Economia

O que o Brasil ainda vende e compra da Venezuela em crise

Apesar das críticas do presidente Jair Bolsonaro e das ameaças de sanções, hoje a Venezuela ainda é o 72º país do qual o Brasil mais importa e a 59º colocada nas nossas exportações.

Na comparação do comércio entre os dois países em iguais períodos (janeiro a setembro) em 2018 e 2019, as trocas já caíram para quase a metade — queda de cerca de 47% neste ano. Até setembro deste ano, o Brasil vendeu ao chavismo US$ 238,4 milhões (R$ 951 bilhões), e comprou US$ 71 milhões (R$ 283 milhões), mais da metade em metanol, um biocombustível (cerca de US$ 35 milhões, ou R$ 140 mi).

Em segundo lugar nas compras feitas pelo Brasil aparece a energia elétrica, já que o Estado de Roraima não é ligado ao sistema elétrico nacional. Em contrapartida, o produto brasileiro mais vendido aos venezuelanos não é mais a carne, mas o arroz — muito mais barato, já que, por medo de calote, as empresas brasileiras têm vendido somente com pagamento antecipado.

Todo o metanol consumido no Brasil é importado. A substância serve de matéria-prima para a indústria química — na produção de madeira artificial, como o MDF, por exemplo — e para a produção de biodiesel. Nas estatísticas do Ministério da Economia, o metanol é o 52º produto mais comprado pelo Brasil, e a Venezuela foi, até setembro, o 4º principal fornecedor, atrás de Trinidad e Tobago, Chile e Estados Unidos.

Felippe Ramos, professor de Relações Internacionais da Universidade Salvador (Unifacs), na Bahia, explica que o metanol era usado na produção de gasolina aditivada na década de 1980, mas foi proibido por ser muito poluente, tóxico e de combustão invisível, o que dificultara o combate a incêndios.

“Desde 2015, órgãos de controle como o Procon têm registrado o aumento do uso ilegal de metanol misturado à gasolina. A data coincide com o agravamento da crise econômica venezuelana. Pode-se desconfiar que o aditivo esteja sendo importado, aproveitando-se da demanda da Venezuela por clientes, para ser usado em fraudes em postos de gasolina”, avalia Ramos, que integrou a equipe de pesquisas para a cooperação bilateral Brasil-Venezuela junto à Missão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em Caracas, entre 2012 e 2014.

Ramos destaca ainda que o imposto de importação que incide sobre o metanol é baixo porque a legislação brasileira o considera um insumo e não um combustível — a ANP regulamenta a importação do produto como um solvente.

Do lado brasileiro da balança comercial, a compra de metanol venezuelano é pouco significativa dentro do total importado dos demais parceiros. Em janeiro e setembro, o Brasil comprou US$ 70 milhões (R$ 280 milhões), ou o dobro do que compra da Venezuela, de Trinidad e Tobago, e outros US$ 154,5 milhões (R$ 616 milhões) do Chile.

“O metanol venezuelano ainda teria um preço vantajoso. Se a cadeia logística já está estabelecida, aproveita-se essa redução de custo”, explica Ramos, que também atua como consultor de risco.

Diferentemente do metanol, cuja importação poderia ser substituída, o segundo produto mais comprado pelo Brasil da Venezuela não tem uma solução tão simples: a energia elétrica que abastece Roraima. O Estado não está conectado às linhas de transmissão do sistema de energia nacional, que abastecem todo o Brasil e mais de 80% da eletricidade consumida era comprada dos venezuelanos — até Maduro interromper o fornecimento, em março, em meio aos frequentes apagões que atingem o país vizinho.

Sem a eletricidade venezuelana, o Brasil passou a abastecer o Estado somente com termelétricas, elevando os custos operacionais e criando um rombo nas contas da distribuidora privada de Roraima. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o valor este ano chega a R$ 286 milhões. Comprar da Venezuela sairia mais barato: no ano passado, o Brasil pagou aproximadamente US$ 43 milhões em eletricidade, cerca de R$ 171 milhões no câmbio atual.

João Carlos Jarochinski Silva, coordenador do curso de Relações Internacionais da UFRR (Universidade Federal de Roraima), conta que a compra de eletricidade venezuelana começou a partir da iniciativa do próprio governo estadual, que buscava mecanismos para a obtenção de fontes de energia capazes de oferecer conforto à população e criar um sistema produtivo no Estado.

“A iniciativa não foi acompanhada de obras que poderiam assegurar a melhoria do sistema de produção e distribuição de energia, até mesmo sem contemplar o potencial para energia solar e eólica. Optaram pelo sistema mais fácil e barato de ser implementado, o termelétrico. Mas ele possui altos custos em termos de produção de eletricidade e de poluição, além de ser insuficiente ao crescimento populacional e de consumo de energia que ocorre em Roraima”, explica o professor.

A obra do chamado Linhão de Tucuruí, que deve ligar Manaus a Boa Vista, tem 700 km e prevê a passagem pelo território indígena Waimiri-Atroari, que fica entre o Amazonas e Roraima. Jarochinski cita ainda a tentativa do governo federal pela retórica que “culpabiliza os indígenas por não permitirem a passagem do linhão interligando o sistema nacional em seu território, como se essa fosse a única possibilidade de resolução da temática energética”.

Com informações: BBC News Brasil