Cotidiano

Condições de trabalho e falta de materiais preocupam enfermeiros

Falta de equipamentos básicos e medicamentos são as principais queixas, mas insegurança e abalo psicológico agravam a situação

Lidar com a vida humana em situação de extrema fragilidade é rotina para os profissionais de saúde. Dentro das unidades hospitalares, os enfermeiros exercem funções que demandam, além de resistência física, o preparo psicológico de estarem em contato direto com pacientes e familiares vulneráveis. O atendimento à população nos hospitais exige o mínimo de condições de trabalho para executarem a função da melhor forma, mas não é o que tem acontecido nos últimos anos segundo os próprios funcionários.

A falta de medicamentos e insumos básicos para realizar procedimentos médicos tem prejudicado a população de forma cada vez mais preocupante. Os profissionais garantem que passou a ser comum entrar nas unidades e se deparar com o racionamento de equipamentos necessários. Falta de luvas, agulhas, esparadrapos e até fardamento para os profissionais é frequente. 

A Folha publica a partir de hoje uma série de reportagens relatando as condições das unidades de saúde de Roraima. A primeira entrevistada é a presidente do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem do Estado de Roraima (Sindprer), Maria de Lapaz. Para ela, a situação teve há alguns anos, quando o sindicato começou a solicitar reivindicações por melhores condições de trabalho e serviços de qualidade para a população roraimense. Na época, os servidores entraram em greve para reclamar da falta de materiais, medicações e também da contratação de profissionais.

A greve foi suspensa por uma ordem judicial com a alegação que não estava sendo mantido o percentual mínimo de 30% nos serviços essenciais. “Foi comprovado que nós estávamos mantendo em alguns setores até 50% dos profissionais, isso para que não sobrecarregasse para nós. Então essa greve foi suspensa e até hoje ela não foi julgada”, disse a presidente do sindicato.

Segundo Maria de Lapaz, desde então, a classe tem procurado contato com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) para solicitar as progressões, gratificações que foram retiradas durante a greve. O dinheiro teria sido empenhado, mas não foi pago. 

“Recentemente nós tivemos uma reunião de conciliação na PGR [Procuradoria Geral do Estado de Roraima] com o secretário de saúde, Renato Queiroz, e entre tantas coisas que nós estávamos reivindicando, tem a questão da melhoria nas condições de trabalho. O que eles alegam é que as licitações da Sesau dão desertas, dão fracassadas.Isso é lógico, se eles não pagam os fornecedores, eles deixam de fornecer”, afirmou.

A sindicalista apontou ainda que não tem diálogo rápido com a Secretaria, mas que os servidores estão tentando semanalmente entrar em um acordo sobre os pagamentos das progressões, já que na audiência de conciliação os enfermeiros acordaram em não realizar novas paralisações nos serviços, porém, o secretário teria atendido a classe uma única vez, nas outras, ele não estava presente.

FALTA O BÁSICO – Uma das questões mais preocupantes é a constante falta de medicamentos. A presidente do Sindprer esclareceu que questiona a Sesau sobre a situação, que é respondida com a chegada de materiais semanas depois, mas que não são suficientes para abastecer toda a demanda.“As 25 toneladas de material e medicação que chegaram no avião da FAB [Força Aérea Brasileira], que só foi soro, água e alguns medicamentos, já acabaram”, assegurou.

Os materiais para realização dos trabalhos dos profissionais de saúde também estão escassos ao ponto de precisarem suspender cirurgias eletivas porque não tem equipamentos essenciais, como roupas adequadas porque a lavanderia está sem funcionar, pois funcionários paralisaram as atividades por estarem há quatro meses sem salário. Além da lavanderia, só tinha um autoclave (aparelho para esterilizar) funcionando para roupas e campo cirúrgico. 

“Isso é em todas as unidades. Faltam equipamentos de proteção individual. Esses dias o pessoal do bloco D, que é o bloco de doenças infectocontagiosas, ligou para o sindicato perguntando se a gente tinha capote para que eles pudessem entrar nos leitos de isolamento porque o que tinham dado era sem manga”, continuou a presidente.De acordo com Maria, o sindicato estaria comprando luvas e máscaras tanto para as unidades em Boa Vista, quanto para as do interior do estado.

INSEGURANÇA – Para completar a situação enfrentada dentro dos hospitais, a presidente do Sindprer garantiu que também não existe segurança para proteção dos profissionais, que ficam vulneráveis nas situações de risco. De acordo com a sindicalista, já houve situações de invasão por um membro de organização criminosa que queria assassinar um homem de uma facção rival. “Ele entrou armado no trauma e rendeu o porteiro. Só que o rival já estava morto, então ele fez o porteiro ir ao necrotério mostrar que o cara realmente estava morto. Foi lá e rasgou o pacote do morto e saiu”, relembrou.

Em alguns municípios do interior, a presidente disse que equipes, geralmente compostas por mulheres, precisam pagar seguranças particulares por medo de sofrerem algum ataque.“As condições de trabalho estão péssimas. A pessoas estão cansadas, a enfermagem está sendo massacrada porque é a que cuida do paciente. Tá uma situação de caos nunca visto anteriormente. Eu estou aqui há 11 anos e eu nunca presenciei o estado dessa forma”, encerrou. (A.P.L)

Migração não é principal motivo para falta de materiais

Uma das justificativas dadas pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) para que esteja ocorrendo desabastecimento de materiais seria o aumento populacional ocasionado pela migração venezuelana, que tem contribuído para a limitação dos recursos hospitalares. Porém, os profissionais de saúde garantem que a migração não é o fator que teria culminado para o cenário atual.

“Essa situação não é por conta da crise migratória, não. Ela agravou.Isso é fato, mas dizer que a crise migratória culminou com essa situação é pura mentira porque desde 2015 que a gente vem brigando. Inclusive há várias demandas juntamente com o COREN-RR [Conselho Regional de Enfermagem de Roraima], por falta de condições de trabalho. Fizemos uma representação no Ministério Público do Trabalho e eles vieram no mês passado fazer uma vistoria no HGR [Hospital Geral de Roraima]. Ainda estamos aguardando o relatório deles, mas o que eles viram comprovou a denúncia”, disse a presidente do Sindicato dos Profissionais da Enfermagem do Estado de Roraima (Sindprer), Maria de Lapaz.

Ela afirmou que houve, sim, aumento significativo na demanda de atendimentos, mas que o maior problema que encontra com os imigrantes é o tratamento agressivo que recebem. “Tem muita gente boa, a gente não pode generalizar, mas a maioria dos venezuelanos que é atendida na unidade de saúde é agressiva. Violências verbais e psicológicas são todos os dias porque eles querem prioridade, exigem as coisas, eles não têm paciência com a forma que as coisas aqui funcionam”, completou. (A.P.L)