Cotidiano

Roraima registra 40 decapitações

Levantamento da Folha mostra casos entre janeiro de 2018 e outubro de 2019, período em que 40 vítimas de homicídio tiveram suas cabeças separadas do corpo

É preciso ter sangue frio para assistir, sem fechar os olhos, ao 1 minuto e 20 segundos que levaram à execução de Renildo Rodrigues da Silva, decapitado vivo por mais de 10 criminosos que filmaram tudo com um celular. Segundo as investigações, a vítima foi morta por vingança, por ser supostamente ligada a uma facção criminosa rival.

O crime ocorreu no último dia 3 de outubro quando foi totalizada a contagem de 40 pessoas decapitadas em Boa Vista nos últimos dois anos. O total de mortes por decapitação faz parte de um levantamento não oficial baseado em reportagens noticiadas pelo jornal Folha de Boa Vista, que contabilizou os casos publicados em reportagens de janeiro de 2018 a outubro de 2019.

Integrantes de facções criminosas de Roraima tomaram para si a prática de decapitar seus “inimigos” como forma de ameaça. De acordo com especialistas em segurança pública, a disputa pelo tráfico em Roraima contribuiu para o aumento da violência, sendo o estado em que o número de homicídios mais cresceu.

Em conversa com a Folha, um policial militar que atua no combate a facções relatou que a maioria dos envolvidos com facções são pessoas na faixa dos 20 anos, que entram no mundo do crime e são obrigadas pelos traficantes a demonstrar lealdade. “Você não enxerga humanidade nessas pessoas. Os chefes das facções ordenam que esses adolescentes de 14, 15 anos, matem e arranquem a cabeça dos inimigos, e eles têm que fazer o que mandam se quiserem sobreviver. É a realidade das ruas de Roraima”, comentou o agente que preferiu não se identificar.

“Em Roraima há o déficit de segurança pública além de um equilíbrio de forças entre as facções que dominam a partir do presídio essa disputa sangrenta”, informou o especialista em segurança.

A Secretaria de Segurança de Roraima foi procurada pela Folha por mais de duas semanas para informar dados oficiais sobre o assunto, mas não respondeu à demanda. 

A Polícia Civil de Roraima confirma que a motivação para os crimes bárbaros está relacionada, na sua maioria, à guerra de facções criminosas que brigam por pontos de comércio dos entorpecentes.

Em entrevista à Folha, o delegado geral Herbert Amorim disse que a polícia tem dado uma resposta imediata em relação a esses crimes.

“Estamos dando uma resposta imediata com relação a essas ações criminosas. E se você observar todas essas condutas deles, não passa mais de uma semana a gente prende toda a quadrilha. Em outros estados demora muito essas ações ou os crimes até mesmo ficam sem nenhuma solução. O que acontece: a sociedade cresceu e a Polícia Civil ainda continua na mesma, com menos funcionários cada dia que passa.”

Amorim também lembrou que o número de homicídios reduziu em Roraima. “Se a gente fizer um comparativo com o ano passado, eles fizeram foi reduzir, né?

E nosso maior problema são as visitas na Pamc, pois pode observar que a ordem para esse tipo de execução só acontece quando se libera visita no presídio. Antes a gente não estava vendo essas barbaridades que estão praticando. Não estamos medindo esforços para combater essas facções, e tudo que pode ser feito dentro do nosso alcance estamos fazendo” concluiu. 

Sociólogo diz que degola é por conta da banalidade do mal 

A prática da degola em presídios e nas ruas não é exclusiva do Brasil. O sociólogo Paulo Racoski conta que esse ato de violência extrema é observado também em outras cidades do Brasil.

“É um fenômeno nacional a partir do sistema prisional e a intensidade do grau de violência é parte dos fenômenos de uma sociedade absolutamente doente e parte da estrutura hierárquica do crime, do estilo dos grupos criminosos. Isso, colocar a sociedade em uma relação de terror e medo, é muito vinculado ao fenômeno das sociedades que têm esses traços de barbárie, né? Não há respeito pela vida, não há respeito pela dignidade da vida, não há respeito por princípios, valores e virtudes”.

Para o sociólogo esse fenômeno marca o que se conhece como ‘banalidade do mal’. 

“A banalidade do mal nas sociedades modernas, a própria relação da violência onde o homem é um ser violento, instigado pela sociedade violenta, pelo modelo político econômico e social violento. Inclusive há uma espécie de barbárie na brasilidade, na formação do nosso Brasil que é feito por grupos étnicos altamente beligerantes e isso ainda se reflete hoje em dia”, concluiu.