Cotidiano

Falta de políticas limita inclusão de autistas na sociedade

Com pouco debate e políticas públicas, pais ainda enfrentam preconceitos e dificuldades para tratamento; associação tenta dar voz e conseguir melhorias para famílias

No auge dos três anos, o pequeno Tomás se diverte entre os brinquedos coloridos e oferece o sanduíche preparado na lanchonete enquanto se distrai um pouco com a rotação do ventilador no teto. Desde o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), ele continua dando o maior ensinamento aos pais: um dia de cada vez.

A família se tornou mais uma entre milhares que buscam diminuir as barreiras e lutar pela inclusão das pessoas autistas na sociedade. No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado neste dia 2, os caminhos para ampliar a diversidade e o debate sobre o tema ainda são longos, mas a depender de um grupo de pais, eles serão menos árduos.

Roraima teve os primeiros dados de pessoas com o espectro autista há apenas dois meses, quando a União de Pais e Pessoas com Autismo (UPPA) realizou um cadastro para saber qual a necessidade de cada um e como as políticas públicas devem atuar em cada caso. São 180 famílias cadastradas, que estão unidas para viabilizar espaços e maior atendimento para crianças, jovens e adultos.

Pela falta de inclusão, o desenvolvimento de crianças com o espectro é diretamente atingido e o preconceito aumenta por causa da ausência de informações para as próprias famílias. 

“Temos um grupo com pessoas do Estado inteiro e é cada relato horrível que escutamos. Foi o que fez cair minha ficha. Eu precisava fazer alguma coisa, levar apoio para quem não tem”, relatou uma das diretoras da entidade, a dentista Roberta de Barros.

Ela assegurou que atualmente um dos principais pontos que a UPPA tem trabalhado é pela procura de um local adequado para todos e que possa ofertar uma equipe multidisciplinar durante as terapias. 

“O autismo não tem cura, os sinais e sintomas são confundidos com birra. Na verdade estão fazendo para se controlarem quando estão entrando em um surto. 

ATIVIDADE ESCOLAR – A mãe lamenta a falta de oportunidades para que a criança possa estar em contato com atividades comuns. Na rede municipal, os cuidadores tiveram as cargas horárias diminuídas, o que torna impossível fazer todo o acompanhamento no período em que a criança está na escola. 

“Em Boa Vista, o principal é a educação. Os alunos ficam quatro horas na sala de aula, os educadores ficam três. Com isso, alguns pais estão tirando as crianças das escolas porque têm medo de deixar as crianças sozinhas porque algumas não vão ao banheiro ou não falam”, criticou Roberta que completou que o número de profissionais também é insuficiente.

O problema se estende à rede estadual, por não ter a quantidade de terapeutas atendendo a toda a demanda, o que prejudica o desenvolvimento intelectual, de fala e social do autista. “Muitas mães não conseguem o laudo e assim ficam de mãos atadas, não podem requisitar o cuidador e as terapias. Entendemos toda a questão econômica e social que o Estado está vivendo, mas não podemos parar”, sustentou.

Sobre a falta de políticas públicas, a mãe critica a atuação de governantes por não ofertarem mais atenção às pessoas com o espectro e ignoram que irão se tornar adultos sem inclusão social. 

“Não tínhamos nem que estar pedindo, isso já tinha que existir. É obrigação. É inversão de valores”, pontuou.

UPPA quer aumentar apoio aos pais de filhos autistas

A mãe de Tomás destacou que a principal dificuldade com a falta de profissionais está ligada também aos diferentes sinais e sintomas de cada paciente. Em virtude disso, ela esclarece que há muitos prejulgamentos porque não há uma única especificidade para detectar o espectro. 

“O autismo não tem uma característica física. A partir do momento que as pessoas conhecerem, vai ser mais fácil. Mudou a minha visão em relação a isso, a ser mais sensível, não é uma coisa que está estampada”, enfatizou.

Roberta revelou que o diagnóstico é apenas a confirmação da percepção que o filho tem características distintas, mas que ainda há um baque. A UPPA está trabalhando para atender mais famílias que estejam na condição e haja mais rodas de conversas de apoio aos pais após a notícia. Para encontrar a UPPA, basta entrar em contato pelo número (95) 98121-2927 ou buscar nas redes sociais. (A.P.L)

Estudo está sendo feito para melhorar atendimento 

Por telefone, a diretora da Rede Cidadania, Soraima Rodrigues, confirmou a falta de profissionais especializados para o atendimento e tratamento do espectro autista, mas ressaltou que a Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes) está realizando um estudo para saber a real demanda e poder aplicar novas ações para o público.

“É visível esse aumento na demanda. Não só a parte profissional, mas também a física. Por mais que conseguíssemos mais profissionais hoje, não poderíamos atender no espaço físico que temos. Isso tudo vai demandar um tempo, não tem uma data prevista porque começamos esse estudo agora”, assegurou. A diretora completou informando que dentro do projeto deve-se contemplar também a ampliação do espaço para localidades do interior. 

PREFEITURA – A Folha entrou em contato com a Prefeitura de Boa Vista para questionar os motivos da diminuição da carga horária dos cuidadores nas escolas municipais, porém não houve retorno até a conclusão da matéria. (A.P.L)