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No segundo filme de Ralph, o herói e Vanellope invadem a web

Por Luiz Carlos Merten

Agencia Estado

Vida de princesa é dura – pelo menos a das princesas da Disney. Na melhor cena da animação WiFi Ralph – Quebrando a Internet, que estreia nesta quinta, 3, a heroína, Vanellope, invade o parque temático em que as princesas desfrutam de um breve momento de descanso entre uma audição e outra. E o que fazem? Cantam, e sonham com seu príncipe. São ultrapassadas. O mundo é das empoderadas, como a própria Vanellope, cuja amizade com o desajeitado Ralph vive um momento de tensão e crise. Continuarão amigos?

É adiantar demais as coisas. Há cinco anos, em 2013, o mundo descobriu Detona Ralph, e com o filme um novo tipo de dupla. Detona Ralph chegou a ser definido como o Toy Story dos jogos eletrônicos. Ralph é personagem de um jogo de fliperama, mas está cansado de só se dar mal no fim das partidas. Para complicar, Ralph sente-se desprezado pelos colegas, que quase não falam com ele e o deixam fora das comemorações. Disposto a provar seu valor, resolve ir à luta em outros jogos para obter uma medalha, e dessa forma ser respeitado. No processo, ele encontra a garota. Formam a dupla. O tema é a aceitação.

No segundo filme da franquia, Quebrando a Internet, Ralph e Vanellope mergulham na interconectividade da rede a partir de um roteador Wi-Fi. Explicando melhor – o jogo da garota, o Corrida Doce, estraga e eles precisam de uma peça para consertá-lo que só existe na rede. Deixando os velhos arcades, a dupla reencontra personagens clássicos do mundo dos games, como Sonic the Hedgehog e Q-Bert, mas também sofre com os ‘lags’ dos jogos, vendedores de vírus e spams. No processo, separam-se, enfrentam e superam seus medos para que, no limite, a amizade triunfe. Algo importante ocorreu no intervalo entre os dois filmes. O roteirista Phil Johnston somou-se a Richard Moore como diretor, e ambos continuaram contando com a parceria do animador brasileiro Renato dos Anjos.

Vieram os três para a CCXP, em dezembro. ‘Rich’ teve uma indisposição, mas participou com os parceiros do painel na São Paulo Expo. Em conversa reservada com o Estado, Johnston e Dos Anjos conversaram sobre a ambição estética do projeto. “WiFi Ralph é o blockbuster das animações. Temos cenas com 1 milhão de figurantes, o que o público talvez nem perceba, só vê a multidão de figuras e cores, mas isso deu um trabalho imenso para uma equipe enorme de animadores”, revelou o brasileiro. Em 2016, quando Quebrando a Internet já estava em (adiantado) processo de realização, estreou outra animação de Rich Moore, codirigida por Byron Howard e também escrita por Johnston, Zootopia – Esta Cidade É o Bicho. Em um mundo futurista povoado por mamíferos antropomórficos, uma coelha da zona rural tenta realizar o sonho de se tornar a primeira oficial coelho no departamento de polícia de Zootopia.

A cidade é uma loucura de cor e delírio cenográfico e, com certeza, essa visão do futuro distópico influenciou a realização de Wifi Ralph. “Absolutely. Zootopia estabeleceu um padrão de diversidade e ousadia visual que nos permitiu ir mais longe. Aliás, a história da animação é uma evolução constante. Na Disney, na Pixar, no Ghibly (o estúdio do genial animador japonês Hayao Miyazaki) são criados programas que permitem avançar cada vez mais no detalhamento dos personagens e do espaço”, diz Johnston. O repórter lembra uma fala de James Cameron, quando esteve em São Paulo para promover Avatar, anos atrás. “O futuro já chegou ao cinema e hoje a situação se inverteu. Já temos tecnologia para criar não importa o quê. Se existe algum limite é a nossa imaginação de criadores – roteiristas e diretores. Instrumental, nós temos. Só precisamos imaginar, e fazer.”

Johnston revela que houve uma preocupação toda especial em não idealizar a web. “Nossa trama destaca aspectos positivos e negativos da internet. Cabe ao público identificar uns e outros. Sem ser necessariamente didático, o filme se presta a que pais dialoguem com seus filhos sobre o assunto, nesse momento em que a internet já está consolidada na vida cotidiana das pessoas.” E Dos Anjos. “Visitamos muitos websites para acumular a maior quantidade possível de informações, e depois fomos selecionando o que nos interessava. A internet foi criada a partir de camadas, e reproduzimos o conceito no filme, trabalhando com o acúmulo de cores e texturas.”

