Cotidiano

Especialistas em segurança divergem sobre posse de armas

Mudanças no texto que possibilitam maior flexibilidade para acesso às armas ainda divide opiniões sobre questões de segurança popular

“Eu, como presidente, vou utilizar esta arma”, afirmou Jair Bolsonaro (PSL) ao assinar o Decreto nº 9.685/18 que flexibiliza a posse de arma de fogo. A declaração, feita em alusão à caneta com que assinou o documento, foi apenas um dos pontos para o início do debate em relação à diminuição do rigor para permitir armas dentro de casa.

O discurso utilizado para sanção das novas regras baseia-se no fato de que houve aumento da criminalidade no País e que os números de mortes violentas, um total de 63.880 em 2017, de acordo com dados publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ano passado, poderiam ser diminuídos com a facilidade ao acesso às armas de fogo.

Já para os contrários ao novo decreto, ter armas dentro de casa pode aumentar a incidência de crimes domésticos cometidos contra a mulher (foram 1.133 crimes de feminicídio somente no ano passado), o aumento da possibilidade nos casos de suicídios e uma insegurança por parte da população despreparada para o uso do instrumento.

Policial militar diz que cidadão poderá proteger a vida com arma

Para o policial militar Roney Cruz, bacharel em segurança pública, a posse de arma representa uma segurança para a vida e propriedade do indivíduo, que teria sido prejudicada em virtude do aumento do uso de armas por criminosos. “Eles não se inibiram em utilizar armas mesmo contra o que previa lei. A diminuição da criminalidade será relativa”, relatou.

A flexibilização da posse não será o ponto principal para a diminuição dos casos de homicídios, de acordo com o policial. Ele acredita que, a partir de agora, é preciso ter mais conscientização sobre os deveres e obrigatoriedades em relação ao uso das armas de fogo, mesmo que isso possa demandar um tempo para o brasileiro ter o costume de ter o objeto dentro de casa.

“É necessário, principalmente, a mudança de cultura do brasileiro com relação ao uso correto da arma de fogo. Isso não quer dizer que possa representar um risco para a cidade do cidadão de bem, pode também ser em muitos casos a proteção à sua própria vida bem como de terceiros”, enfatizou.

Nos casos de violência doméstica, Cruz visualiza uma proteção maior após a criação da Lei Maria da Penha. A posse de arma não seria uma inibição para mulheres denunciarem seus parceiros sobre a violência cometida, pois seria respaldada pela proteção da legislação. “A lei é um instrumento que poderá punir aqueles que, porventura, queiram utilizar as armas para ameaçar as mulheres”, encerrou.

Socióloga aponta posse de arma como ‘falsa sensação de segurança’

O entendimento de que o Brasil precisa de políticas de Estado para interação de todas as polícias para agirem com inteligência no combate ao crime organizado parte da socióloga Carla Domingues, especialista em segurança pública. Para ela, a posse de armas não terá efeitos para diminuição da criminalidade nem será possível afirmar que o objeto irá reduzir os números de homicídios no País. Além desses pontos, a socióloga aponta que casos de assaltos em residências raramente culminam em morte e, com uma arma dentro de casa, a situação pode se inverter.

“Geralmente, o criminoso vai apenas para roubar dinheiro ou pertences do proprietário da casa. O que inicialmente seria um roubo poderá evoluir para homicídio se a vítima do assalto esboçar qualquer reação inversa à esperada que caracterize que ela esteja armada”, justificou. Carla relatou que as mudanças no texto da lei culminam na flexibilização da posse ao afirmar que todas as pessoas estão em necessidade de possuir uma arma.

A socióloga critica a possibilidade de indivíduos andarem nas ruas com a arma de fogo, mesmo que o porte não esteja previsto em lei, podendo resultar em casos de homicídio. No novo decreto, ter mais de 25 anos e estar livre de antecedentes criminais é um dos fatores para conseguir a posse, porém a especialista frisa que isso não impossibilita novos criminosos de terem acesso às armas melhores.

Carla relatou que a mudança do perfil do brasileiro com relação à falta de segurança pública foi o fator determinante para o desejo de compra das armas. “O cidadão tem a mentalidade que se se armar vai conseguir proteção porque o Estado não está fazendo o papel dele, de proteger. Só que não é bem assim. [a arma] É uma falsa sensação de segurança porque a pessoa vai estar vulnerável com o ladrão sabendo que tem uma dentro de casa”, destacou.

Sobre a violência contra a mulher, Carla afirmou que a vítima de violência doméstica provavelmente será uma das mais afetadas pela flexibilização da lei, já que a arma será mais um fator de risco para ela. “Penso que há uma grande possibilidade de a mulher vítima ficar reclusa e não denunciar por temer por sua vida”, concluiu.

Psicóloga acredita em mais rigor para liberação de armas

“Estamos nos encontrando em um momento sociopolítico muito complicado e isso acaba afetando a forma como as pessoas estão lidando com o mundo e consigo mesmas. Ter à disposição uma arma de fogo é um elemento a se avaliar”, garantiu a psicóloga Elis Marques.

A especialista apontou que a flexibilização da posse é um fato de cuidado, principalmente em ambientes com crianças e adolescentes. Ela frisou que em comunidades de minorias, como a de LGBT e mulheres, essa vulnerabilidade pode se agravar e resultar em comportamentos mais depressivos e emocionalmente mais vulneráveis. Com a arma dentro de casa, a psicóloga não descarta a possibilidade de casos de suicídio.

“É preciso ser mais criterioso sobre quem vai ter acesso à posse de arma, algo que deve levar diversos fatores em consideração para permitir que uma arma de fogo ‘habite’ uma casa. Tem que considerar a questão familiar”, pontuou. (A.P.L)