Cotidiano

Transtorno psicológico afasta 77 policiais do trabalho

Os agentes de segurança foram afastados nos últimos três anos. Roraima também registra um caso de suicídio

VANESSA FERNANDES

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Por dar apenas respostas curtas e grossas dentro de casa e manter-se cada vez mais preso dentro do próprio quarto, a família do agente da Polícia Civil, Klinger Souza, percebeu que havia algo de errado. “A partir desse vislumbre, eles começaram a se aproximar um pouco mais para tentar entender o que estava acontecendo. Então iniciamos uma busca na internet sobre o que era depressão e ansiedade. Mas depois de tudo, chegou a parte mais difícil, aceitar que eu estava doente”, diz.

A pressão diária para resolver os problemas que surgem na delegacia e o sentimento de incapacidade para solucionar as complicações da sua vida pessoal, mergulharam Klinger em um estado de prostração profunda, que o fizeram tomar a decisão de tirar a própria vida por duas vezes. Na primeira tentativa, com a arma em punho apontada para a cabeça e dedo engatilhado, uma falha no disparo evitou uma tragédia. Na segunda, explica que após preparar-se novamente, desistiu depois de sentir algo que lhe dizia o quanto a sua vida valia a pena. O agente da Polícia Civil, Klinger Souza, acredita que ao compartilhar sua história, outros possam criar a coragem necessária para buscar ajuda.

O caso deste agente é um entre milhares espalhados pelo Brasil. Em 2015, levantamento realizado pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção com foco para o suicídio policial, consultou 18.007 policiais militares de todo país. Destes, 650 tentaram suicídio e 3.225 policiais cogitaram a possibilidade. O número estimado de policiais militares no Brasil é de aproximadamente 410 mil. Os dados ainda indicaram que 43,8% dos que tentaram suicídio não contaram a ninguém sobre esse desejo. O acesso as armas de fogo facilitou o suicídio de 87,6% dos homens e mulheres que decidiram tirar a própria vida.

Em Roraima, o maior número de casos está presente na Polícia Militar. De acordo com levantamento solicitado pela Folha às Forças Policiais, na PMRR 77 policiais foram afastados das atividades entre 2017 e 2019 para tratamento psicológico. A Polícia Civil não divulgou número de afastamento, apenas informou que o último caso de suicídio foi registrado em 2017.

Psicóloga diz que existe preconceito sobre doenças psicológicas

Os profissionais que trabalham na segurança pública de Roraima são acolhidos no Centro de Qualidade de Vida (CQV), que disponibiliza serviços de saúde e biopsicossocial. O trabalho é feito de forma integrada e atende servidores da Polícia Militar, Polícia Civil, Guarda Civil Municipal, Corpo de Bombeiros, Departamento Estadual de Trânsito, Secretaria Municipal de Trânsito e Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc). O CQV está instalado na Academia de Polícia Integrada Coronel Márcio Santiago (Apics), em Boa Vista.

A psicóloga do Centro de Qualidade de Vida do Sistema de Segurança Pública e Prisional de Roraima (CQV), Mônica Lopes, descreve que no meio policial as doenças psicológicas ainda são tratadas como loucura. “Continua existindo muito preconceito sobre saúde mental nas delegacias e batalhões. E através deste tipo de pensamento, encontramos certa resistência, onde a busca por ajuda pode ser interpretada como uma fraqueza. O que não procede”.

Segundo Lopes, viver diariamente em condições adversas é o principal fator gerador das doenças psicológicas. Devido à baixa qualidade de vida, estresse e jornadas excessivas, o policial pode entrar em um quadro de depressão, estresse pós-traumático e adquirir a Síndrome de Burnout, um distúrbio psíquico caracterizado pelo estado de tensão emocional e estresses provocados por condições de trabalho desgastantes. Professores e policiais são as classes mais atingidas.

“Tudo isso vem acompanhado da sensação de incompetência que pode ser um gatilho para o suicídio. Um dos principais motivos que detectamos nesse atendimento aos policiais é justamente o tipo de trabalho que possuem. Além disto, o ambiente familiar também exerce influência. Como divórcio, problema com os filhos ou situações dentro de casa que foram geradas pela própria função”, explica Lopes. 

Conheça os principais sintomas da depressão

De acordo com o Ministério da Saúde, os principais sinais de estado depressivo são: alterações de humor ou irritabilidade; ansiedade e angústia, desânimo, cansaço fácil; necessidade de maior esforço para fazer as coisas; falta de motivação e apatia; pessimismo, ideias frequentes e desproporcionais de culpa, diminuição do desempenho sexual (pode até manter atividade sexual, mas sem a conotação prazerosa habitual) e da libido; perda ou aumento do apetite e do peso; insônia (dificuldade de conciliar o sono, múltiplos despertares ou sensação de sono muito superficial), despertar matinal precoce (geralmente duas horas antes do horário habitual) ou, menos frequentemente, aumento do sono (dorme demais e mesmo assim fica com sono a maior parte do tempo).