Política

Nove são presos em operação da PF no transporte escolar

Inquérito foi instaurado em agosto deste ano com objetivo de apurar supostas irregularidades cometidas em contratação do Governo com recursos do Fundeb

A prisão preventiva de nove pessoas, entre elas uma deputada estadual eleita, horas antes de ser diplomada, além de bens e documentos apreendidos, foi o resultado da operação Zaragata, deflagrada pela Polícia Federal na manhã de ontem, 14, segundo anunciou o delegado regional executivo da Superintendência da Polícia Federal, Flávio Albergaria.

“O objetivo era desarticular uma organização suspeita de envolvimento em desvios de recursos públicos e cobrança de propinas nos serviços de transporte escolar em Roraima. O nome da operação faz alusão ao estado de desordem em que se encontra tanto a prestação dos serviços de transporte quanto os próprios contratos públicos”, frisou.

O Inquérito Policial foi instaurado em agosto deste ano, com objetivo de apurar supostas irregularidades cometidas em contratação do Governo de Roraima com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) por meio de dispensa de licitação emergencial.

As investigações indicam a existência de vários esquemas envolvendo o transporte escolar do estado. Em apenas um contrato do estado, cujos valores ultrapassam R$ 78 milhões, só no ano de 2018, a Controladoria-Geral da União (CGU) aponta que os prejuízos ao erário público poderiam chegar a quase R$ 50 milhões.

Outra descoberta foi a cobrança de propina de empresas responsáveis pelo transporte, que eram obrigadas a pagar valores entre 10% a 15% das faturas para conseguir receber o pagamento devido pelo Governo dentro da ordem cronológica.

O grupo também falsificava documentos de prestação de serviços que não eram, de fato, realizados, bem como também fraudavam procedimentos licitatórios. Nos áudios que a polícia teve acesso, a partir de interceptação telefônica, fica claro o envolvimento de agentes públicos e políticos na prática dos crimes de desvio de recursos públicos, corrupção de servidores estatais e lavagem de dinheiro.

“As investigações constataram que havia servidores públicos que recebiam propinas para liberar, por exemplo, faturas da empresa com alta prioridade, enquanto diversos empresários amargavam meses de atrasos. Em alguns casos, essa empresa recebia no mesmo dia que a fatura foi liquidada, e em outras situações, o esquema envolvia o pagamento de percentuais de outros empresários do setor, que favoreceram um único beneficiário”, afirmou o delegado da PF, Anderson Dias.

Os órgãos detectaram ainda existência de falhas graves como similaridade na escrita dos ofícios enviados às empresas para realização da pesquisa de preço; divergência nas assinaturas dos proprietários das empresas; propostas de preço apresentadas pelas empresas com erros de grafia similares e serviços não executados.

A ação foi coordenada em conjunto pela Polícia Federal, Controladoria-Geral da União, Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPE). Foram cumpridos nove dos dez mandados de prisão preventiva, além de 12 mandados de busca e apreensão no município de Boa Vista. Os mandados foram expedidos pela 1ª Vara Federal do Estado de Roraima.

Os investigados que foram presos passaram pelo exame de corpo delito no Instituto Médico Legal (IML) e foram levados para a Cadeia Pública Masculina e a Cadeia Feminina na capital.

Professores e diretores ajudavam fraude, diz delegado

O esquema relacionado a uso dos recursos públicos do transporte contava com a participação de professores e diretores das unidades de ensino, revelou o delegado da Polícia Federal Anderson Alves Dias, responsável pela operação. Ele informou que os envolvidos falsificavam os atestados de que as rotas dos ônibus eram cumpridas normalmente, como determinava o contrato.

“Essa fraude contava com a colaboração tanto de servidores públicos como de pessoas que trabalhavam nas empresas investigadas. Encontramos atestes falsos de frequências escolares de diversas empresas que faziam rotas e não estavam prestando o serviço. Encontramos provas das rotas sobrepostas do contrato emergencial em relação ao contrato que estava vigente”, afirmou.

O delegado explicou que professores e diretores de escola em comunhão com representantes davam frequências em branco apenas com as assinaturas para que fossem preenchidas pelas empresas. “Encontramos também no escritório de contabilidade, carimbos já preparados para serem feitas as falsificações dos documentos então o material apreendido foi farto e vai contribuir bastante para a investigação. O saldo atual é bastante positivo nesse sentido”, avaliou.

“É estarrecedor ver o que acontece em Roraima”, diz procurador do MPF

O procurador da República Érico Gomes de Souza, do Ministério Público Federal, disse que o mais grave dentro do esquema relacionado ao transporte escolar, foi o prejuízo causado às crianças, principalmente às indígenas. Segundo ele, teve casos comprovados nas investigações em que as crianças não tiveram aula durante nenhum dia de 2018. “Elas não podiam contar com transporte, então a criança ia para escola um dia e tinha a sorte de ter transporte escolar e no outro dia não tinha. O serviço não estava sendo prestado adequadamente na prática e que prejudicou muito essas crianças”, disse.

Gomes descreveu que foi encontrado, além de falsificação de documentos, um simulacro de execução de rotas. “É estarrecedor ver o que acontece no estado de Roraima com relação a desvio de recursos públicos e essa é uma situação que também aconteceu nesse caso. Nós já sabíamos que o serviço não estava sendo prestado e só confirmamos as nossas suspeitas com a investigação que demonstra que efetivamente os serviços não eram prestados. Eles dividiram as rotas para prestação de serviço de transporte escolar e algumas dessas rotas não existiam, outras eram feitas por outra empresa e destaco a situação das escolas indígenas, pois as crianças indígenas no ano de 2018 não tiveram suas aulas como deveriam e isso é extremamente grave e está documentado na nossa investigação”, lamentou.

CGU afirma que rotas eram sobrepostas e não eram cumpridas

A Controladoria-Geral da União indicou, por meio de notas técnicas, diversos indícios de irregularidades em contratos de transporte escolar do governo. Os trabalhos tiveram origem em denúncias apresentadas à Ouvidoria da CGU, sobre a contratação de pessoa jurídica especializada para prestação de serviços de transporte escolar. As fiscalizações indicaram a existência de uma cadeia de irregularidades na aplicação de recursos oriundos do programa Fundeb.

Segundo o superintendente da CGU, Emilson Coelho Neto, nos casos descobertos, certa empresa era contratada para fazer rotas de transporte já prestadas por outra empresa, a qual efetivamente prestava o serviço. Ou ainda, uma mesma empresa era contratada várias vezes para a mesma rota, recebendo vários pagamentos por uma mesma prestação.

“Chega a beirar o absurdo o valor do que era desviado e é importante destacar que tudo começou graças à denúncia de um cidadão. Descobrimos que 72% a 75% das rotas escolares do contrato emergencial eram sobrepostas aos contratos vigentes e algumas nem eram cumpridas”, revelou.