento para não relaxar a pena de quem já está no regime semiaberto pela pandemia.

“Somente a título exemplificativo: um preso de semiaberto, com trabalho externo em audiência declarou ‘não fui para o pernoite porque fui para o show da Marília Mendonça’. Isso é real. Não é inventado por esta magistrada. Simplesmente não cumprem muitas vezes por amenidades as regras”, escreveu.

“Se liberar geral, como se pretende, a população de um modo geral ficará exposta à covid-19 e à criminalidade. É simples assim. E resto é papel que tudo aceita”, disse a juíza Joana Sarmento de Matos.


O governo de Roraima afirmou, em nota, que “referente à não soltura coletiva dos presos, em razão da pandemia do coronavírus, a Sejuc (Secretaria de Justiça e Cidadania) esclarece que cumpre ordem judicial e aguarda análise individual de cada caso para posterior soltura”.

Após pedidos de habeas corpus coletivos, o TJ demorou 10 dias e decidiu não apreciar o mérito. O caso está no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Limpeza e afastamento social impossíveis em prisão

A letalidade do coronavírus entre presos brasileiros é o quíntuplo da registrada na população geral, segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

Mário Guerreiro, conselheiro do CNJ e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, disse à Folha que os estados nos quais a Justiça tem resistido em determinar a soltura de presos são os que mais sentem os efeitos da propagação do vírus. Roraima é um deles.

Ao todo, o Depen estima que 30 mil presos tenham sido liberados no país por decisões judiciais em virtude da recomendação dada pelo CNJ. O órgão diz que o número é elevado e que alguns saíram sem tornozeleira eletrônica. Os dados estão em um documento enviado aos estados, em que o Depen pede

rigor na fiscalização dos que foram para prisão domiciliar.

Henrique Apolinário, advogado do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos, diz que o básico para o combate ao coronavírus é manter limpeza, higiene e afastamento social.

“Impossíveis no cárcere nacional, que é superlotado e extremamente insalubre, sem nenhum tipo de passagem de ar, sem luz, sobretudo o de Roraima, sistema carcerário completamente lotado, cercado de esgoto, doenças respiratórias e de pele”.

De acordo com o advogado, “o CNJ agiu rapidamente no que pôde fazer já em março, antes de o vírus

chegar aos presídios, recomendou aos juízes locais trazendo os padrões internacionais, mas no Brasil é

muito difícil levar as decisões das cortes superiores. Juízes e promotores optam por uma lógica de prisão

como primeira medida”.

Governo diz não medir esforços

O governo de Roraima afirma, por meio de nota, que “não tem medido esforços para fortalecer o trabalho de combate ao coronavírus, adotando medidas estratégicas para atender a população de maneira adequada, o que inclui a reorganização do fluxo nas unidades hospitalares, aquisição de equipamentos de

proteção individual, bem como o monitoramento diário dos registros da doença”.

A capital Boa Vista tem 86 respiradores/ventiladores mecânicos no Hospital Geral de Roraima Rubens de Souza Bento, 11 respiradores no Hospital das Clínicas Wilson Franco, 34 respiradores/ventiladores mecânicos no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth, um no Pronto Atendimento Cosme e

Silva e um está sendo utilizado no interior, no Hospital Estadual Vereador José Guedes Catão, localizado no município de Mucajaí, 55 km da capital.

Há, ainda, respiradores portáteis que auxiliam a locomoção de pacientes de uma unidade para a outra.

Dois deles atendem ao Hospital Délio Tupinambá, em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela.

Fonte: Portal UOL Notícias