Cultura

A história do soco mais famoso da literatura: de Llosa em Márquez

Dois dos escritores mais importantes do boom latino-americano, nos anos 1960, também protagonizaram a briga mais lendária

Aconteceu no dia 12 de fevereiro de 1976 em um cinema no México. Gabriel García Márquez, colombiano que já era mundialmente famoso por Cem Anos de Solidão (1967), e Mario Vargas Llosa, peruano que faria fama na Europa dos anos 1970 em diante e autor de Conversa na Catedral (1969), estavam na exibição do documentário Odisea en los Andes quando, de forma inesperada, Llosa acertou o rosto de “Gabo” em cheio com um soco.

O impacto foi tão grande que o colombiano não conseguiu reagir: apenas caiu no chão sangrando. “Caí sem nem saber o que tinha acontecido. Além disso, ele tinha um anel que acabou abrindo meu nariz”, disse “Gabo” ao jornal mexicano Correo dias depois do incidente.

Surpreso pela atitude do colega peruano, “Gabo” contou ainda que Llosa não parecia que lhe acertaria. “Quando eu o vi, parecia que estava sorrindo e que iria me abraçar. Foi por isso que, quando ele me deu o soco, eu fiquei completamente indefeso e de braços abertos. Se fosse o contrário eu teria pelo menos protegido a cara.” 

Em 2007, nas comemorações de 80 anos de “Gabo”, seu amigo Rodrigo Moya, fotógrafo colombiano, publicou um artigo e fotos em que o escritor aparece com o olho esquerdo roxo. Segundo o autor da imagem, um fotógrafo mexicano, García Márquez lhe pediu para fotografá-lo assim logo depois da briga para que ele tivesse uma prova da agressão.

Llosa, que cinco anos antes havia terminado seu doutorado com uma tese sobre o personagem de Outono do Patriarca, de Gabriel García Márquez, nunca falou muito sobre o assunto. Dias depois, perguntado sobre a briga, ele apenas pediu que os jornalistas “investigassem e descobrissem” o que havia acontecido. De lá pra cá, tanto “Gabo”, que morreu em 2014, quanto Llosa, que vive em Madri, na Espanha, mantiveram um mistério sobre o soco – dando margens para hipóteses históricas.

A primeira delas, e que até hoje permanece um boato difundido entre os leitores e os editores latino-americanos, é que “Gabo” cortejou a esposa de Llosa, Patricia. A suposição apareceu inclusive nas notas distribuídas pelas agências de notícias à época, como a espanhola EFE, que afirmava que o escritor colombiano tentou se aproximar da mulher do peruano durante uma viagem dos casais a Barcelona. Mercedes Barcha, esposa de “Gabo”, disse uma vez que o motivo da briga havia sido que Llosa “é um ciumento estúpido”.

Outra possibilidade para explicar a agressão também envolve Patricia Llosa, mas de um modo diferente. Alguns amigos de ambos sustentam que “Gabo” e Mercedes aconselharam-na a largar o escritor peruano por causa de um romance que ele mantinha com uma modelo estadunidense na Finlândia. “Como os dois casais viviam em Paris naquela época, García Márquez e sua esposa acabaram por servir de mediadores dos problemas conjugais de Llosa e Patricia”, afirma Moya no artigo publicado em 2007.

Na biografia de Gabriel García Márquez escrita pelo britânico Gerald Martin, Llosa dá uma pista de que essa hipótese seja a mais correta. “[O soco] foi pelo que ele disse a Patricia”.

Uma terceira hipótese forte da briga diz respeito às diferenças ideológicas entre “Gabo” e Llosa: de acordo com Moya, o fotógrafo mexicano autor da foto do colombiano machucado perguntou o que havia acontecido, e ouviu como resposta que se tratavam de “diferenças” pelo fato de o peruano “se aproximar em ritmo acelerado do pensamento de direita”.

Llosa, em uma rara entrevista a um canal de TV do Peru, porém, desmentiu, dizendo que “o distanciamento aconteceu por causa de uma questão pessoal, que não tem nada a ver com a posição ideológica de García Márquez, da qual discordo também profundamente, porque acredito que, politicamente, ele não é de forma alguma o bom escritor que é em literatura”. 

Há uma última hipótese, porém, que reúne todas as anteriores: produzida pelos professores Ángel Esteban e Ana Gallegos, da Universidad de Granada, na Espanha, eles lançaram um livro chamado De Gabo a Mario, em 2014, no qual defendem que o soco foi apenas a expressão final de diferenças que, iniciadas pela questão de Patricia, se consolidaram com as distâncias ideológicas entre ambos.