Toda a força à imaginação, mas o filme não seria tão bom, no original, sem as vozes de John C. Reilly e Sarah Silverman, que criam Ralph e Vanellope. “Eles dão a WiFi Ralph mais do que suas vozes. Acrescentam uma qualidade particular de dinamismo e emoção que nos permite acreditar nessas figuras, que jamais se tornam enfadonhas”, define Johnston.

No seu painel na CCXP, Rich Moore destacou que, nesse mundo de mulheres poderosas, a ideia era conceder uma espécie de upgrade a Vanellope, criando mentoras para ela. “Ralph é como um irmão mais velho, protetor, que representa de onde ela vem, mas agora é tempo de Vanellope descobrir seu potencial. E o filme a coloca numa encruzilhada. Shank e as princesas representam aquilo que ela poderá ser.” Se as princesas continuam atreladas a seus príncipes, Shank é aquilo que se chama de ‘bad-ass’ em versão feminina. Cheia de confiança, intimidadora, a mulher que tem atitudes extremas e não espera que homem nenhum venha resolver a parada para ela (embora tenhas seus ‘auxiliares’). Quem mais poderia ser Shank senão ela, Gal Gadot? “É a nossa Mulher-Maravilha, mas Vanellope vai aprender que existe uma terceira via, e é a do companheirismo, da amizade.”

O suspense passa pelo ponto de vista de um único personagem

Por Luiz Zanin Oricchio

Agencia Estado

Culpa, apesar do título em português, não é tanto sobre o tal sentimento, mas sim sobre os diferentes possíveis culpados pela situação. (Foto:Divulgação)

O dinamarquês Culpa, de Gustav Möller, surgiu na Mostra de Cinema de São Paulo como um desconhecido completo. Aquele tipo de filme sobre o qual não havia referências mas que, por sua originalidade, acabou agradando aos cinéfilos. Provocou um boca a boca interessante e, por fim, ganhou o privilégio de um lançamento no circuito comercial. É um filme estranho – no bom sentido do termo. Totalmente focado na pessoa de um policial, Asger Holm (Jakob Cedergren), que atende a chamadas de emergência numa delegacia.

A proposta de Möller é circunscrever uma intrincada história à intervenção de um único protagonista, sentado em sua cadeira, com um telefone preso ao ouvido e os olhos pregados numa tela de computador.  Nessas condições, Holm recebe uma série de telefonemas mais ou menos rotineiros, com brigas de casais, por exemplo. Mas, quase no fim do plantão, pinta uma emergência de fato. Uma mulher telefona dizendo estar sendo vítima de um sequestro e tem sua vida e a de sua filha pequena ameaçadas.  Há aí uma aposta arriscada – e que neste caso parece vencedora. Möller deposita suas fichas na eficácia de um “dispositivo” que, a priori, teria tudo para fracassar. Cria um suspense que passa, quase unicamente, pela subjetividade e pela voz de um personagem No caso, o policial Holm.

O filme poderia naufragar no tédio. Poderia tornar-se insosso, ou sufocante demais. Mas, não. O suspense criado se adensa e jamais perde o pique ou o ritmo. Pelo contínuo da ação (que sempre se passa em off, fora das vistas do espectador), ficamos sabendo muita coisa. Da vítima, mas também do próprio Holm. Sem adiantar muita coisa, aos poucos conhecemos sua atividade pregressa, sendo ele um policial acostumado à ação, nas ruas e, agora, por um problema surgido, confinado aos plantões solitários.

Provavelmente somos conquistados pela precisão do roteiro. Talvez também pela sóbria, porém intensa, interpretação do ator Jakob Cedergren, que compõe um Asger Holm cheio de matizes e de mistérios que nunca se desvelam por completo ao espectador. Enfim, como ele, ficamos confinados a uma sala de plantão policial durante uma noite que parece interminável e às voltas com um caso cuja complexidade só faz crescer ao longo do tempo. É possível que surja daí a identificação com o policial, homem de ação, porém impedido de realizá-la.

Como se Möller propusesse uma espécie de quebra-cabeças, em que a intervenção em uma situação crítica da vida real só pudesse ser feita através da palavra. É com o que diz, mas também com o que ouve, vê e deduz, que o policial Holm tentará evitar um desfecho trágico para uma crise familiar que chegou ao seu limite. Essa espécie de disciplina autoimposta conduz Culpa a uma espécie de depuração dos meios cinematográficos. Como se o diretor voluntariamente abdicasse dos recursos de que facilmente disporia e se limitasse ao mínimo dos mínimos: um ator, uma locação, uma câmera que registra quase apenas closes do intérprete. No entanto, a coisa funciona. E como funciona.